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Ilustração: Shutterstock
Edição 214

Eles já não sabem o que fazem

Um misto de ideias ruins e antiquadas da esquerda do século passado povoa o Planalto e a Esplanada

Adalberto Piotto
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Diz-se que uma crise econômica é uma sucessão de ações que deram errado, que não entregaram os resultados esperados. Uma leva de índices negativos vem em seguida numa velocidade e intensidade tão grandes que, bem, aí está instalada uma crise propriamente dita. A ver como as coisas andam e a completa ausência de lógica em decisões vindas de Brasília, desta que voltou a ser mais que o Brasil, a definição de crise poderá se moldar à realidade do terceiro mandato do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o Lula 3, num futuro próximo.

Ainda não estamos em crise. Mas não por mérito do atual ocupante do Palácio do Planalto. A economia brasileira, com forte matriz em talento, avanço crescente e insistente do conceito de liberdade de empreender, de pesquisa e obstinação de quem faz o país acontecer nas 24 horas do dia, mostra uma resiliência que impressiona.

O fato que você jamais pode deixar escapar sobre este país, porque é legitimamente made in Brazil, é que ficamos grandes e importantes demais para darmos errado. O país que alimenta 1 bilhão de pessoas no planeta, com um agronegócio sustentável como o nosso e um singular potencial de aumento da produção de alimentos, é imprescindível ao mundo do G7, do G20 ou de qualquer liga internacional de interesse na estabilidade do século 21. No entanto, entre ficarmos ainda mais gigantes e estratégicos (como decidimos ser) e vivermos na mediocridade da política progressista da esquerda (que atrapalha quem quer progredir), é saudável que não deixemos o país se perder (ou ser levado ao buraco) novamente. Ciclos econômicos são feitos para ser aproveitados.

Navio cargueiro de exportação de soja e milho atracado no Rio Tapajós, em Santarém, no Pará (5/2/2024) | Foto: Tarcisio Schnaider/Shutterstock

Volto com isso ao caso do atual governo. Não estamos ainda numa crise porque há muito carrego estatístico, aquela coisa de economia crescendo em bases sólidas herdadas de períodos anteriores, por investimentos de longo prazo feitos ainda nos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, onde a combinação de seis anos e meio de compromisso com responsabilidade fiscal, reformas estruturais e abertura para o investimento privado promoveu um ambiente de negócios que resultou numa mudança de modelo e de patamar do Brasil. Apesar do PT, de Lula e de Haddad, o mundo ainda não acredita que possamos nos criar um novo retrocesso. Mas é bom não abusar.

Fato é que a atual gestão da economia do país não parece ter o menor plano consistente e sustentável para o Brasil. Um misto de ideias ruins e antiquadas da esquerda do século passado povoa o Planalto e a Esplanada, como aumento da máquina pública, gastos e intervencionismo estatal, além de burocratas sem nenhuma autonomia para mudar o rumo das coisas. A combinação de gestão ruim e sem princípios de austeridade confunde investidores que, em vez de investirem, entram no modo de preservação do investimento já feito ou diversificam geograficamente seus aportes. É preciso gerar expectativa, dar sinais claros que gerem projeções de avanço. Sem isso, a roda para e o dinheiro voa para outros lugares.

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Há pilares na economia que são a base de um ambiente virtuoso. Quando eles estão em risco, a luz de alerta se acende e o investidor faz uma pausa para fazer contas. Lembra das alternativas sobre ficarmos mais gigantes ou vivermos na mediocridade que nos faz perder ciclos de crescimento? Então, o governo não fez por escolher a primeira opção. Eis alguns desses pilares sob forte erosão no atual governo:

Responsabilidade fiscal

O governo lulopetista está na contramão ao registrar o maior acréscimo na dívida nominal – maior que o desastre de Dilma — nos primeiros 14 meses de Lula 3 (R$ 1,077 trilhão). Ao abandonar a regra do teto de gastos do governo Temer, que impediu o país de explodir as contas, criou o arcabouço fiscal que ele próprio, o governo Lula, fura — ao mudar as metas de superávit primário — e cuja estrutura é tão frágil que tem acumulado a rubrica de “gastos não contabilizados”, como o pagamento de precatórios com autorização do Supremo, para dar falsa ideia de rigor fiscal.

Aliás, a busca frenética por aumento de arrecadação, num país já asfixiado pela carga tributária elevada, tem sido a única ferramenta para o equilíbrio fiscal da atual equipe econômica, cujo ministro se resume a uma espécie de arrecadador-geral da República. Não tem como fazer a conta fechar. Ainda no final do ano passado, envolto na árdua tarefa de negociar fontes de recursos com os deputados, o vice-líder do governo na Câmara, Pedro Paulo (PSD-RJ), já vaticinava o drama da gestão fictícia das contas públicas do terceiro mandato de Lula: “O que falta é o governo acreditar na regra [o arcabouço fiscal] que ele próprio criou”.

Não há investidor hoje no mundo que queira aportar bilhões na economia real de um país com um governo perdulário, controlador, sem segurança jurídica e sem liberdade para debater

Depois de todos os resultados ruins anunciados de lá para cá, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, disse, em recente entrevista ao grupo Globo, que o governo começaria a cortar despesas “pelo lado de cima”, referindo-se a uma disposição do ministro Fernando Haddad de discutir o teto do funcionalismo e penduricalhos. Discutir? Já era para ter se envolvido de vez no corte de despesas e com uma reforma administrativa abrangente.

