O museu do Hezbollah, em Mleeta, no Líbano, é revelador. A própria existência desse complexo ao ar livre que se autodenomina um símbolo de liberdade escancara o quanto de ódio existe por trás da palavra “resistência”. O local se tornou um ponto turístico e faz parte de uma conhecida plataforma de agências.
Tal manifestação “cultural” é baseada na negação e na destruição de Israel e dos judeus. Com uma mensagem antissemita que se repete, de forma explícita ou subliminar. Como ocorre nos protestos de jovens em universidades pelo mundo. Ou no discurso inflamado de alguns líderes da esquerda. Como ocorreu na perseguição aos judeus no Império Romano, na Idade Média, nos pogroms na Rússia ou no Holocausto nazista.
Segundo o psicanalista Paulo Blank, doutor em Comunicação e Cultura pela ECO-UFRJ, os dois últimos anos ficaram marcados pelo retorno de uma intolerância que moldou boa parte da história da humanidade, e culminou no ataque do Hamas, grupo terrorista parceiro do Hezbollah, a Israel, no dia 7 de outubro de 2023. “Se você olhar a história do antissemitismo, vai ver claramente que as perseguições nunca cessaram”, afirma o especialista.
Desta vez, a existência de Israel, cuja missão principal é proteger a comunidade judaica em qualquer lugar, se tornou um escudo para ataques diretos aos judeus. Agora é a causa palestina que é utilizada pelos extremistas para encobrir o veneno antissemita. Como lembra Blank, isso deu ao antissionismo o disfarce do recorrente antissemitismo, que há séculos coloca os judeus como protagonistas de frustrações pessoais, disputas religiosas e de crises sociais.
Como disse a historiadora alemã Hannah Arendt (1906-1975), a banalização do mal é um instrumento que, por algum contexto social, surgiu da irracionalidade. Por isso, conforme lembra Blank, tem sido comum nas manifestações em defesa do Hamas a presença de homossexuais e de outros membros de minorias perseguidas. Se fossem feitas na Palestina, o próprio Hamas, por suas crenças extremistas, condenaria à morte cada um desses manifestantes.
“São múltiplos fatores operando ao mesmo tempo”, diz o especialista. “É um fenômeno de dissonância cognitiva, em que aparece um lado da pessoa que apoia determinado grupo, mesmo sabendo que ela seria condenada à morte por ser como é. Ocorre um bloqueio entre a razão e a emoção. A imagem do Hamas como o perseguido é determinante.”
Muitas manifestantes feministas também são envolvidas por essa atmosfera, segundo ele. “Há uma identificação com as pessoas que sofrem que faz o manifestante negar todo o resto”, observa Blank. “Contribui o fato de ele estar longe. Plataformas como o TikTok enchem de notícias que mobilizam as emoções com imagens de mitos. As limitações mentais são úteis para essa manipulação. Há mulheres que não se indignaram com as atrocidades cometidas pelo Hamas contra as próprias mulheres.”
O surgimento de Israel
A presença de Israel também é vista como um obstáculo à hegemonia do Irã, na luta pelo poder na região. Até em discursos nas Nações Unidas, o país dos aiatolás não esconde o antissemitismo de seu governo.
Em abril de 2024, a Justiça argentina declarou que o Irã esteve por trás dos dois atentados contra entidades judaicas na nação sul-americana. Um foi na Embaixada de Israel em Buenos Aires, em março de 1992, quando 29 pessoas morreram e 242 ficaram feridas. O outro, contra a sede da Associação Mutual Israelita Argentina, em julho de 1994, deixou 85 mortos e mais de 300 feridos. Ambos foram executados pelo Hezbollah, segundo os juízes. Irã e Hezbollah negam as acusações.
No dia seguinte à invasão de 7 de outubro do Hamas, o porta-voz do grupo, Ghazi Hamad, disse ao programa de rádio NewsHour, do Serviço Mundial da BBC, que os terroristas tiveram a ajuda do regime iraniano no bombardeio a Israel. Hamad disse que o Irã se comprometeu a “apoiar os combatentes palestinos até a libertação da Palestina e de Jerusalém”.
De acordo com o Departamento de Estado norte-americano, o Irã fornece mais de US$ 100 milhões anualmente a grupos palestinos ligados ao terror.
A causa palestina, para terroristas como os do Hamas e do Hezbollah, é a aniquilação de Israel. Essa retórica teve início antes da própria formação do Estado Judaico. Está mais relacionada à criação dos Estados nacionais, a partir da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Até então, judeus e árabes não tinham vivido grandes conflitos.
Nos tempos da dominação árabe na Península Ibérica (entre os anos de 711 e 1492), por exemplo, em geral os judeus não eram vistos como ameaça. Interpretavam a Torá (livro sagrado do judaísmo) e traduziam seus textos para o árabe. O cenário foi outro na Palestina do início do século 20.
Com o surgimento do nacionalismo árabe, que buscava um Estado que substituísse o Império Otomano, o panorama se transformou. Ainda mais pelo fato de ter surgido, no fim do século 19, com Theodor Herzl, o movimento sionista, que defendia o retorno judaico à Palestina, com o objetivo de recriar o Estado de Israel no mesmo local onde os judeus haviam se estabelecido nos tempos bíblicos. Levas já migravam para a região nos tempos de Herzl.
