“Qualquer pessoa que se apegue à doutrina historicamente falsa e totalmente imoral de que a violência nunca resolve nada, eu aconselharia invocar os fantasmas de Napoleão Bonaparte e do Duque de Wellington e deixá-los debater o assunto. O fantasma de Hitler seria o árbitro. A violência, a força bruta, resolveu mais questões na história do que qualquer outro fator, e a opinião contrária é a pior das ilusões. Nações que esqueceram essa verdade básica sempre pagaram por isso com sua vida e sua liberdade.“
(Robert Heinlein, citado por Paul K. Davis, em 100 Decisive Battles, 1999)
Conhecimento é poder, mas nem todo poder tem origem no conhecimento. Na verdade, a forma mais tradicional de aquisição e manutenção de poder é através do uso da força.
Basta uma rápida olhada na história para verificar que mudanças súbitas e decisivas geralmente acontecem através de golpes, revoluções ou guerras. Se os otomanos tivessem conseguido capturar a cidade de Viena — eles tentaram duas vezes, em 1529 e 1683 —, a história da Europa teria sido completamente diferente. O mesmo pode ser dito da vitória de Carlos Martel sobre as forças mulçumanas na Batalha de Tours, no ano 732. Os árabes do califado Umayyad, vindos originalmente do norte da África, já tinham tomado quase toda a Península Ibérica e tentavam invadir a França para conquistar e islamizar o resto da Europa. Carlos Martel os impediu.
O uso indiscriminado da força durante a Revolução Francesa resultou em um morticínio de civis só superado anos mais tarde nas revoluções comunistas da Rússia e da China. É irônico constatar que, depois de tanta matança em nome de uma revolução, a França acabou nos braços de um imperador, Napoleão. Ainda assim, os massacres realizados pelos revolucionários franceses serviriam de modelos para as futuras revoluções.
O sociólogo e economista Franz Oppenheimer descreve a criação do Estado como um processo no qual tribos de guerreiros, originalmente pastores, invadiram as áreas onde viviam tribos de agricultores pacíficos, incapazes de se defender. Segundo Oppenheimer, depois da invasão os guerreiros formaram uma nobreza, enquanto os agricultores se tornaram servos, dos quais era esperado que entregassem uma parte da sua produção aos nobres, sob ameaça de morte. Além de explicar o surgimento do Estado, essa teoria explica o verdadeiro significado do imposto.
A teoria de Oppenheimer contradiz a narrativa dominante hoje em dia, que descreve o Estado como uma entidade criada para promover o bem comum e o imposto como uma contribuição que cada indivíduo faz para que o Estado cumpra sua missão.
Uma reflexão sobre o pensamento de Oppenheimer mostra sua capacidade de explicar um fato que, se acreditarmos na narrativa tradicional sobre o Estado, parece um mistério: por que a política atrai tantas personalidades corruptas e violentas? Afinal, se a missão do Estado é promover o bem comum, por que a política não é dominada pelo altruísmo? Por que vemos no mundo inteiro, quase sem exceção, uma disputa dura, frequentemente desleal e muitas vezes violenta, por qualquer naco de poder político?
Oppenheimer parece fornecer uma boa explicação — uma explicação que já foi dada, de formas diferentes, por pensadores como Hayek, Mises, Milton Friedman, Niall Ferguson e Thomas Sowell.
A verdade é que, na maioria dos países, o Estado se transformou em um mecanismo que extrai riqueza da maior parte da população para concentrá-la na mão de um pequeno grupo — aquele que controla a máquina estatal. Esse processo teria se acentuado a partir do final do século 19, quando a maioria dos países começou a implantar o que ficou conhecido como estado de bem-estar social.
Nesse modelo, o Estado assume papéis que antes eram desempenhados pela própria comunidade ou por instituições não estatais, como igrejas ou entidades filantrópicas. O Estado passa a interferir em quase todos os aspectos da vida dos seus súditos — perdão, cidadãos —, “cuidando” deles do berço até o túmulo. É claro que, para desempenhar essa missão tão nobre, o Estado precisa de recursos. Por isso, quanto maior o alcance do estado de bem-estar social, maior é a parte da produção que os servos — desculpem de novo: cidadãos — precisam entregar ao Estado. Por isso a carga de impostos sempre sobe.
É muito poder, concentrado nas mãos de poucos indivíduos. Embora o caso do Brasil seja excepcionalmente ruim, não existe Estado moderno no qual isso não aconteça
Isso não quer dizer que o Estado não cumpra funções necessárias, como defesa nacional, garantia de contratos, manutenção da ordem e prestação de serviços básicos de saúde e ensino. Mas o Estado moderno vai muito, muito além disso. Se você duvida, tente acompanhar a produção legislativa do Congresso Nacional durante um único ano, ler cada uma das leis que são promulgadas e entender seu impacto sobre nossa vida. É tarefa impossível.
