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Caquis | Foto: Shutterstock
Edição 216

O Sol na terra

Com a mão, ela tocou suavemente aquele fruto redondo, vermelho, como o Sol na bandeira japonesa. O agricultor, sorridente, colheu a fruta e lhe ofereceu, dizendo em bom japonês: 'Kāki'

Evaristo de Miranda
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Vocês não trouxeram ovos hoje,
então tomem um caqui para atirar.
(Mário Covas)

A jornalista Liana John preparava uma matéria sobre agricultura e meio ambiente no Japão. Em zona rural, longe de qualquer turista, ela visitava sozinha a propriedade de um pequeno produtor. Ele não falava inglês. Ela não falava japonês. Com ânimo e mímica, o produtor mostrava e comentava seu trabalho. Num dado momento, ela se dirigiu, encantada, a um pomar. Com a mão, tocou suavemente aquele fruto redondo, vermelho, como o Sol na bandeira japonesa. O agricultor, sorridente, colheu a fruta e lhe ofereceu, dizendo em bom japonês: ‘Kāki [カー]’.

Até o Brasil alcançar um lugar entre os cinco maiores produtores dessa fruta, o caminho foi longo. O caqui foi introduzido da China no Japão no período Yayoi (400 a.C.-300 d.C.), no final do Neolítico. Os agricultores japoneses selecionaram e melhoraram a espécie (Diospyros kaki) e criaram diversas variedades. Os primeiros caquis não adstringentes, por exemplo, surgiram no Japão. No século 17, com as navegações portuguesas, o fruto foi levado da Ásia à Europa e às Américas.

No século 19, a moda do japonismo, com as estampas (Ukiyo-e), o micado, a porcelana e o interesse geral pela cultura japonesa na Europa, impulsionou o cultivo do caqui. O caquizeiro foi introduzido no Brasil cedo, talvez já no século 18. Dom Pedro II negociou com o império do Japão, em 1880, através do barão de Jaceguai, a vinda de imigrantes. O cultivo do caqui ganhou novas dimensões, em área e tecnologia de produção, com a chegada dos japoneses em 1908. O próprio barão de Jaceguai plantou mudas em Mogi das Cruzes, a “terra do caqui”.

Os agricultores de origem japonesa introduziram (1916) e as pesquisas do Instituto Agronômico de Campinas selecionaram novas cultivares de caquis, com base em duas espécies principais: Diospyros kaki (asiática) e Diospyros virginiana (norte-americana). Elas estão na origem da maioria dos caquis encontrados nos mercados.

Caquizeiro | Foto: Shutterstock

A presença nipônica e a língua japonesa marcam o universo do caqui. Para agrônomos e agricultores, as variedades de caqui são divididas em três grupos. No grupo shibugaki estão as cultivares de caqui com taninos, travosas: taubaté, coração de boi, costata, pomelo, rubi e trakoukaki. O grupo amagaki reúne os caquis doces, como as cultivares fuyu, jirô, fuyuhana e tokyo-gocho. São os mais atacados por aves, vespas e abelhas. E os mais caros no mercado. Há um terceiro grupo de caquis variáveis, os “chocolate”, com cultivares giombo, kyoto, kaoru, rama forte e rama forte tardio. Na Ásia há mais de 2 mil variedades de caquis.

A coloração da polpa do caqui é alaranjada. As manchas achocolatadas na polpa são tanino insolúvel, após reação com substâncias emitidas pelas sementes em certas cultivares. O formato do caqui é semelhante ao do tomate, independentemente de apresentar ou não sementes (com ou sem polinização). Os caquizeiros são plantas monoicas ou dioicas. No primeiro caso, na mesma planta, há flores do sexo masculino e feminino. Nas dioicas, há flores apenas do sexo feminino ou do masculino. Caquizeiros só com flores femininas, por exemplo, produzem caquis sem caroço.

Nas técnicas de produção do caqui, há a polinização manual e a introdução, por sobre-enxertia, de variedades de caquis polinizadores, como a IAC 5, com flores predominantemente masculinas. Esse reforço na polinização aumenta o tamanho e a qualidade dos frutos.

