“Falar não cozinha o arroz.“
(Provérbio chinês)
Na Escola Superior de Agronomia Tropical, em Paris, fui aluno do professor A. Angladette na disciplina sobre arroz. Na década de 1970, ele era “o” especialista. Seu livro enciclopédico sobre o cereal, de 930 páginas, tinha título sóbrio: Le Riz (“O Arroz”). O longo curso era completo: genética, fisiologia, fitotecnia, sanidade, fertilização, colheita, indústria, regiões produtivas, economia, mercados etc. Desse professor, com anos dedicados ao arroz na Ásia e na África, sobretudo Madagascar, ficou uma lembrança: na última aula, ele chegou com fogareiro, panelinhas etc. E ensinou a arte de cozinhar o arroz. A alta do preço do arroz lembrou-me seus ensinamentos: o Brasil precisa cada vez mais produzir, exportar e, às vezes, importar arroz.
A palavra arroz vem do tâmil “arici” (அரிசி), pelo grego antigo “ὄρυζα” e pelo latim “oryza“. E deu origem a denominações semelhantes: “riz“, em francês; “riso“, em italiano; “rice“, em inglês; “reis“, em alemão; “ris“, em russo; e termos idênticos em várias línguas. “Arroz”, em português e espanhol, tem a pronúncia (não a etimologia) herdada do árabe “aruzo“ (أرز).
O preço desse alimento básico e cotidiano dos brasileiros subiu mais de 38% em 2023. Não ajuda no propalado combate à fome. A saca de 50 quilos de arroz passou de R$ 92 para R$ 127 em dezembro de 2023. Nos supermercados, o acumulado em 2023 foi de 25%, uma das maiores altas entre os principais produtos agrícolas, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo. Em janeiro de 2024, a saca a R$ 131,44 alcançou o maior valor nominal (sem ajuste pela inflação) na série histórica do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada.
Explicações ou acusações não faltaram. Culpa do governo, dos agricultores, das mudanças climáticas, dos supermercados, das exportações, do agronegócio… Todas insuficientes. Para compreender essa realidade num país capaz de produzir, consumir, exportar e importar quantidades significativas desse cereal, melhor progredir por etapas.
- Produção: com cerca de 10 milhões de toneladas, o Brasil é o décimo maior produtor mundial de arroz e o primeiro fora da Ásia.
- Produtividade: entre os dez maiores produtores (85% da produção mundial), o Brasil possui a menor área plantada e a segunda maior produtividade, atrás apenas da China.
- Intensificação: em três décadas, a área do arroz no Brasil diminuiu 40% e a produção cresceu 30% (ganho em produtividade).
- Exportação: o país é o segundo maior exportador de arroz fora da Ásia e o nono mundial.
A exportação do arroz em 2022 alcançou 1,2 milhão de toneladas e rendeu US$ 344 milhões. Em 2023, foi 1,7 milhão de toneladas exportadas, com uma receita de US$ 622 milhões para o Brasil. No acumulado do primeiro trimestre de 2024, as exportações de arroz atingiram 268 mil toneladas e divisas no valor de US$ 104 milhões.
Com preços baixos, custos de produção elevados, pesada carga tributária e baixa lucratividade, rizicultores deixaram de plantar. Optaram por culturas mais rentáveis, como soja e milho
As exportações se destinam a dezenas de países: Estados Unidos, México, Canadá, Holanda, Jordânia, Bélgica, Bolívia, Costa Rica, Cuba, Venezuela, Colômbia, Peru… Esse desempenho demonstra a relevância da exportação. A diversificação de destinos estabiliza e expande o mercado de exportação. O mundo precisa de arroz. Como no milho, soja e trigo, o Brasil deve atender à demanda interna e externa por arroz.
Na África, o Brasil tem exportado (e doado) arroz para Senegal, Angola, Guiné, Gâmbia, Bissau, África do Sul, Moçambique e Cabo Verde. A África representa 13% da população mundial e importa 32% do arroz comercializado. A produção local atende a 60% da demanda. O Senegal, por exemplo, produz 840 mil toneladas e importa 900 mil. Em 2020, os africanos produziram 211 milhões de toneladas e consumiram 301 milhões. A produção pouco tecnificada tem baixos rendimentos. Com tecnologia, poderiam triplicar a produção. A Costa do Marfim diminuiu a importação da Índia (-24%) com o crescimento de sua produção, pela intensificação.
