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O jurista Ives Gandra Martins | Foto: Andreia Tarelow
Edição 212

Ives Gandra Martins: ‘Há censura no Brasil e a liberdade precisa ser restabelecida’

Jurista criticou a atuação de ministros do STF e comentou o escândalo Twitter Files

Cristyan Costa
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“As denúncias são graves e precisam ser apuradas.” Foi o que disse o jurista Ives Gandra Martins sobre a revelação do escândalo Twitter Files Brasil, que envolve o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes, também ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Como resposta às críticas de Elon Musk, dono do X/Twitter, Moraes o inseriu no inquérito que apura a existência de supostas milícias digitais. Para Martins, Moraes não tem meios de atingir o empresário nos Estados Unidos, por ser um país que preza pela liberdade de expressão. “A investigação conduzida aqui no Brasil não tem alcance internacional”, constatou o jurista.

A respeito da possibilidade de a rede social ser banida do nosso país, Martins constatou que isso seria pior para o Brasil que para o dono da big tech, sobretudo aos funcionários e à imagem que temos no exterior. “Não podemos também nos esquecer de que os países onde o Twitter é proibido são ditaduras: Rússia, China, Irã, Coreia do Norte, Nigéria, Mianmar e Turcomenistão”, observou. “Nos juntar a eles não me parece algo bom.”

Atuando há 66 anos na advocacia e com vários títulos acadêmicos (entre eles o de professor emérito da Universidade Presbiteriana Mackenzie e membro da Academia Paulista de Letras Jurídica), Gandra comentou a atuação de Moraes e do STF. Segundo o jurista, o ministro e seus inquéritos têm provocado a censura no Brasil. “A liberdade precisa ser restabelecida”, defendeu. “E o que me causa estranhamento é que o jurista Alexandre de Moraes tem escritos em prol da liberdade, o que diverge de sua atuação agora, como ministro da Suprema Corte.”

Ives Gandra
Ives Gandra Martins | Foto: Divulgação

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Qual é a avaliação do senhor sobre o caso Twitter Files? Com base nos e-mails, quais direitos foram violados?

As denúncias são graves e precisam ser apuradas. Quero me ater à Carta Magna, visto que sou professor universitário, e não político. Em seu artigo 5°, a Constituição assegura a todos os brasileiros o direito à liberdade de expressão. Caso haja algum abuso, há previsões legais para punição, que não a censura. Ainda conforme o texto constitucional, do artigo 220 ao 224 temos a liberdade dos meios de comunicação, que não podem ser calados. Há cinco anos, contudo, o ministro Alexandre tem conduzido inquéritos de ofício com base no Regimento Interno do STF. A Procuradoria-Geral da República chegou a pedir o fim de um deles, mas sem sucesso. Nesses processos, a Corte tem investigado, julgado e prendido pessoas. Esses atos ocorrem à revelia do que os constituintes puseram na Carta. Por essas questões que foram expostas, entendo que tem havido censura no Brasil e, consequentemente, a falta de liberdade de expressão, que precisa ser restabelecida.

“De acordo com a Constituição e com as leis em vigor, o STF não pode mandar tirar o Twitter do Brasil. No entanto, a Corte concedeu poderes a si própria, inclusive o de legislar, como nos casos do marco temporal e das drogas, que são competência do Parlamento”

Moraes inseriu Musk no inquérito que apura a atuação de supostas milícias digitais que estariam tentando desestabilizar a democracia. O que isso significa?

No mundo dos fatos, nada. Esse procedimento não tem alcance internacional. Em vez de pôr o empresário na investigação, Moraes deveria fazer uma carta rogatória, que é um instrumento de comunicação entre as Justiças de países diferentes, expor suas queixas e esperar uma resposta das autoridades. Mesmo nessa situação, os Estados Unidos ou qualquer nação democrática não admitiriam tomar alguma medida contra Musk, porque o que ele fez foi apenas emitir opiniões sobre um ministro. Cito como exemplo um caso semelhante, cujo desfecho não é aquele de que o STF gostaria: o de Allan dos Santos. Por várias vezes, Moraes quis a extradição do jornalista, mas as autoridades do governo americano não acataram ao pedido. A impressão que tenho é de que o Brasil perde muito com isso.