O cidadão comum não faz quase nada sem a permissão, interferência ou auxílio (obrigatório) do Estado. O Estado define como o registro do seu nascimento será feito, decide quanto tempo você vai ficar na escola e o que você vai aprender, regulamenta como você entra na universidade, decide quem pode ou não exercer determinadas profissões, legisla minuciosamente sobre a relação entre você e o seu empregador, regulamenta e licencia todas as formas de comércio e produção industrial, controla importações e exportações e, de uma forma ou de outra, influencia as informações que chegam a você através da mídia. A lista de interferências do Estado na vida privada poderia continuar indefinidamente.
É muito poder, concentrado nas mãos de poucos indivíduos. Embora o caso do Brasil seja excepcionalmente ruim, não existe Estado moderno no qual isso não aconteça. É importante perceber o que isso significa. No melhor cenário, podemos ter a sorte de encontrar homens públicos inteligentes, competentes, altruístas e generosos, que direcionem esse imenso poder para bons objetivos. Infelizmente, esse não é o cenário mais comum. Vale lembrar o que disse o político britânico Lord Acton: “O poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente, de modo que os grandes homens são quase sempre maus“.
É importante entender tudo isso para calibrar as expectativas que desenvolvemos em relação à política, principalmente a política eleitoral. A compreensão dessa dura realidade não deve nos fazer amargos, mas saudavelmente céticos. Lembrem: conhecimento é poder.
A principal lição é que devemos trabalhar pela redução do poder do Estado, e não por seu aumento. Toda vez que o poder do Estado aumenta, diminui a nossa liberdade e aumenta o apetite do Leviatã pelos frutos do nosso trabalho.
E há um paradoxo: é justamente nas funções que são sua missão principal que o Estado mostra maior incompetência — como na segurança pública ou no ensino. O mesmo Estado que não cumpre com seus deveres básicos quer explorar petróleo, desenvolver fontes alternativas de energia, regulamentar inteligência artificial e decidir que tipo de pronome devemos usar.
Nada disso faz qualquer sentido. Mas, para quem está apenas em busca de poder e riqueza, a falta de sentido não importa. Portanto, todas as vezes que você sentir vontade de pedir a ajuda do Estado para resolver um problema, lembre-se de que o Estado é uma entidade abstrata, controlada por um pequeno grupo de poderosos, com interesses completamente diferentes dos nossos.
E não esqueçam do que disse Lord Acton.
Leia também “Leis ilegítimas”
Parabéns Motta pelo artigo.
perfeito Motta, nosso desgovernos não consegue fazer o mínimo nas áreas que deveria mas quer mandar em tudo o que não tem nada com sua função
Preciso!!!!
Parabéns pelo artigo. Um dos melhores que já li sobre o tema.
Independente de qualquer malícia ou jogos, feitos pelos mal intencionados, e com objetivos desonestos de usurpação, existe DEUS. Aquele mesmo, que generosamente nos coloca a disposição o Universo, e VÊ o número de vezes e a profundidade dos erros cometidos. Sua intensão, e o que destroem nas almas. E terão seu quinhão de acordo.
Desde os primórdios da civilização só existem três tipos de governo: 1-) o governo ruim. 2-) o governo muito ruim. 3-) o governo péssimo. NÃO HOUVE NEM HÁ GOVERNO BOM. Todavia é impossível viver no CAOS. Só nos resta o governo menos ruim como melhor opção.
Vem aí o caos determinístico.
Que artigo incrível! Farei meus alunos lerem…
Quando um jovem adolescente pender ao lado socialista, com estado onipresente, pergunte a ele quais os serviços públicos essenciais, então dirá educação, segurança e saúde (embora este último eu conteste a eficácia de ser público).
Então a educação é pública mas seus pais precisam pagar escola particular. A segurança é pública mas você precisa morar em condomínio fechado. A saúde é pública (viva o sus) mas seus pais precisam pagar plano de saúde privado.
Concluindo, se o estado não dá conta destes serviços dito essenciais, como cuidará de tantos outros?
Impossível!
Parabéns Roberto Motta pelo excelente artigo. Ao ler o artigo, em determinado momento, passei a me lembrar que existe um certo país em que milhares de cidadãos durante os últimos anos tem saído as ruas, DE FORMA PACATA, exigindo democracia, liberdade, respeito a Constituição e as leis do país. Enquanto isso os donos do Estado continuam se locupletando e zombando da boa índole desses brasileiros. Quem sabe um dia esse povo resolva tomar as rédeas do poder nas mãos.
Motta, que tal um alerta para a sociedade conservadora, liberal, religiosa e respeitosa orientar seus filhos de 15 a 16 anos para se inscreverem urgentemente nos CARTORIOS ELEITORAIS para estarem aptos a votar em 2024 e 2026. Pude observar que nas eleições de 2022 o crescimento sobre 2018 do eleitorado do NORTE/NORDESTE foi bem superior ao do SUL/SUDESTE. Por exemplo Maranhão cresceu 11,15%, Para 10,60, Bahia 8,64, Piauí 8,56, Paraíba 7,81, R.G. do Norte 7,63, Já meu Estado de São Paulo cresceu 4,93%, o teu R.de Janeiro 3,38, R G do Sul 2,86, e M. Gerais 3,76.