A Coreia do Sul criou um programa de produção e distribuição de sementes melhoradas (Korean Rice Belt), com instalações do Senegal ao Quênia, em Bissau, Gana, Guiné, Camarões e Uganda. Para a segurança alimentar, é essencial intensificar a produção e reduzir a importação, pesada na balança comercial desses países. O Brasil tem um papel a cumprir nesse mercado do arroz e na segurança alimentar da África. Quem sabe ou cuida disso?
A exportação impulsiona o produtor a plantar mais, sem aviltar o preço. Se o mercado interno está ruim, com preços baixos, o produtor se mantém na atividade ao ampliar exportações. Livre mercado, exportação e importação são essenciais como reguladores internacionais do arroz. Quando o preço internacional diminui, pode-se importar, dentro do razoável, sempre e quando necessário. Apesar de algumas opiniões contrárias no setor, esse é o posicionamento da Associação Brasileira da Indústria do Arroz (Abiarroz).
Criada em 2009, a Abiarroz representa o interesse agroindustrial orizícola junto às diversas esferas de poder. A entidade possui mais de 50 associados (indústrias e cooperativas.) em diversas regiões do Brasil, responsáveis pelo beneficiamento de mais de 6,2 milhões de toneladas de arroz por ano.
Hoje, o preço no Brasil não é competitivo no mercado internacional. Em 2024, poderá haver redução na exportação. Não pode haver prejuízo dos compromissos internacionais do setor. O Brasil precisa evitar a imagem de país não confiável no mercado mundial, capaz de exportar apenas quando tem safras excelentes. Aumentará a importação do Mercosul em 2024, se o Governo não atrapalhar ao tentar regular mercados. Argentina, Uruguai e Paraguai têm excedentes exportáveis.
As importações brasileiras de arroz atingiram 1,4 milhão de toneladas em 2023 (quase o montante das exportações) e custaram US$ 529,5 milhões. O volume representa alta de 3,6% em relação a 2022. Por razões cambiais, de logística, oportunidades de mercado, sazonalidades etc., o país importa e exporta não apenas arroz, mas trigo, etanol e outros produtos. Argentina, Uruguai e Paraguai exportam e, também, importam arroz para e do Brasil.
E os preços altos? Nos últimos anos, rizicultores e indústrias arrozeiras enfrentaram dois desafios. Em primeiro lugar, a queda na demanda interna. Os hábitos alimentares mudaram com o abandono crescente da refeição nutricionalmente perfeita: feijão com arroz. A demanda interna por arroz é a mesma há uma década, apesar do crescimento da população. Com preços baixos, custos de produção elevados, pesada carga tributária e baixa lucratividade, rizicultores deixaram de plantar. Optaram por culturas mais rentáveis, como soja e milho. Isso trouxe queda de produção na safra 2023.
Em segundo lugar, para agravar a situação, o clima foi desfavorável no Sul (fenômeno La Niña), com secas, sobretudo na fronteira oeste do Rio Grande do Sul (mais de 75% da produção nacional).
Com redução da área plantada e clima desfavorável (queda da produtividade), a safra de 2023 foi das menores na década. O estoque em dezembro de 2023 era suficiente para nove semanas de consumo. E está entre os menores em 15 anos: 700 mil toneladas. Esse cenário de escassez, com redução da oferta, trouxe o forte aumento dos preços da entressafra.
Preços elevados e boa perspectiva de rentabilidade na safra 2024 animaram rizicultores a ampliarem a área plantada, num ciclo clássico da economia rural. Em fevereiro, a Embrapa Clima Temperado, em Capão do Leão, no Rio Grande do Sul, sediou a 34ª Abertura Oficial da Colheita do Arroz e Grãos em Terras Baixas. O evento recebeu mais de 15 mil visitantes de 20 Estados e participantes de 13 países. A expectativa era de redução de preços com o aumento do plantio, mais de 900.000 hectares, segundo o Irga.