O ministro Alexandre pode mandar tirar o Twitter do Brasil?

De acordo com a Constituição e com as leis em vigor, não. No entanto, o STF concedeu poderes a si próprio, inclusive o de legislar, como nos casos do marco temporal e das drogas, que são competência do Parlamento. Atualmente, por decisão da própria Suprema Corte, ela pode fazer o que quiser. É importante ressaltar que uma decisão radical no sentido de banir o Twitter vai prejudicar o Brasil em várias questões, a começar pelos trabalhadores. O impacto imediato é a demissão de pessoas, porque a filial da empresa tem funcionários aqui. Não podemos também esquecer que os países onde o Twitter é proibido são ditaduras: Rússia, China, Irã, Coreia do Norte, Nigéria, Mianmar e Turcomenistão. Nos juntar a eles não me parece algo bom para a imagem que queremos.

X/Twitter | Foto: Shutterstock
Se provadas, as condutas do ministro Alexandre são passíveis de impeachment?

Processos de impeachment, apesar de precisarem de fundamentação jurídica, são políticos. Dessa forma, precisam ser pautados pelo presidente do Senado, no caso, Rodrigo Pacheco. Todavia, entendo que ele não vai fazer isso, por ser pré-candidato ao governo de Minas Gerais e próximo de ministros do STF e também do governo Lula. Até hoje, mais de 50 pedidos continuam engavetados na mesa do parlamentar. Pacheco não deverá colocar algum deles para seguir em frente, o que torna difícil vermos um ministro da Suprema Corte ser removido do cargo nesta legislatura. Acrescento que o poder de cautela, ou seja, de decidir o magistrado de acordo com sua convicção jurídica, não serve de base para sua punição.

O que o Congresso Nacional pode fazer diante das denúncias expostas?

A aprovação de duas medidas: uma lei vinda da Câmara dos Deputados para vedar o afastamento e a prisão de parlamentares por opiniões expressadas, e um decreto legislativo, de iniciativa do Senado, para reafirmar que a liberdade de expressão no país é ampla. Em linhas gerais, são meios para assegurar o que está na Constituição. Fora isso, não vejo possibilidade de impeachment enquanto Pacheco for presidente do Senado. Seria uma grande surpresa se ele decidisse pautar um pedido nesse sentido.

O que o senhor acha de boa parte da velha imprensa apoiar a censura à imprensa?

Grande parte dos representantes dos jornais tem preferência política pela esquerda, que defende maior presença do Estado sobre a sociedade, e não deixa de levar sua convicção para as notícias e os artigos. O que vemos hoje é uma predominância do pensamento da chamada “imprensa oficial”, que vai na direção do controle das big techs. Isso porque as redes sociais diminuíram o campo de ação da mídia. Por isso, ela se manifesta a favor da regulação. Portanto, quanto menos Twitter, Facebook, Instagram e similares houver, maior será a dependência das pessoas pelos veículos de comunicação tradicionais.

Ilustração: Shutterstock

Leia também “Corina Yoris, opositora de Nicolás Maduro: ‘Não desistiremos'”

10 comentários
  1. ERNANDES GOMES SOARES
    ERNANDES GOMES SOARES

    Excelente artigo.
    Entretanto, me surpreende ver uma grande contradição nas falas do eminente jurista.
    Ao mesmo tempo em que ele reafirma que a Constituição Federal já prevê claramente a liberdade de expressão no Brasil, ele sugere um novo Decreto do Senado, para esclarecer esse tema.
    Não precisamos de novas leis nesse sentido, e sim, que a sociedade EXIJA o cumprimento do que estabelece a nossa Constituição.
    E essa reação da sociedade, somente se fará com a força das manifestações populares

  2. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Dr. Ives, chegamos a esse ponto por total omissão do Congresso Nacional na pessoa do seu presidente Pacheco.
    Os poderes que na CF são independente e harmônicos entre si, na prática é um conluio com troca de proteção entre funcionários públicos que nós pagamos, e muito caro.

