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Centro histórico de Jiufen, em Taipei, Taiwan | Foto: Shutterstock
Edição 216

Taiwan: a ilha que sabe o que quer

Repórter de Oeste conhece o próspero país que corre perigo de ser engolido

Dagomir Marquezi
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Taiwan é uma nação feliz, vibrante e cosmopolita. E, acima de tudo, um país livre. Vive na vanguarda da revolução tecnológica, mas não usa a tecnologia para vigiar seus cidadãos. Suas eleições são livres, e o resultado delas é respeitado. Mantém suas tradições, mas está aberta para o que o mundo do século 21 oferece de melhor. É um país acolhedor e alegre, que não quer meter medo em ninguém. 

Essa existência tranquila está ameaçada constantemente pelo gigante totalitário que o vigia a apenas 180 quilômetros de distância. 

Passei uma semana em Taiwan, com outros 11 jornalistas de países da América Latina, depois de uma viagem que durou 30 horas. O que vi foi um país que sabe perfeitamente o que quer, com planos estabelecidos até 2050. Que não pula de crise em crise, mas resolve seus problemas. 

Vi um país com um território pouco menor que o do Estado do Rio de Janeiro e com uma população (24 milhões) um pouco superior à de Minas Gerais. E que pode ensinar muito aos brasileiros.

Ilha Formosa

Qual é a importância de um país tão distante em sua vida? Provavelmente você só está lendo esta edição de Oeste porque seu celular ou computador estão equipados com chips made in Taiwan.

O país também é conhecido como República da China. Quase toda a sua população tem origem chinesa, e a língua principal é o mandarim — como na República Popular da China, também conhecida como China Continental ou China Comunista.

Até o século 17, a ilha era independente. Foi batizada de Formosa por exploradores portugueses. Depois passou pela fase de colônia da Holanda e do Japão. Com o fim da Segunda Guerra, retornou à independência. A vitória dos comunistas na China Continental, em 1949, provocou a fuga dos que se opunham ao novo regime para Taiwan, sob comando do líder nacionalista Chiang Kai-shek. 

Desde então, os líderes comunistas da RPC decidiram que Taiwan pertence à China Continental e deve ser anexada, como já anexaram o Tibete e Hong Kong. Os dois países viveram alguns eventuais momentos de relaxamento das tensões. Mas o atual dirigente chinês, Xi Jinping, estabeleceu a anexação de Taiwan como um de seus maiores objetivos. Nos últimos anos essa pressão aumentou, com provocações militares diretas.

Taiwan sabe que não tem condições militares de conter as forças chinesas, caso decidam optar pela violência. Teoricamente, a República da China está protegida por pactos militares com os Estados Unidos e outros países ocidentais. Mas a invasão da Ucrânia pela Rússia mostrou como esses tratados são frágeis.

Por via das dúvidas, Taiwan já estabeleceu internamente uma estratégia de defesa não militar. 

Um país à prova de terremotos
Taipé vista do 86º andar | Foto: Dagomir Marquezi

Os 2,7 milhões de habitantes da capital, Taipé, vivem numa metrópole com seus enormes malls, lojas de marcas classe AA e imensos telões servindo de outdoors animados. Com toda a insegurança que cerca o futuro do país, Taipé tem hoje o segundo metro quadrado mais caro da Ásia, atrás apenas de Hong Kong (segundo o Global Property Guide). Comprar uma propriedade na cidade hoje custa mais do que morar em Tóquio.

Propaganda em ônibus de Taipé | Foto: Dagomir Marquezi

Essa prosperidade é fruto de trabalho duro, mercado livre e escolhas certas. Belas modelos orientais seduzem nosso olhar em imensos outdoors eletrônicos, numa paisagem que lembra o filme Blade Runner. Os edifícios desafiam a lei da natureza. Estão cada vez maiores num país que enfrenta terremotos como enfrentamos chuvas pesadas. 

Um desses edifícios foi o maior do mundo até 2004: o Taipei 101, com meio quilômetro de altura. Foi desenhado em forma de um bambu estilizado, com detalhes da cultura tradicional chinesa. O 101 (referência ao número de andares) tem uma grande bola interna de aço no andar superior que ajuda a manter o equilíbrio do edifício, mesmo durante um terremoto de magnitude 7,4 — o mais forte em um quarto de século, acontecido em 4 de abril último.

