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Instituto do Câncer do Estado de São Paulo | Foto: Milton Michida/Governo do Estado de SP
Edição 217

O mundo de olho no Instituto do Câncer de SP

Ele é o único hospital do Brasil com atendimento 100% SUS a receber pela quarta vez um dos mais importantes selos de qualidade em saúde do mundo

Paula Leal
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“Continue lutando.” Essa foi a mensagem deixada por Luis Peyser, paciente que se curou de um câncer no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp). Durante semanas, ele foi submetido diariamente a sessões de radioterapia. O tratamento, realizado em salas equipadas com aparelhos semelhantes ao de raio X, visa a destruir o tecido tumoral e a impedir que as células cancerosas se multipliquem. O procedimento é rápido, em torno de 15 a 30 minutos de duração, mas demanda disciplina do paciente. Depois de muitas visitas ao Icesp, Luis Peyser recebeu a boa notícia: estava livre do câncer. Para celebrar a conquista, comprou um sino e instalou o instrumento na recepção onde os pacientes aguardam atendimento para a radioterapia. Hoje, o ritual de tocar o sino é repetido por centenas de pessoas que vencem a batalha contra a doença. 

Paciente toca o sino na recepção do departamento de radioterapia do Icesp | Foto: Divulgação/Icesp

O caso de Luis é um dos tantos que ilustram a trajetória de sucesso do Icesp. Mário Covas, ex-governador de São Paulo, internado no Instituto do Coração, em São Paulo, para tratamento de um câncer de bexiga, estava em seu leito no hospital quando avistou no horizonte, pela janela, um esqueleto de concreto abandonado, com 112 metros de altura. Tratava-se de um edifício inicialmente projetado para conceber um centro médico voltado para a saúde da mulher. A construção começou em 1988 e ficou paralisada por anos.

Covas prometeu ao seu médico que daria um destino àquela obra. Em 2001, o político morreu, depois de anos lutando contra vários tumores. Mas sua promessa se concretizou. Durante a gestão do então governador Geraldo Alckmin, que assumiu o comando do Estado de São Paulo com a morte de Covas, iniciou-se a discussão das propostas para uso do prédio baldio. Só em maio de 2008, 20 anos depois do começo das obras, foi inaugurado o maior centro de oncologia da América Latina — o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira, integrado ao complexo do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. 

Vista panorâmica do prédio do Icesp | Foto: Sérgio Souza
Instituição viva e intensa

O que poderia ter se tornado mais um elefante branco encalhado se transformou num colosso no tratamento do câncer: desde a sua fundação, o Icesp atendeu 135 mil pacientes, realizou mais de 3 milhões de consultas médicas em 34 especialidades, fez mais de 100 mil cirurgias, 711 mil sessões de quimioterapia e 730 mil de radioterapia. Cerca de 10 mil pessoas circulam pelo prédio do hospital por dia.

Além dos números superlativos, toda essa engrenagem funciona por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) — ou seja, os pacientes recebem tratamento 100% gratuito, depois de terem sido encaminhados pela rede pública estadual. A Central de Regulação de Vagas organiza a fila de pacientes atendidos e os direciona para o Icesp, de acordo com a complexidade do quadro. Por mês, o instituto recebe 600 novos casos, nas mais diversas áreas da oncologia. “É um desafio constante manter a instituição de pé, viva e intensa”, afirma o urologista William Nahas, presidente do Conselho Diretor do Icesp. “Travamos uma luta diária para trazer tecnologia de ponta para os nossos pacientes, além de buscar formas de integrar a parte clínica com a de pesquisa, a fim de gerar mais conhecimento.”

No ano passado, Nahas e sua equipe recorreram ao governador do Estado, Tarcísio de Freitas, para realizar um desejo antigo do hospital: funcionar com capacidade máxima. “O Estado tinha uma lista de espera de 1.250 casos oncológicos. O governador ofereceu recursos extras para a liberação de leitos que estavam fechados havia mais de dez anos, desde que a instituição aumentasse o número de atendimentos e mostrasse resultados”, explica Nahas. O pacote de investimentos fechado com o governo do Estado resultou em mais 30 leitos de internação, 15 leitos de UTI e três salas cirúrgicas. “Fizemos um cronograma gradativo. Nos primeiros três meses, foram atendidos 200 pacientes a mais por mês. Depois fomos equacionando até absorver toda a fila.” Hoje, o Icesp é responsável pelo atendimento de cerca de 10% de todos os casos oncológicos do Estado de São Paulo. 

Humanização e aconchego 

Quem percorre os corredores do Icesp tem certeza de que está em um hospital privado. As instalações são comparáveis aos melhores centros de saúde do país. Não é à toa que o instituto conquistou a acreditação pela Joint Commission International (JCI) — o mais importante órgão certificador de qualidade de instituições de saúde do mundo. A primeira acreditação ocorreu em 2014. Neste ano, o feito se repetiu pela quarta vez. “Receber a certificação da JCI coroa tudo o que o Icesp faz”, diz Joyce Chacon Fernandes, diretora-executiva do hospital. Ela explica que são mais de mil itens avaliados no processo. A cada três anos, a instituição é reavaliada para ratificar o selo de excelência. O Icesp é a única instituição do país com atendimento 100% SUS a receber o selo. “Esse reconhecimento é resultado de todo o empenho dos profissionais que atuam no Icesp para garantir a melhor assistência ao paciente”, diz Nahas. “Ao mantermos a acreditação, não só demonstramos que atendemos todos os requisitos em uma rigorosa avaliação, como também apresentamos as melhores práticas em qualidade e segurança e nos consolidamos como referência em oncologia no mundo.” 