Essa fruta de casca vermelho-alaranjada brilhante é rica em vitaminas A, B1, B2, C, E e em fibras. O caqui possui sais minerais, cálcio, ferro, fósforo, magnésio, manganês e zinco

A China é o maior produtor, com 3,2 milhões de toneladas. Ainda assim, importa caquis de vários países, inclusive da Espanha. Em seguida vem o Japão, com 300 mil toneladas; Coreia do Sul, com 250 mil toneladas; e Espanha, com cerca de 200 mil toneladas. O Brasil ocupa o quinto lugar no ranking mundial, com aproximadamente 180 mil toneladas. China, Coreia e Japão respondem por 86% da produção mundial e 96% da área cultivada. Os maiores exportadores são Espanha, Austrália, Nova Zelândia e Israel.

No Brasil, mais de 3 mil agricultores dedicam-se à produção de caqui. O valor da produção se aproxima de meio bilhão de reais e cresce todo ano. A produtividade média é de 22 toneladas de caquis por hectare. Em São Paulo, chega-se a mais de 30 toneladas. Mérito da presença japonesa na fruticultura paulista, São Paulo garante 58% da produção nacional, com grande concentração na região de Jundiaí (Itatiba), seguida pelo Rio Grande do Sul, sobretudo em Caxias (19%), Minas Gerais e Rio de Janeiro (15%), e o restante (8%) vem de Estados do Sul, Sudeste e Nordeste. A fruticultura irrigada no Vale do São Francisco abriu alternativas à produção de caquis, já estudadas pela Embrapa Semiárido, com duas colheitas no ano.

Foto: Maslova Valentina/Shutterstock

O caqui é da família das ebenáceas. Quem deu nome à família foi uma árvore emblemática: o ébano da África (Diospyros ebenum). Ele fornece uma madeira nobre, escura, usada nas teclas negras do piano, no espelho de violinos, na confecção de móveis etc. Diospyros é palavra de origem grega e evoca “alimento (‘pyros, grão, trigo’) de deuses” (dios), assim como o gênero do cacau Theobroma (theos, “deus”; broma, “alimento”). Só os botânicos para alimentarem Zeus, Juno, Atena e o Olimpo com caqui e cacau. Pior é a diversidade de palavras vernaculares para esse fruto nas línguas ocidentais.

Dióspiro é o nome do caqui em Portugal, fruto do diospireiro. Em inglês, ele é chamado de persimmon. O nome faz pensar na Távola Redonda, nas histórias do rei Artur de Camelot e em algum cavaleiro amigo de Percifal. Não. Persimmon vem das palavras “putchamin” ou “pessamin (“fruto seco”), nome dado ao caqui nativo da América do Norte pelos algonquinos. Eles secavam os frutos e os consumiam no outono e no inverno. Em francês, o nome da árvore é plaquementier. A palavra tem origem nos indígenas norte-americanos: plaquementier < plaquemin < putchamin. Em alemão, seu nome é dattelpflaume. Datte, como no italiano dattilo; do latim dactylus; do grego δάκτυλος, dáktulos (“dedo”); de origem semítica, como deqel em hebraico (דֶּקֶל). Em francês, a tâmara é datte. Em árabe, a tâmara, deglet nur, significa “dedo de luz”! Onde os germânicos encontraram um dedo no caqui não se sabe. E pflaume, como no inglês plum, no italiano prugna, do latim plum, designa a ameixa e, de forma genérica, fruta.

Essa fruta de casca vermelho-alaranjada brilhante é rica em vitaminas A, B1, B2, C, E e em fibras. O caqui possui sais minerais, cálcio, ferro, fósforo, magnésio, manganês e zinco. E betacaroteno, licopeno e açúcares: 70 kcal em 100 gramas. Diabéticos, não exagerem. Não comam toda a caixa.

Os caquis possuem taninos (shibuol). No passado, era comum caqui adstringente: sensação de “amarrar” a boca e inibir a saliva. Hoje, é raro. Após a colheita, eles passam por um processo de “destanização”, ainda no campo, antes de ser comercializados. Nos caquis rama forte, o produto mais utilizado é o etileno, aplicado em câmaras fechadas. O álcool e o gás carbônico também são usados na destanização, sobretudo em frutos com textura firme, como o giombo. O caqui é fruto climatérico, e algum resto de tanino desaparece ao completar o amadurecimento. Caquis com mais tanino são bons para preparar diversas versões da fruta seca (hoshigaki e ampogaki). Caqui desidratado é outra opção de renda para os produtores.