Edifício Taipei 101 | Foto: Dagomir Marquezi

Para ter uma ideia, na cidade litorânea de Hualien, seu epicentro, o tremor causou “apenas” nove mortes e um par de desabamentos. Já Taipei não revela qualquer marca desse evento. Nada. Nenhuma rachadura, nenhuma ponte caída, nenhum edifício demolido. A lembrança que provoca num dirigente de banco que trabalha no 101 é que, nesse dia, os habitantes, fora o susto, tiveram o incômodo de ter que sair do edifício pelas escadas. E que o metrô ficou paralisado por algumas horas.

Taipei tem um problema chamado terremoto e se preparou para ele, através de tecnologia de ponta e engenharia experimental. De certa forma, deixou de ser um problema. Alguns dos habitantes já falam em tom de gozação: “Terremooootoooo”, com o tom de quem diz “ai, que meda!”. E os taiwaneses possuem um bom humor contagioso. 

Defesa sem armas

Semicondutores são uma espécie de “torneira” eletrônica. Sem os semicondutores, a eletricidade é ligada ou desligada, sem meio-termo. Já os semicondutores podem regular se vai passar muita ou pouca energia. 

Isso faz toda a diferença para uma série de aplicações fundamentais em nossa vida — computadores, smartphones, carros, hospitais, armas, foguetes, energia solar etc. E Taiwan detém 60% da produção mundial dos indispensáveis semicondutores. 

Produz também o chip mais avançado do mundo — o Dimensity 2000, produzido pela empresa MediaTek. Desse chip depende o avanço mais profundo do uso de inteligência artificial.

Dimensity 2000, chip mais avançado do mundo | Foto: Divulgação/MediaTek

Essa é a arma secreta de Taiwan contra uma possível invasão chinesa. O país tem consciência de que os chineses são militarmente muito mais poderosos. Os estrategistas de Taiwan acreditam que a China esteja usando o ensinamento do célebre filósofo Sun Tzu, que viveu (provavelmente) entre os séculos 4 e 5 antes de Cristo e escreveu o clássico da literatura militar A Arte da Guerra. Sun Tzu escreveu que “a suprema arte da guerra é subjugar o inimigo sem lutar”.

Sun Tzu, antigo filósofo chinês, autor do livro A Arte da Guerra | Foto: Reprodução

É o que a China estaria fazendo agora, com suas ameaças e o isolamento diplomático imposto ao país que deseja anexar. A ideia é infernizar tanto os taiwaneses até que eles se rendam sem que um tiro seja disparado.

Acontece que Taiwan adaptou esse pensamento de Sun Tzu para algo como “a suprema arte da defesa é repelir o inimigo sem lutar”. Ao se tornar uma potência tecnológica global, os taiwaneses passam um recado: se os chineses mexerem com a soberania do vizinho (que possui um território 265 vezes menor que o gigante comunista), a crise provocada por uma invasão vai afetar seriamente o mundo inteiro. Inclusive a própria China. Melhor não mexer com os taiwaneses.

‘Colecionamos talentos’

Para manter essa posição de economia indispensável para o resto do mundo, Taiwan fez planos que apontam para 2050. Ao contrário de um país compulsivamente indeciso e míope como o Brasil, eles sabem o que querem no médio e longo prazo. E pensam numa estratégia para chegar lá.

Visitamos o Parque Científico de Hsinchu, localizado num ambiente de campus universitário. O governo fornece a infraestrutura — terreno, água e energia. E possibilita uma estrutura baseada num tripé: 1) produção acadêmica (voltada para ciência e tecnologia); 2) organizações de pesquisa e desenvolvimento; e 3) a indústria propriamente dita. 

Parque Científico de Hsinchu | Foto: Dagomir Marquezi

O governo entra como um facilitador do processo. E cria um ecossistema de estudos, pesquisa e produção. São 16 parques desse tipo espalhados pelo país. 

Não existem gigantes como um Google ou uma Apple em Taiwan (a marca mais conhecida é a dos computadores Acer). Existem “clusters” — criadouros de pequenas empresas. Só o Parque de Hsinchu já gerou cerca de 176 mil empregos desde 1980. São 1,2 mil startups criadas nesse esquema.