Hoje, sete em cada dez brasileiros, ou mais de 150 milhões de pessoas, dependem exclusivamente do SUS para tratamentos de saúde. Se muitos dependentes do sistema público se queixam do tempo de espera para a realização de consultas e exames e da sensação de ser tratado apenas como um “número”, no Icesp a percepção dos pacientes é outra. 

Na última pesquisa de satisfação realizada com a metodologia de avaliação Net Promoter Score (NPS), o instituto obteve nota 94, o que corresponde à zona de excelência. Na prática, os pacientes atribuem nota, numa escala de 0 a 10, para medir o índice de satisfação e qualidade dos serviços prestados. Sabe aquela perguntinha que você já deve ter respondido em algum lugar: “Você indicaria o serviço para um amigo ou familiar?”. Quanto mais a nota se aproxima de 100, mais bem avaliada é a instituição. “No Icesp, existe uma preocupação em humanizar os atendimentos em todas as suas fases”, diz Nahas. “O centro foi criado nos moldes de uma filosofia de humanização e aconchego ao doente, para proporcionar um ambiente saudável e emocionalmente agradável.” 

Turbinando a autoestima 

Receber um diagnóstico de câncer é penoso. Em um único instante, a vida muda, o tempo congela, e um filme passa pela cabeça. Ninguém sabe realmente como vai reagir à notícia. A doença é a segunda principal causa de morte no Brasil, atrás apenas dos problemas cardiovasculares. Dependendo do estágio e do tipo de câncer, o tratamento pode ser longo e repleto de incertezas. O que fazer depois de receber o diagnóstico? 

O acolhimento e a assistência humanizada são prioridades no Icesp. O paciente e o acompanhante que chegam para a primeira consulta são acolhidos por uma equipe multiprofissional de fisioterapeutas, nutricionistas, enfermeiros e psicólogos. Eles explicam os passos do tratamento, promovem aulas com os cuidadores dos doentes, além de esclarecer todas as dúvidas sobre a jornada no hospital. Para turbinar a autoestima, o instituto oferece corte de cabelo, manicure, barbearia, dicas de maquiagem e macetes para amarrar lenços na cabeça. Hábitos saudáveis, como a alimentação balanceada e a prática de atividade física, são estimulados. Há iniciativas como o Remama, em que pacientes que passaram por uma mastectomia (retirada da mama) praticam remo na Raia Olímpica da USP. Provas de corrida e caminhadas são organizadas anualmente pela instituição. Desfiles de moda dos pacientes também integram a programação, para aliviar as mazelas do tratamento. 

Parte do espaço de reabilitação do Icesp | Foto: Divulgação/Icesp
Um time de peso

O hospital também é celeiro de talentos na área da saúde. A instituição conta com o melhor programa de residência médica em oncologia do Brasil — título reconhecido pela Sociedade Americana de Oncologia Clínica. Por ano, passam mais de 50 residentes e médicos formados em busca de um estágio no instituto, nas mais diversas áreas cirúrgicas. “Como somos ligados a um hospital universitário, existe um perfil diferente”, diz Nahas. “Formamos profissionais para oferecer um atendimento exemplar no Sistema Único de Saúde, com foco no ensino e também na pesquisa em saúde.”

Depois de formados, muitos médicos são atraídos por polpudos salários oferecidos em hospitais particulares de ponta, mas a produção científica torna-se um chamariz para reter especialistas no Icesp. Para Nahas, o profissional que trabalha no instituto, além de altamente qualificado, está preocupado com o ensino e a pesquisa. “Ele tem interesse em publicar trabalhos científicos, participar de congressos, dar aulas para residentes. A remuneração é importante, mas é uma parte do todo.”

O volume de pacientes que passam pelo Icesp todos os dias criou um polo de conhecimento único no Brasil

Na área de inovação e tecnologia, o hospital também investe pesado em equipamentos de última geração. O Icesp é pioneiro em radiocirurgia na rede pública de saúde — procedimento que permite tratar alguns tipos de câncer sem cortes e sem causar danos aos tecidos sadios. O programa em urologia do instituto foi o primeiro a receber a certificação da Sociedade Brasileira de Urologia em cirurgia robótica. O hospital abriga, ainda, um dos maiores centros de simulação realística em saúde do país, com o uso de bonecos que reproduzem situações reais para a formação de profissionais na área oncológica.