No momento em que os judeus passaram a buscar um Estado, os atritos tiveram início. E foram incorporados pelos religiosos extremistas dos dois lados. O antissemitismo, iniciado já na era cristã, atingiu também parte dos árabes no início do século 20. O termo “antissemitismo”, porém, passou a se referir apenas aos judeus e excluiu os árabes, que também são povos semitas.
União com o nazismo
Os líderes radicais se uniram pela causa palestina, durante a Segunda Guerra (1939-1945), ao representante máximo do antissemitismo: o regime nazista. O professor e cientista político alemão Matthias Küntzel diz que foi o discurso de ódio nazista um dos principais fomentadores do atual conflito no Oriente Médio.
“Não só as atrocidades de 7 de outubro são uma reminiscência das atrocidades nazistas, como também as justificativas ideológicas para o assassinato de judeus nos anos 1940 e em outubro de 2023 são semelhantes”, afirmou Küntzel, em live pelo The YIVO Institute for Jewish Research, fundado em Vilna (Lituânia), Berlim (Alemanha) e Varsóvia (Polônia) em 1925.
Em seu livro Nazis, Islamic Antisemitism and the Middle East (“Nazismo, antissemitismo islâmico e o Oriente Médio”, numa tradução livre), Küntzel afirma que os ideólogos nazistas consideraram o conflito dos anos 1940 na Palestina, que culminaram com o surgimento do Estado de Israel, uma oportunidade para promover o antissemitismo.
Uma das estratégias, segundo ele, foi utilizar a propaganda nazista para incorporar tal discurso na consciência do mundo árabe, ao atribuir falsamente aos judeus interpretações do Islã e do Alcorão.
Sob a orientação de Joseph Goebbels, ministro do Partido Nazista, foram veiculadas propagandas radiofônicas em árabe, na Palestina, para alcançar as massas analfabetas. Isso, diz Küntzel, popularizou o mito da conspiração mundial judaica e construiu a tal retórica genocida em relação ao sionismo, que se perpetua.
Outro fator foi, de acordo com Küntzel, o financiamento nazista à egípcia Irmandade Muçulmana, entidade que inspirou o Hamas. O grupo ganhava força no Egito, principal opositor do Estado Judeu na época. Além disso, o professor observa que o mufti (líder intelectual e político) de Jerusalém, Haj Amin al-Husseini, que combatia a presença judaica na Palestina, era aliado de Adolf Hitler.
A imagem de Israel como genocida e opressor inflamou os jovens pelo mundo, em busca de uma identidade grupal. E tem sido utilizada por esquerdistas como um ilusório pretexto de justiça social
“Os nazistas transferiram grandes somas de dinheiro para a Irmandade Muçulmana, organizaram reuniões, ações educacionais e eventos sobre a ‘questão judaica’, e apoiaram o aliado mais importante, o mufti de Jerusalém, Haj Amin al-Husseini”, afirma Küntzel.
Há uma foto de um encontro em 1941 entre Hitler e o mufti, que na ocasião havia fugido para o Líbano, depois de ter sido destituído pelos britânicos do comando do Conselho Supremo Muçulmano. A causa foi ele ter organizado, segundo as acusações, as revoltas árabes de 1936 em Israel, uma espécie de 7 de outubro dos anos 1930.
“Os nazistas queriam radicalizar o antissionismo da Irmandade Muçulmana e transformar o território em um conflito sobre a Palestina, numa guerra religiosa antijudaica irreconciliável”, diz Küntzel.
Segundo Paulo Blank, o slogan “Do rio ao mar”, entoado por alguns universitários, nada mais é do que a continuidade reciclada desse sentimento antissemita, presente no estatuto original do Hamas, fundado em 1987. A imagem de Israel como genocida e opressor inflamou os jovens pelo mundo, em busca de uma identidade grupal. E tem sido utilizada por esquerdistas como um ilusório pretexto de justiça social.
“Essa situação é perversa porque junta uma coisa que não deveria estar ligada à outra”, ressalta Blank. “Há uma fantasia em relação aos judeus, historicamente, e a Israel, desde alguns anos atrás. Essa ligação mobiliza a juventude universitária, que passa a ter uma bandeira em uma época sem bandeiras.” Jovens e esquerdistas, de acordo com ele, deram vazão a um milenar sentimento antissemita. Este, sim, um tema para museu.
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Excelente artigo ! Parabéns !
Inadmissível que na atualidade e com tanto acesso à informação os jovens embarquem nessas canoas furadas simplesmente por falta de bandeiras! Deveriam se ater ao melhor entendimento de todas as tragédias que atingiram principalmente o heroico povo judeu ao longo da história . São realmente os escolhidos ; não há como duvidar após tanta perseguição e sofrimento .
Ótimo artigo !
Os judeus formam um grande povo e não merecem retaliações deste tipo.
Eu sei que a história é fundamental para compreensão do processo evolutivo da sociedade, entretanto discordo que ela faça povos do ocidente se comportarem a favor dessa teocracia árabe de apoiar palestinos e até grupos terroristas, por mais doutrinação que exista, principalmente atualmente que a Internet chegou e com a IA os doutrinadores perdem espaços