Estrangeiros são muito bem-vindos. Com os programas de intercâmbio, os parques científicos taiwaneses trouxeram estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Com esse clima amistoso de negócios, os parques científicos estão atraindo empresas dos Estados Unidos, do Japão e da União Europeia. “Colecionamos talentos” é um dos lemas do projeto. Os estudantes ligados aos parques científicos sabem que possuem uma chance profissional de altíssimo nível nesses clusters. Eles estão lá para estudar, trabalhar e prosperar. Não para defender causas.

Futuro 3.0

Existe um clima de discrição em tudo o que os taiwaneses fazem. A agressividade da cultura woke não é visível em Taipei. Vemos no máximo um garoto de cabelos coloridos ou uma jovem de vestido muito curto. Existe uma disciplina no comportamento das pessoas, incluindo os mais jovens. As pessoas obedecem aos sinais, o trânsito é tão seguro que eu vi mães transportando bebês (usando capacetezinhos) no colo, de moto. 

Não existem protestos ou manifestações por causa de “mudanças climáticas” porque o próprio governo tomou essa bandeira — e a leva a sério.

Taiwan está produzindo com firmeza na área que conhecemos como o reino de Elon Musk — painéis solares, baterias para veículos elétricos, veículos autônomos. No ano passado, o país bateu a marca de 12,3% de uso de energia verde. Pretende chegar a 20% em 2050. Certo ou errado, isso é política de Estado. Não parece fazer parte de uma ideologia de moda. É uma decisão nacional, que está sendo cumprida.

A meta agora é o chamado Futuro 3.0. Envolve três passos: 1) incorporar plenamente a era da inteligência artificial; 2) incentivar o empreendedorismo com cada vez menos impostos; 3) firmar parcerias com diferentes mercados, especialmente Japão, EUA e UE. 

O PMDB de Taiwan

Que Taiwan é hoje um país livre, com democracia plena, ninguém pode contestar. O sistema político foi montado de forma que a estrutura do Estado não dependesse de quem foi eleito. Os funcionários públicos se adaptam aos novos governantes, e o país toca em frente. É uma preocupação contra aparelhamentos partidários. Até agora, deu certo numa democracia que tem apenas 28 anos.

No dia 20 tomará posse o novo presidente, Lai Ching-te, do Partido Democrático Progressista (DPP). Ele não promete nenhuma reviravolta no sistema taiwanês — apenas uma posição de firmeza com relação à China. O que já acendeu o alerta em Pequim.

Lai Ching-te, novo presidente de Taiwan | Foto: Divulgação

Taiwan tem uma espécie de “PMDB”, um partido muito tradicional e pesado chamado Kuomintang (KMT). Ele existe desde 1912 e, em 1949, com a vitória dos comunistas na China Continental, mudou-se para Taiwan. 

Hoje o KMT representa a parcela da população que defende a ideia de que existe apenas uma China, mas não concorda com o domínio do Partido Comunista. 

Nas últimas eleições, a população deu o recado: 40% votaram novamente no partido DPP, de Lai Ching-te, deixando claro que quer que o país permaneça independente e siga seu rumo. O KMT ficou com 34% dos votos. De olho no eleitorado em fuga, o Kuomintang já está repensando suas políticas de apaziguamento com o gigante vizinho. 

O gigante Chiang Kai-shek

O Kuomintang é o símbolo de uma das maiores contradições de Taiwan. O país hoje é livre. O direito de opinião é amplamente respeitado.

Não existe figura histórica mais venerada do que a de Chiang Kai-shek (1887-1975). O líder nacionalista foi um gigante ao lutar contra a velha ordem imperial chinesa e depois garantir que uma parte dos compatriotas fugisse dos comunistas e se estabelecesse em Taiwan. 

Entrada do mausoléu de Chiang Kai-shek | Foto: Dagomir Marquezi

Chiang é venerado como o “pai da pátria” taiwanesa. O mausoléu em sua homenagem ocupa um espaço gigantesco no centro de Taipei. Seu túmulo, sob uma imponente estátua de bronze do líder com expressão paternal, é guardado por soldados ultradisciplinados que se revezam em rebuscados rituais de troca de guarda.

