“Uma comunidade cujas normas contrariem a lei moral
não é uma comunidade jurídica, mas uma quadrilha de
ladrões, de sorte que uma ordem social e moralmente
reprovável não é verdadeira ordem, é desordem.”
(Jürgen Baumann, citado por Ricardo Dip em
Segurança Jurídica e Crise do Mundo Pós-Moderno)
De acordo com os princípios do Direito, um juiz não pode julgar uma causa na qual ele é a vítima. Pelos mesmos princípios, um juiz não pode abrir um processo “de ofício” — abrir processos é uma prerrogativa do Ministério Público. Segundo a legislação brasileira, o juiz também não investiga ninguém; apenas a polícia e o Ministério Público conduzem investigações.
Tudo o que mencionei acima, e que é vedado pelos princípios básicos do Direito e pela legislação brasileira, aconteceu no Brasil nos últimos anos. Há quem afirme que, como essas condutas estão em desacordo com a lei, todos esses atos seriam juridicamente nulos.
Mas a situação é ainda mais complicada. Determinações, decisões e atos juridicamente nulos foram usados para cercear direitos fundamentais — invioláveis em quaisquer circunstâncias — de cidadãos brasileiros.
Explicando devagar: alguém usou um instrumento ou uma manobra jurídica que não poderia ser usada para retirar, de outra pessoa, algo que não poderia ser retirado — nem que os instrumentos usados para isso fossem legítimos.
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O resultado é que milhares de pessoas tiveram seus direitos fundamentais, como o direito de expressão e o direito de manifestação, violados — violações inaceitáveis de acordo os princípios universalmente aceitos de direitos humanos. Vale repetir: essas violações, ilegítimas em si mesmas, foram feitas com a utilização de instrumentos igualmente ilegítimos.
Permitam-me tentar explicar o que aconteceu no Brasil com um exemplo. Imagine um país muito, muito distante, onde existam democracia e Estado de Direito. Certo dia, um político resolve dar um golpe e tomar o poder. O regime que ele instala é ilegítimo. Esse regime, então, resolve impor um arcabouço jurídico. Nova ilegitimidade. Dentro desse arcabouço, o ditador proclama uma lei. Percebam: é uma lei ilegítima, dentro de um arcabouço jurídico ilegítimo proclamado por um regime ilegítimo.
Nesse país admirável, magistrados concedem entrevistas opinando sobre o mérito de casos que eles mesmos ainda vão julgar
Com base nessa lei, o ditador do país muito, muito distante começa a censurar e a prender seus opositores por suas palavras. A censura e as prisões são ilegais, já que o direito à liberdade de expressão é um direito fundamental. As censuras e as prisões foram realizadas com base em uma lei ilegítima, criada em um arcabouço jurídico fantasioso por um regime que ocupa o poder ilegalmente. São quatro níveis de ilegalidade, sobrepostos um ao outro. É um castelo de cartas jurídico e moral, pronto para cair ao primeiro vento forte.
Os frutos de uma árvore contaminada são contaminados também.
Dizem meus amigos operadores do Direito que essas censuras e prisões — do país muito, muito distante — são nulas de pleno direito. Essa expressão quer dizer que esses atos não passam de um teatrinho, de pura exibição de força bruta sem qualquer amparo legal. Do ponto de vista jurídico, ações tomadas nesse contexto de múltipla ilegalidade são nulas, inválidas, inexistentes.
Muitos juristas de renome apontam, na situação atual do Brasil, um castelo de cartas que tem muito mais do que cinco níveis.
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No Brasil, magistrados não podem abrir inquéritos — portanto, qualquer inquérito aberto de ofício por um magistrado seria nulo de pleno direito. Esse seria o nível um, a base da ilegalidade. Nenhum magistrado pode julgar um caso em que ele próprio é a vítima; aí estaria o nível dois da ilegalidade. Segundo a legislação brasileira, apenas pessoas com foro de prerrogativa de função — o chamado “foro privilegiado” — podem ser julgadas em cortes superiores. Esse é o nível três da ilegalidade. O direito à liberdade de expressão e de manifestação são direitos fundamentais; entretanto, no Brasil de hoje, muitas pessoas tiveram esses direitos cerceados ou até respondem judicialmente por tê-los exercido. Eis o nível quatro.