Rogério Ceron, secretário do Tesouro Nacional, durante entrevista coletiva, em Brasília (30/5/2023) | Foto: José Cruz/Agência Brasil

Mas Lula não pensa assim e é quem manda. No ano passado, anunciou aumento de 9% para o funcionalismo público, ao custo de R$ 9,62 bilhões em 2023 e, a partir deste ano, R$ 13,8 bilhões. O modelo de equilibrar as contas públicas pela arrecadação, fadado ao fracasso desde sempre, está se esgotando. Neste ano de 2024, já contabiliza dificuldades de fazer caixa ao ver frustradas expectativas de receita.

Segurança jurídica

No consórcio que acabou com a “coisa julgada”, ato jurídico perfeito porque todos os recursos legais são esgotados, o Supremo Tribunal Federal entendeu que, se a maioria dos ministros da corte mudar o entendimento de matéria fiscal em novo julgamento, como já aconteceu no ano passado, eventuais dívidas e multas devem ser cobradas retroativamente. Não há empresa no mundo cujo caixa ou contabilidade preveja o passado.

Liderança política e continuidade

Governos são passageiros, o Estado é permanente porque é o interesse público na essência. Ao não dar continuidade ao que vinha dando certo no país no controle das contas públicas, abertura ao capital privado com ambiente de negócios favorável ao investidor daqui e de fora, com crescimento econômico sustentável, reformas estruturais consistentes e eficiência econômica — todas heranças benditas dos governos Temer e Bolsonaro —, Lula sinaliza o retrocesso em que a política pequena de seu grupo político se sobrepõe à economia brasileira. O investidor reage e pisa no freio.

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Liberdades

O retrocesso no amplo e pacificado conceito de liberdade de expressão no Brasil, por decisões inconstitucionais do TSE e do STF — com a anuência e o apoio de Lula —, e das liberdades econômicas é um estorvo ainda não dimensionado. Sob um governo federal mais controlador, neste atual consórcio com o Poder Judiciário das altas cortes de Brasília, é inevitável que muitas luzes vermelhas acendam no horizonte da vida brasileira. Não há investidor hoje no mundo que queira aportar bilhões na economia real de um país com um governo perdulário (que concorre com ele no crédito), controlador (que o oprime), sem segurança jurídica (que muda as regras do jogo com o jogo andando), e sem liberdade para debater.

No início deste artigo, mencionei a resiliência da economia brasileira. Sim, ela se tornou resiliente por competência própria e porque aproveitou os momentos de fôlego para se descolar da política ruim. É o notório caso do agronegócio. Mas o país é um só. Há limites para tudo.

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No momento em que é necessária uma liderança para corrigir a rota, abandonar vaidades e ideias retrógradas para fazer o governo voltar ao caminho que nos fez superar a pior crise econômica de nossa história, a recessão de Dilma Rousseff de 2015-2016, o Palácio do Planalto acaba de concluir uma licitação com quatro agências de publicidade vencedoras para melhorar a imagem do governo Lula. Serão R$ 197 milhões para tentar fazer a fantasia dos marqueteiros encobrir a realidade de olhos brasileiros muito atentos e que já não se deixam mais enganar.

Não haverá galinha pintadinha de vermelho nem ninhos de joão-de-barro do Alvorada que deem jeito na perda de popularidade do presidente. 

É a economia, Excelência!

Leia também “Déficit de responsabilidade”

10 comentários
  1. MNJM
    MNJM

    Parabéns Piotto, clareza total nos relatos do desgoverno. A tendência é piorar.

  2. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Os setores fortes da economia, digo os grandes empresários, também precisam se mobilizar contra esta quadrilha atualmente instalada no poder. Aqui em meu estado, Alagoas, vejo maus exemplos. Dois grandes empresários, um de alimentos e outro do sucro-alcooleiro, são suplentes de Renan Calheiros pai e Renan Calheiros filho. Os que deveriam se voltar contra, por ter mais poder, são justamente os que se apegam a estas criaturas tudo em busca de mais poder. Pobre população.

  3. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    O Consórcio desgovernado está nos aproximando do abismo.

  4. Wilton Lázaro de Araújo
    Wilton Lázaro de Araújo

    Para colocar este país nos trilhos das coisas sérias, temos primeiro que vencer as urnas eletrônicas que está dominada por aqueles que colocaram um condenado como presidente da República. Não acredito em eleição justa pq a força eletrônica que a alimenta está justamente no poder.

  5. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Nos tempos da “presidenta guerrilheira” eu quebrei.
    Fui à lona e amargurei horrores no dia-a-dia.
    Hoje vacinado, tenho os pés no chão e os olhos nos números da economia que infelizmente indicam um horizonte sombrio.

  6. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Esse governo Lula e essa justiça brasileira estão levando o país ao abismo, sem nenhuma sombra de dúvida

  7. Marcelo Martins
    Marcelo Martins

    E pensar que ainda restam 2 anos e meio desse governo que já nasceu fadado ao fracasso!

    1. Daniel BG
      Daniel BG

      Vamos superar esses dois anos e meio que faltam e enterrar de vez a esquerda, a classe mais idiota que já aconteceu no mundo.
      Seu texto, Pionatto, é impecável. No ponto certo. 🎯

  8. Auta Viviane Rocha
    Auta Viviane Rocha

    Parabéns Piotto. Ao ler o texto da pra ouvir sua voz serena com a qual vc nos brinda diariamente no OESTE semfiltro. A análise que vc faz nas diversas áreas abordadas da pra ver o perigoso abismo que se aproxima. Nos resta torcer pra que o Brasil volte ao seu rumo e que esse desgoverno caia o mais rápido possível. Caso contrário, nem o nosso resiliência empreendedora nos salvará do naufrágio.

    1. Maria Antonieta de Andrade
      Maria Antonieta de Andrade

      Nada a acrescentar ao seu comentário Auta Viviane Rocha. Faço minhas as suas palavras.

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