Mausoléu de Chiang Kai-shek | Foto: Dagomir Marquezi

No entanto, com toda sua importância, Chiang Kai-shek não foi exatamente um democrata. Ele estabeleceu uma lei marcial no país que durou décadas durante os anos da guerra fria. 

Um dos piores momentos desse regime autoritário ocorreu durante o chamado “Terror Branco”, que durou de 1949 a 1987. Para combater o comunismo, o governo de Chiang Kai-shek estabeleceu um regime de vigilância, censura e perseguição política. O aparelho repressivo fugiu do controle.

Palitos sob as unhas

O mesmo país que erigiu e cuida do Mausoléu de Chiang Kai-shek transformou uma de suas prisões num monumento: o Parque Memorial Jing-Mei.

Lá, o grupo de jornalistas foi recebido por Fred Chin Him-San. Fred é um malaio aposentado de 75 anos que hoje trabalha como voluntário no memorial. Seu objetivo é não deixar que sua história seja esquecida pelas novas gerações. E que nunca mais exista uma ditadura como a que o vitimou.

Fred Chin Him-San na sala onde foi condenado | Foto: Dagomir Marquezi

Fred conta sua história na mesma sala onde foi condenado por juízes sem qualquer compromisso com a verdade. As cadeiras dos juízes estão lá. As plaquetas de identificação com seus nomes, também. São como fantasmas de uma época que felizmente para os taiwaneses acabou.

O malaio era um estudante universitário quando foi preso por engano ao ser confundido com um terrorista comunista. Convidado a dar um rápido depoimento, foi trancafiado em Jing-Mei, conheceu espancamentos e a célebre tortura chinesa dos palitos sob as unhas. 

O tribunal o condenou à pena de morte. Fred protestou dizendo que o processo era todo ilegal e que ele havia confessado sob tortura. Por três vezes tentou se matar, sem sucesso. Os juízes resolveram ser “magnânimos” e reduziram sua pena para um encarceramento de 12 anos. “É muito para quem não fez nada”, foi a resposta do prisioneiro.

Fred Chin Him-San conta sua história aos visitantes e entrega de presente a cada um sua biografia autografada. Em seguida, nos leva a conhecer o sinistro campo de detenção, em todos os detalhes. 

Memorial Jing-Mei | Foto: Dagomir Marquezi

Está tudo preservado como na época — as paredes manchadas, as correntes destinadas aos condenados à morte, as celas coletivas com suas portas verdes, a representação da comida que eles tinham que suportar.

O incansável Fred se despediu de um por um com um sorriso. Estava satisfeito em saber que havia cumprido a missão pessoal de não permitir que sua história morresse com ele. E de que novas gerações não admitissem a ideia de mais uma ditadura.

Regulação da internet? Não

Fomos ao Taiwan FactCheck Center. É uma organização governamental, mas financiada pelas empresas de mídia social, especialmente a Meta e o Google.

O que o centro faz? Monitora o que está acontecendo nas redes, detecta o que pode ser falso, prova tecnicamente sua falsidade e exige um desmentido.

A CEO do Taiwan FactCheck Center, Qiu Jiayi, nos mostrou alguns exemplos de fake news que foram detectadas. Uma imagem que já se tornou “clássica” no centro foi divulgada pela agência oficial de notícias da China (Xinhua). E divulgada pela cada vez menos confiável Associated Press (AP). 

A imagem teria sido capturada em agosto do ano passado, quando a visita da deputada americana Nancy Pelosi a Taiwan provocou uma exagerada reação na China, com provocações militares de vários tipos. A foto mostra um soldado de Taiwan observando um navio chinês muito de perto. A mensagem oculta da foto: as Forças Armadas da China podem fazer o que quiserem no quintal dos taiwaneses, que são incapazes de reagir.

Imagem falsa de um suposto soldado de Taiwan observando um navio chinês | Foto: Divulgação/Taiwan FactCheck Center

O FactCheck Center analisou a foto, provou que era uma montagem e exigiu uma retratação da Associated Press — que admitiu seu erro. A foto, uma falsificação grosseira, faz parte de um ataque de mentiras espalhadas pelo governo comunista chinês.