O Brasil foi transformado em uma Terra do Nunca jurídica, na qual a credulidade do cidadão é desafiada a cada dia. É um admirável Brasil novo, um 1984 em 2024, no qual um juiz pode continuar com uma investigação mesmo depois que o procurador-geral determinou o arquivamento do inquérito.
Nesse país admirável, magistrados concedem entrevistas opinando sobre o mérito de casos que eles mesmos ainda vão julgar, fazem palestras com declarações sobre seus processos e participam de homenagens públicas e manifestações políticas envolvendo pessoas que são partes nos processos que julgam.
Como lembra meu amigo, o procurador de Justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro Marcelo Rocha Monteiro:
“No sistema acusatório, juiz não instaura nem conduz inquérito. Inquérito não é processo, é investigação — e investigar é função da polícia e às vezes do MP, nunca do Judiciário. Pelas mesmas razões, no sistema acusatório, o juiz não ‘manda incluir’ novos fatos supostamente criminosos em inquérito instaurado anos antes para apurar outros fatos. Pelas mesmíssimas razões, juiz não ‘manda incluir’ novos investigados em inquérito já existente; nessa fase, esse juízo de valor (decidir se determinado indivíduo deve ou não ser considerado suspeito de um crime e, portanto, investigado) cabe à polícia e ao MP. O juiz profere seu julgamento, se for o caso, no final da fase seguinte, chamada de ‘processo’ ou ‘ação penal’”
Marcelo, um dos maiores juristas do Brasil, está com sua conta no X (ex-Twitter) bloqueada desde outubro de 2023, sem que tenha recebido qualquer comunicado ou explicação. Segundo um advogado com experiência na área, tudo indica que o bloqueio tenha sido realizado em obediência a uma ordem judicial.
Que juiz emitiu a ordem? Por quê? Com base em que fatos?
Na Terra do Nunca, ninguém sabe dizer.
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Leia também “A outra guerra”
Perfeito, Motta!Estamos vivendo um pesadelo. Quando iremos “acordar”?
O Brasil vivendo a “justiça” mais injusta da sua até aqui triste história republicana.
O navio está a deriva e agora os movimentos ao que parece irão impedir que a embarcação afunde de vez.
Até onde isso vai? Tomara que esse castelo de cartas caia logo, pois não aguentamos mais esse teatro.
Então o Elon Musk vai mandar desbloquear essa conta já já.
Juiz dando pitaco em entrevistas antes da decisão judicial. São tempos sombrios protagonizados pela quadrilha suprema…
Terra do absurdo. A OAB tem o dever de se insurgir contra estes abusos.
Motta, é muito bom que você nos relate o que ocorre neste pais que até juristas respeitáveis como o procurador de Justiça do Ministério Público do RJ DR. MARCELO ROCHA MONTEIRO tenha sua conta no X bloqueada sem saber porque. Creio que Musk e futuramente Trump nos ajudarão a revelar esses atos inconstitucionais e antidemocráticos praticados pelo SISTEMA LULA/STF/CONSORCIO, que na minha opinião tem os TUCANOS como arquitetos desse projeto.
Tá faltando o quê pra botar esse país em ordem, já que virou uma terra de ninguém, as instituições ainda estão em pé
Grande Motta, cirúrgico, maravilhoso, sou fã. Amo seus textos.
Elon Musk esta com a faca e o queijo na mão.
Uma poesia a justiça e as leis,quem a restringe sabemos quem é,com o conluio de comparsas.Vamos em frente!
Essa raça saida do fundo do inferno tem que ser expurgada.
Voltar para os quintos dos infernos, isso sim.