Sala com ‘céu estrelado’ e acelerador linear, no setor de radioterapia do Icesp | Foto: Divulgação/Icesp
Cirurgia realizada por robô no centro cirúrgico do Icesp | Foto: Divulgação/Icesp

Tantos investimentos precisam caber no Orçamento do Estado paulista, que é limitado e oriundo de verbas públicas. Os gestores do hospital precisam, muitas vezes, fazer malabarismo para acomodar todos os custos e despesas sem comprometer a saúde financeira nem a qualidade do serviço. Joyce explica que a destinação do Orçamento do Estado para o hospital é atrelada a metas de produção assistencial e de qualidade. “Cumpriu a meta, recebe. Não cumpriu, não recebe”, afirma a diretora-executiva do instituto. “O Icesp nunca foi penalizado, nunca deixou de cumprir a meta”.

Sino para poucos

Infelizmente, a excelência do trabalho desenvolvido pelo Icesp está disponível apenas para os paulistas. Falta padronização nos protocolos de tratamento contra o câncer na rede pública do Brasil. Muitos centros oncológicos espalhados pelo país não têm infraestrutura, em termos de equipamentos e tratamentos, nem material humano qualificado para diagnosticar e tratar os diversos tipos de câncer. Os aparelhos e medicamentos para combater a doença são caros e demandam investimentos na ordem de milhões. Além disso, o volume de pacientes que passam pelo Icesp todos os dias criou um polo de conhecimento único no Brasil. “Somos um centro de referência de tratamento dos piores casos de câncer”, reforça Nahas. Na classificação dos estágios do câncer, numa escala de 1 a 4, em que 4 é o mais avançado, mais de 50% dos pacientes atendidos pelo Icesp estão nos estágios 3 e 4. “Em grande escala aprendemos a tratar melhor, e os resultados são melhores e mais efetivos.”

Por mais que a logística dificulte o tratamento para algumas pessoas, centralizar investimentos, pesquisa e formação profissional em um único hospital ainda é o caminho na oncologia. “Não dá para criar um complexo desse porte em dez pontos do Estado. Nossa rede exige uma densidade tecnológica muito grande”, diz Nahas. No Brasil, para quem depende do SUS, o código de endereçamento postal (CEP) da residência ainda é um elemento que pode definir se o paciente vai ter acesso ao melhor tratamento contra o câncer ou não. Nem todos terão a mesma sorte de Luis Peyser, nem a oportunidade de badalar o sino para celebrar a cura. Mas, em plena Avenida Doutor Arnaldo, num dos pontos mais altos da cidade de São Paulo, saber que o Icesp existe é um alento para muitos pacientes que travam a luta contra o câncer. 

Ilustração: Divulgação/Icesp

Leia também “A cidade dos superprédios”

10 comentários
  1. Rosely M G Goeckler
    Rosely M G Goeckler

    Só de pensar no q os Governadores do Nordeste Gastaram no Covidão, de acordo com a Assembléia Legislativa do RN, imagino quantas pessoas deixaram de ser tratadas!

    E o Perdão (indevido) do ministro q não foi aprovado para a Magistratura de SP, aos empresários da Lava Jato, a máfia dos sanguessugas!
    Quantas pessoas estão deixando de ser tratadas?

    E a corrupção?
    E a vida nababesca de Brasília?
    7 em 10 brasileiros precisando do SUS?

  2. Patricia Padilha
    Patricia Padilha

    Que seja uma inspiração, modelo para outros Estados implantarem um hospital deste nível.

  3. Antônio Carlos Lazarini da Fonseca
    Antônio Carlos Lazarini da Fonseca

    É isto o que o Brasil merece; ilhas de excelências como esta !

  4. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    A saúde pública precisa ser rediscutida.
    Qual a melhor opção? Cobrar impostos abusivos e fornecedor saúde ”gratuita” com péssimos atendimentos de maneira geral e um poço de corrupção, ou diminuir impostos para que cada indivíduo tenha condições de ter seu plano de saúde particular de sua livre escolha?

  5. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Tá faltando criar um Icesp desse em Brasília pra curar o câncer da política

  6. Gino Antonio Brandão Beccato
    Gino Antonio Brandão Beccato

    Parabens pela reportagem e ao Governo do Estado. Justifica meu orgulho de ser Paulista e Paulistano.

  7. José Maria dos Santos
    José Maria dos Santos

    Na verdade, o melhor é não dizer “Infelizmente, a excelência do trabalho desenvolvido pelo Icesp está disponível apenas para os paulistas.”, mas “Infelizmente, a excelência do trabalho desenvolvido como no Icesp não está disponível em outros estados”, pois se abrirem a todos, corremos o risco de cidades de outros estados passarem a apenas comprar ambulâncias e mandar seus pacientes para cá, como acontece com o Hospital Mandaqui, onde, de cada dez ambunlâncias, nove são de fora, e a atendimento (se podemos chamar assim) é uma lástima.

    1. Rosely M G Goeckler
      Rosely M G Goeckler

      Corretíssimo!

  8. claudio paschoal catiari
    claudio paschoal catiari

    É uma felicidade saber da existência deste magnifico centro hospitalar. Como diz o Denis R. com uma gestão bem feita, o sucesso é garantido. E palmas para o governo estadual com sua atuação fundamental!

  9. Denis R.
    Denis R.

    Certamente que um dos pilares de todo este sucesso é a gestão!

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