O Taiwan FactCheck Center resumiu as mentiras em algumas categorias principais: 1) “o governo de Taiwan está recrutando até idosos para se preparar para a guerra iminente”; 2) “as Forças Armadas de Taiwan são fracas, as da China são fortes”; 3) “os Estados Unidos não estão cumprindo a promessa de reforçar as defesas de Taiwan e se preparam para abandonar o país”; 4) “guerras são terríveis, e o povo de Taiwan deve evitar um conflito com a China”; 5) “políticos de alto escalão e cidadãos de Taiwan começaram a abandonar o país”.

Outro exemplo grotesco de fake news foi registrado durante o recente terremoto que sacudiu Taipé. Câmeras de segurança mostraram que, apesar da violência do tremor, o centro da cidade permaneceu absolutamente firme, incluindo o gigantesco edifício Taipei 101.

YouTube video

Enquanto isso, usuários do TikTok recebiam a seguinte versão:

YouTube video

Qiu Jiayi acusa o TikTok de não ter nenhuma transparência. A agência consegue responder a três ataques de fake news por dia — mas a produção de boatos é muito maior. E vai se tornar ainda mais intensa com o uso da inteligência artificial.

Mesmo assim, Taiwan é um país livre. Não existe lá nenhuma lei para regular a internet. O que o centro oficial de checagem de fatos procura fazer é educar a população para que não caia em boatos. E para que, portanto, não seja manipulada. 

‘A China Continental está enganando’

O número de países que mantêm relações diplomáticas normais com Taiwan cabe quase todo numa plaquinha. A lista só tem Paraguai na América do Sul; Belize, Guatemala e Honduras na América Central; algumas ilhas do Caribe; e outras do Pacífico. O único Estado europeu que mantém relações é o microscópico Vaticano.

Placa em edifício em Taiwan registra os escritórios das embaixadas presentes no país | Foto: Dagomir Marquezi

Por que isso? Porque Pequim exige a política de “uma China”. Quem quiser ter relações com a China tem que romper com Taiwan. E vice-versa. Taiwan não pode ter uma cadeira na ONU ou em nenhuma organização internacional de peso. A China veta.

“Taiwan pode ser um exemplo de país democrático e desenvolvido”, declarou o ministro das Relações Exteriores, Joseph Wu, ao grupo de jornalistas. “As pessoas da América Latina podem ter Taiwan como referência. Queremos oferecer relações econômicas igualitárias com outros países.”

Joseph Wu, ministro de Relações Exteriores de Taiwan | Foto: Dagomir Marquezi

E a China? “Eles nos oferecem muitos obstáculos”, diz. “A República Popular da China é uma grande ameaça, e estamos trabalhando para evitar o pior. Mantemos algum nível de comunicação com eles, mas é importante estarmos preparados para a defesa.”

Segundo o ministro Wu, “a China Continental está enganando os países. Promete compras de grandes volumes, depois coloca restrições e não cumpre o que prometeu. Promete ajudar na infraestrutura dos países que o apoiam e depois cobra a conta em recursos naturais, deixando esses países muito endividados”.

E acusa: “A China está implantando bases militares usando de pretextos científicos em países como Argentina, Sri Lanka, Cuba e alguns da África. Eles têm planos para uma presença global nos próximos dez, 20, 30 anos. Criam crises militares com o Japão e as Filipinas. Fazem pactos com países do Pacífico como Fiji e Kiribati”. 

A situação parece desesperadora para Taiwan, mas existem alguns atenuantes. “Mantemos relações com os dois partidos dos EUA”, conta. “Tanto Donald Trump quanto Joe Biden seguem políticas de aproximação com Taiwan. Muitos países apoiam a relação pacífica com os dois lados do estreito. E é melhor desenvolver relações com Taiwan do que com a China, que envolve retaliações.”

As 4.280 cafeterias de Taipé

Pergunto ao ministro Wu: “E o Brasil? Como estão as relações entre os dois países?”.