  3. José Rubens Medeiros
    José Rubens Medeiros

    O ilustre Ives Gandra perceptivelmente EVITA dar respostas diretas às perguntas que lhe foram feitas. Por exemplo: “Se provadas as condutas do ministro Alexandre de Moraes são passíveis de impeachment?”. Ele simplesmente NÃO RESPONDEU. Disse, com claras EVASIVAS, que “processos de impeachment são políticos”, que “precisam ser pautados”, que “Pacheco não vai fazer isso”. Desculpe o Dr. Ives Gandra, mas esse tipo de RETICÊNCIA por parte de uma pessoa reconhecidamente séria como ele, NÃO AJUDA. Espera-se que ele fale ABERTAMENTE sobre as ridículas e gritantes DOIDICES do STF como um todo e especificamente do tal ministro Moraes. E que pare de falar a respeito de “livros que o tal ministro teria escrito” etc. etc. Esse juiz é flagrantemente despreparado juridicamente e humanamente.

  4. JOSÉ DE SÁ PESSOA
    JOSÉ DE SÁ PESSOA

    Perfeita análise, professor Ives.

  5. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Homem de respeito.

  6. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Faltou coragem ao Alexandre de Moraes para enquadrar o mais admirado jurista deste pais na “minuta do golpe”, porque todos sabemos que o dr. Ives interpreta, porque construiu com seus pares o texto constitucional , e no art. 142 da CF, que as FFAA poderão intervir “pontualmente” se solicitadas por qualquer poder para o cumprimento da LEI e da ORDEM.
    Assim esta escrito no art. 142 : “As FFAA constiuídas pela Marinha, Exercito e Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos PODERES CONSTITUCIONAIS e, POR INICIATIVA DE QUALQUER DESTES, DA LEI E DA ORDEM”.
    Qual interpretação daria um estudante na prova de interpretação de texto do ENEM?
    Sempre ouvi e entendi o dr. Ives dizer que tal intervenção é “pontual”, e não requer tanques canhões, ou seja, somente quando um PODER interfira em outro, conforme frequentemente observamos.
    Lei aprovada, como a do VOTO IMPRESSO em 2015 para ser implantadas em 2018, foi ridiculamente tornada INCONSTITUCIONAL por argumentos infantis, como a quebra do sigilo do voto, custa muito caro, a impressora pode travar, e outras baboseiras.
    Afinal, no Congresso a LEI passa pela CCJ da Câmara e do Senado para aprovar e os doutos parlamentares observam todos os rigores constitucionais para aprová-la. Ai vem um despachante Randolfe e entra com ADI porque foi perdedor no debate parlamentar.
    Houve comentário em artigo do Estadão, de grande jurista ex presidente do STF, que disse que o VOTO IMPRESSO é inconstitucional porque serviria como comprovante para o “cacique eleitoral”. É inadmissível grande jurista do STF desconhecer a LEI que observa que o comprovante (voto impresso) é somente visualizado pelo eleitor e após confirmado segue automaticamente para a urna lacrada. Entendo que o eleitor é o primeiro AUDITOR de seu voto pois tem a certeza que estará contido nas urna eletrônica e na urna do voto impresso, para necessária AUDITORIA de urnas sorteadas após o pleito. Simples assim, se encontradas diferenças basta apurar todas as urnas.
    Creio que a intervenção das FFAA por solicitação do LEGISLATIVO poderia se dar exatamente para desconhecer tal travessura do STF e fazer cumprir a LEI.

  7. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Em vez de entrevistar Ives Ganda entreviste Marco Antônio Costa. Ives Ganda responde andando num tapete vermelho de espuma. Todos, até as crianças sabem, que estamos vivendo uma ditadura do judiciário e o governo Lula é uma corja de ladrão comunista terrorista narcotraficante genocida e o STF TSE STJ MPF CNJ e Polícia Federal são os cão de caça

  8. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    Respostas esclarecedoras.

  9. Daniel BG
    Daniel BG

    A essência da questão impeachment foca totalmente no Pacheco. Ele parece colocar medo na casa e o legislativo não expulsa um inútil da sua presidência. Sem desculpas para a incompetência da casa.

    1. Rosely M G Goeckler
      Rosely M G Goeckler

      Sem dúvida
      Passou da hora de os Senadores expulsarem Rodrigo Pacheco da Presidência! Ele não cumpre o papel de presidente do Senado e do Congresso ! Um omisso!

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