Caquis desidratados | Foto: Shutterstock

Maio marca o final da safra. Neste ano, o sol forte do verão prejudicou a floração, causou abortos e adiantou a produção. Apesar das perdas em renda e qualidade, o mercado é fiel. A produção é sempre vendida. Todos os anos, o clima é um desafio ao produtor. Na Espanha, clima desfavorável e pragas reduziram a produção em 2022 a 160 mil toneladas, número inferior à produção brasileira. Em 2023, com clima melhor, a produção quase dobrou, segundo a Associação Espanhola do Caqui. Existem recursos tecnológicos adequados (adubação com aminoácidos, hormônios para retardar a maturação ou estimular a brotação etc.) para adaptar o cultivo às flutuações climáticas e garantir produtividade e qualidade.

O caquizeiro segue as estações. No outono, suas folhas assumem tons vermelhos e alaranjados. Ele desfolha no inverno e ainda pode reter frutos. Caquizeiros desfolhados deixam passar a luz e o calor do sol invernal. Na primavera, rebrotam e assumem tons de verde-claro. No verão, as árvores ficam ornadas de folhas verdes em contraste com frutos amarelos e vermelhos, até o outono. Ouvi de um agricultor nissei: “Como no céu e na bandeira do Japão, o caqui lembra o Sol na terra”.

Num passado ainda recente, o tempo das frutas era bem limitado: tempo de tangerina, laranja-lima, banana-maçã, manga, uva etc. As entressafras eram longas. Com inovações agronômicas, irrigação, novas cultivares, técnicas de conservação pós-colheita e logística de distribuição, grande parte das frutas está disponível quase o ano todo, a preços variáveis. Não é assim com o caqui. Outono é tempo de caqui. O bom dura pouco. Aproveitem! Carpe diem. Saboreiem! Daqui a um mês, não tem mais.

Plantação de caqui | Foto: Shutterstock

Leia também “Um, dois, feijão sem arroz”

8 comentários
  1. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Excelente artigo, como de praxe do Evaristo de Miranda.

  2. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Quando Bolsonaro voltar em 2026 Evaristo de Miranda vai ser o ministro da agricultura, a infeliz pá entender dessa espécie vegetal, tu é doido homi

  3. RCB
    RCB

    Dr Evaristo Miranda escreve parte da história da agricultura brasileira ao relatar mais uma contribuição de imigrantes japoneses.

  4. Rosely M G Goeckler
    Rosely M G Goeckler

    Delícia de artigo! Aprendizado q me trouxe muitas lembranças !
    Havia inúmeros pés no sítio do meu bisavô em Poá, SP! Quando faleceu, uma parte da terra ficou para minha avó!
    Caquis coração de boi, manteiga e chocolate! Todos com sementes q eu adorava abrir! (Deveria ter guardado e plantado mais mudas)
    Quando criança, subia nos pés e comia sentada nos galhos! Que delícia! Todos macios, suculentos (não gosto dos duros)
    Vizinhos iam bater no portão da chácara para comprar ! Eu adorava ajudar a colher! Subindo no pé, naturalmente!

    Obrigada pelo artigo ! Onde encontro hoje o coração de boi, manteiga e chocolate (não o duro! O suculento)?????

  5. Letícia Mammana
    Letícia Mammana

    Eu não sabia 1% das informações dessa aula do Dr. Evaristo sobre o caqui. E o artigo é uma justa homenagem aos imigrantes japoneses. Muito bom o artigo. Uma espécie de oásis neste deserto árido dos eternos debates políticos.

  6. Alice Helena Rosante Garcia
    Alice Helena Rosante Garcia

    Fruta maravilhosa e agora “melhor explicada”
    Deixa saudades mesmo, acaba logo
    Excelente o artigo, e agora fica a preocupaçao com os produtores do Sul, arrasados pelas enchentes.
    Torcendo pra que possam retomar rapidamente suas vidas e voltarem a produzir o caqui

  7. Ubirajara garcia
    Ubirajara garcia

    Uau…. que bela aula. Gostei. Parabéns..

  8. Maki K
    Maki K

    Parabéns pela matéria. Muito interessante. Nunca na minha vida havia lido algo escrito sobre esta fruta, quanto menos se tratando de alguém que falasse dela seca, que é uma delicia. Mais que uma delicia.
    Se tratanto de Caxias do Sul, que aqui é citado como maior produtor da mesma no BR, o município de fato posssui uma concetração de imirgantes japoneses no RS que se somam total, a mais de 4000 pessoas,
    E este município está sofrendo as consequências da inundação. A matéria poderia ter um segundo capítulo, reportado como ficou os plantadores de caqui por lá.

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