“O Brasil atrai muitos negociantes da China Continental”, responde o ministro. “Essa aproximação é uma decisão soberana do Brasil. Mas queremos que os brasileiros não encarem Taiwan como a ‘Taiwan chinesa’. Somos países diferentes. Temos o apoio de 200 membros do Congresso brasileiro. Queremos receber brasileiros que queiram fazer negócios e turismo. Somos outro país.”

Essa viagem deixou a clara impressão de que o Brasil não está muito firme no mapa de Taiwan. As relações são tênues. Uma das funcionárias do Ministério do Interior chegou a nos perguntar se o atual governo do Brasil é mais a favor de Taiwan ou da China Comunista. Se eles não conhecem a óbvia posição de um governo petista, é porque não estão olhando para nós com atenção.

A única presença marcante do Brasil em Taiwan desmente um clichê: a de que chineses só gostam de chá. Os taiwaneses são doidos por café. Só na capital Taipé existem 4.280 cafeterias. E o Brasil é o maior exportador de café para o país.

Um dos muitos cafés de Taipei | Foto: Divulgação

De resto, o Brasil praticamente não parece existir em Taiwan. Fomos convidados a encontros com dirigentes de bancos e instituições financeiras onde os “astros” eram países como a Guatemala e o Paraguai. Fora o café, o Brasil não está em Taiwan. Nem Taiwan no Brasil. 

Eles possuem um Escritório Econômico e Cultural com sede em Brasília. E o Itamaraty tem um Escritório Comercial em Taipei. Essa conexão tem potencial para crescer muito.

O ritual dos balões

Saímos de Taipei para o Distrito de Pingxi, ao leste da capital. Foi uma chance de observar a vida fora da metrópole.

Pingxi é uma cidadezinha pobre, mas também dinâmica. Praticamente só existe uma única rua cheia de lojinhas de doces e quinquilharias para turistas. Nenhuma forma de mendicância, no máximo gente pedindo gorjeta. Mas sem agressividade. Culturalmente, gorjetas não são bem-vistas pela cultura chinesa.

Em Pingxi acontece o ritual dos balões. Turistas aparecem aos montes para escrever seus desejos em balões semelhantes aos das nossas festas de São João. Se o balão subir, os desejos serão atendidos. 

Quase todos sobem. Não existe muita preocupação sobre onde vão cair, pois o tempo está úmido demais para um incêndio nas florestas próximas. 

Ritual dos balões em Pingxi | Foto: Dagomir Marquezi

Pingxi representa a cultura tradicional chinesa, preservada naturalmente no meio da vertigem hightech do país. Mesmo no centro de Taipei os turistas contam com a tradição milenar do templo budista Guangzhou, onde devotos e turistas se misturam em paz.

Um dia inteiro em Guangzhou é pouco para tantos detalhes, tantos símbolos, tantos rituais. Assim como uma semana em Taipei não basta para compreender as complexidades da sociedade taiwanesa. 

Mas a primeira impressão é a que fica. E a impressão causada por Taiwan não poderia ser melhor. Os navegadores portugueses tinham razão: é um país de rara beleza. 

Merece mais atenção dos brasileiros pelo seu exemplo de como lidar com tragédias potenciais, pela objetividade com que projeta o futuro, pelo modo não ideológico como resolve seus problemas. E por encarar uma ameaça existencial com tranquilidade, um dia de cada vez.

Templo de Guangzhou | Foto: Dagomir Marquezi

Dagomir Marquezi viajou a convite do Ministério das Relações Exteriores de Taiwan.
@dagomir
dagomirmarquezi.com

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6 comentários
  1. Valesca Frois Nassif
    Valesca Frois Nassif

    Amei o artigo! Não sabia praticamente nada sobre Taiwan. Obrigada pela qualidade !

  2. Vanda Chaves
    Vanda Chaves

    ESPETACULAR ARTIGO

  3. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Excelente reportagem, digna da qualidade da Revista Oeste.

  4. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Espero que aumente as relações com o Brasil a partir de 2026 com Bolsonaro na presidência

  5. Evandro scartezini
    Evandro scartezini

    Parabéns pela bela reportagem, muito bem escrita e completa, estão no caminho certo.

  6. José Gilberto Pizi
    José Gilberto Pizi

    Dagomir, onde obtenho mais informações sobre esse intercâmbio de universitários brasileiros com Taiwan?

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