Vamos fazer um exercício de futurologia:
1. A humanidade tem acesso a computadores de bolso que se tornam praticamente guias robóticos dos indivíduos. A paisagem das multidões em deslocamento nas ruas passa a mostrar cabeças curvadas em direção à tela do prodigioso equipamento manual.
2. Através de programas facilitadores que auxiliam e divertem, esses equipamentos inteligentes, suaves e ágeis passam praticamente a fazer parte do corpo humano — sendo a sua perda, extravio ou roubo algo que se torna uma ocorrência grave para a própria sobrevivência.
3. Esses guias inteligentes começam a levar os seres humanos a agir em bloco, de acordo com diretrizes trazidas por fontes unificadas. Plataformas gigantes geridas por poucos gênios da tecnologia cuidam para que o tráfego da informação não se desvie em conteúdos antidemocráticos e rebeldias primitivas. O “certo” será único e cristalino para todos.
4. Quem se desgarra do bloco e se desvia dessas diretrizes é considerado traidor da civilização, sujeito a punições graves, desmoralização, estigmatização, banimento e até aniquilamento. Tolerância zero com os incivilizados que desafiam a ética das éticas.
5. Se essa futurologia lhe parecer familiar, talvez você já tenha esbarrado com ela por aí.
A nova utopia digital
E, se por acaso você se apaixonar por uma mulher-robô, você pode estar seguindo os passos do protagonista da peça O Controle, em cartaz em São Paulo. Essa paixão surge a partir do declínio de um casamento minado pelo desencontro cadastral — ou seja, um homem e uma mulher que passam a perder sua afinidade por incompatibilidade de CPF. O sistema de rodízio social vai criando novas conexões na sociedade — com a ética higienizadora governando os corações.
Na nova paixão, esse homem não precisa ver sua amada. Basta ouvir sua voz. Isso não é problemático, uma vez que também não se pode ver o algoritmo e é ele quem guia o ser humano pelos caminhos do conhecimento, da socialização e da felicidade — segundo a nova utopia digital.
Se de repente você se perder, e se descobrir num lugar em que não desejaria estar, pergunte ao seu guia pessoal o que aconteceu. Se ele não responder é porque pode ter ficado pelo caminho. Qual é a saída?
Assista à peça O Controle, no Teatro União Cultural (São Paulo), às quartas e quintas, às 21 horas, com Reynaldo Gonzaga (texto deste signatário e direção de Alexandre Reinecke). Talvez você não encontre a resposta. Mas pode encontrar a pergunta.
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Ei Fiuza sou seu leitor, admirador. Que saudades de você! Você foi embora da JP esqueceu de fechar a porta, deixou entrar um monte de pé de rato. Isso não se faz… Abraços
Vindo do Ricardo Fiúza com certeza é coisa muito
boa!