Os Estados que Lula foi vencedor cresceram 8,53% e os Estados com Bolsonaro somente 4,90%. Isso não é estranho ou conquistaram muitos jovens para votar? A Revista Oeste poderia nos proporcionar uma avaliação a respeito.
Motta! Aprendo cada vez que leio ou ouço você. Até suas vírgulas ensinam. Muito obrigada.
Milei, o libertário argentino, é um exemplo vivo, graças a Deus, do que o Estado significa. De fato, ao reduzir o Estado se engrandece o cidadão. Mas, infelizmente, as forças retrógradas do “progressismo” (que nome mais mentiroso que eles adotaram… “fake news” na veia) detém todos os meios de enganar o povo. Quem os defende é hoje qualificado como “fascista”, “genocida”, “misógino”, e sei-lá-o-quê, para desqualificá-lo perante o povo ignorante. Aconteceu aqui, no laboratório do globalismo, pode acontecer lá, pode acontecer em qualquer lugar, em qualquer tempo.
Vivemos em um país que custa muito caro aos pagadores de impostos para manter as benesses dos donos do poder.
Pagamos impostos da Noruega e recebemos serviços da Somália.
O Estado empresário que interfere diretamente na vida dos cidadãos compromete a liberdade, investimentos e produtividade.
Ótimo artigo, desvela o Homem que não queremos ver
Poucos comentários traduzem com tamanha e perfeita clareza, objetividade e assertividade minha compreensão sobre o Estado brasileiro. Parabéns e obrigada Motta por mais este comentário.
É muito poder concentrado na mão de ladrões comunistas terroristas genocidas que bandidos da pior espécie
Excelente artigo Motta.
Tenho de concordar inteiramente com você, Motta.
Sua primeira citação é de uma precisão ímpar; não podemos nos enganar: contra força, poder maior de dissuasão.
Praticam violência tudo o tempo e se reagimos, somos facistas. Basta ver o que aconteceu com o casal Ceaucescu (Romênia) no Natal de 1989. Para acabar com a tirania abjeta, só com uma decisão de enfrentamento. Não precisamos repetir o que houve lá, mas sendo “certinhos” seremos sempre escravisados.
Parabéns pela sua trajetória. Acompanho você.
Grande artigo, como sempre. Sou cada vez mais seu fã!
Não sei se concordo com a assertiva de que foi a partir do século XIX com o chamado “estado de bem-estar social” que o Estado começou a interferir fortemente na vida dos súditos (ou cidadãos, para ficar mais palatável).
Eu buscaria o início do século XIV quando o rei francês Filipe IV espichou os olhos para os bens da Igreja e dos Templários, passando pelo absolutismo notavelmente dos século XVI e XVII, com Henrique VIII na Inglaterra e Luís XIV na França. Mas, poderíamos recuar muito, muito mais, até a Mesopotâmia, 4 mil anos antes de Cristo, quando os acádios dominaram os sumérios – e de resto próprio texto fala sobre isso indiretamente quando se refere à luta entre caçadores e lavradores.
Por isso que o termômetro de tudo, para mim, é o sistema norte americano, onde um povo estabeleceu o governo. De forma geral – porque nada é absoluto – os homens se perguntaram o que queriam e a partir daí bolaram o modelo que lhes pareceu (e a mim também) o mais aceitável de todos: o sistema republicano com dois partidos fortes, e nada mais do que isto.
Acho que este modelo também está em queda; não por vício intrínseco, mas pela triste opção do Ocidente em desmantelar-se completamente. Vejam lá se os eixo sino-russo e muçulmano mudam uma virgula em seus estamentos, em suas raízes e fundamentos.
De resto, o modelo americano é o único que serve, ou ainda serve, porque é o que menos piora o que é ruim: a vida em sociedade, onde alguns querem ter uma vida social muito melhor do que os outros.
O tempo todo .
Artigo objetivo e primoroso de duas hipóteses sobre o nascimento do “Estado”, me parecendo que, pelo transcurso da história, Oppenheimer tem mais razão do que Hobbes. Mostra o que todos deveriam saber mas, justamente pela interessante “incompetência” na gestão da educação o “Estado” consiga se perpetuar ao inibir o conhecimento libertador, afinal somente os “ungidos” sabem o que é melhor (para eles, é claro) . Muito obrigado pela lição de história Sr. Motta.
Excelente artigo Motta. Compreender que homens são falíveis e, por isso, sujeitos aos delírios do poder, nos obriga a estar atentos e vigilantes. Nossa liberdade está sob censura. Nossa constituição, rasgada. Enquanto a maioria das pessoas não se der conta do poder que têm para exigir mudanças, tanto na forma de fazer política quanto ceder aos impulsos de achar que não podemos fazer nada, os maus prevalecerão. A liberdade deve ser conquistada todos os dias.