Não foi bem assim. A chegada do El Niño reduziu a produtividade pelo excesso de chuvas (atraso no plantio, prejuízos na floração e colheita) e aumento da nebulosidade (menos insolação e fotossíntese). Crescimento de área e redução na produtividade devem compensar-se. A safra em 2024 ficará pouco acima de 10 milhões de toneladas. Os preços continuarão altos.
O arroz ainda é um alimento acessível a todas as classes sociais. Um pacote de 5 quilos custa entre R$ 25 e R$ 35, proporcionalmente menor que o preço do feijão e do macarrão, na ordem de R$ 50. Poderia ser mais barato. Governos se queixam da alta de preços do arroz e não ajudam na precificação para ele chegar mais barato à mesa do consumidor. Em 2024, o governo do Rio Grande do Sul aumentou o ICMS ao retirar o arroz da cesta básica. E aumentou a Taxa de Cooperação e Defesa da Orizicultura. O governo federal aumentou a taxa de classificação na importação do grão. É necessária uma cruzada pela desoneração tributária do setor arrozeiro.
Produzir arroz em terras altas no Brasil Central, com alta produtividade, é para a Embrapa uma alternativa complementar ao abastecimento interno. Ajudará a regular preços e ampliará a segurança alimentar. A expansão em terras altas, produzindo mais, em menos tempo e com menos insumos, abastecerá melhor o mercado nacional, hoje suprido majoritariamente pela rizicultura de terras baixas do Sul.
A produção de arroz cresce em propriedades rurais de Goiás, Minas Gerais e Distrito Federal pela incorporação de novas cultivares desenvolvidas pela Embrapa Arroz e Feijão. O arroz entra na rotação de culturas irrigadas sob pivô central, em ambientes de cultivo intensivo e integrado a outras culturas. Ele antecede as lavouras de inverno, comumente feijão e trigo.
O arroz em sistemas de irrigação por inundação, irrigação por pivôs e de sequeiro (dependente de chuva) crescerá, principalmente em rotação com outras culturas ou pastagens. Crescerá a competitividade, reduzirão os custos e ampliará a produtividade pela adoção de novas tecnologias. Como vaticinava o professor Angladette, apontando o dedo indicador em minha direção: Le Brésil, pas l’Asie, nourrira l’Afrique et les Amériques en riz (“O Brasil, não a Ásia, alimentará a África e as Américas com arroz”).
Oxalá. Como grãos de arroz, lançados sobre recém-casados.
Leia também “Agro francês e agro brasileiro, même combat“
Muito bom esta aula com Dr Evaristo. Parabéns
Mais um excelente e esclarecedor artigo do dr. Evaristo, agora sobre o arroz. Muita informação, sabiamente conjugada. Parabéns à Revista Oeste! O que nos trará o proximo artigo? Surpreenda-nos, dr. Evaristo neste curso de pós graduação sobre agricultura brasileira.
Informação de qualidade digna da Revista Oeste.
No próximo governo que seguramente será de centro direita, não dá para o professor Evaristo ser nosso Ministro da Agricultura, Meio Ambiente, Logística de transportes e relações internacionais do negocio agropecuário?
Esse infili desse Miranda entende de pranta de ecologia de geografia de agricultura de meio ambiente de mercado da gota serena, o caba é bom ô caba sabido danado, agora de uma coisa eu tenho certeza, ele num intende mai de arrôi do que Paulo Pimenta nem a pau Juvenal (Carmen Lúcia) e os arrozeiros de São Borjas gostam muito dele
Muito bom e ilustrativo , como sempre
Muito bem lembrado Dr. Evaristo, o seu professor Angladette profetizou: O Brasil alimentará o mundo.
Mas, se não se come o saudável e ancestral “arroz com feijão” o que estão colocando na mesa do brasileiro? Fast food, talvez? O que também ajuda a explicar a adiposidade de nossos jovens, tão cedo com quilos a mais e disposição para qualquer coisa a menos.