A bagunça em si nunca é o pior. Chama a atenção, gera uma sensação ruim de desconforto, até de desesperança, mas não é o pior. Bagunça, sejamos justos, é apenas a consequência de algo que foi descuidado ou fruto de desorganização passageira ou endêmica. A bagunça não se faz sozinha, não se cria. Daí que muito pior que a bagunça é a falta de um plano para organizá-la. Ainda mais de alguém que minimamente tenha um plano para repor as coisas em seu devido lugar.
Em política, bagunça é quando a bateção de cabeça se espraia em tamanha intensidade que os atos desesperados para encontrar uma solução se sucedem numa velocidade e desordem lógica tão grande que a economia, a vítima da política bagunçada, continua a viver de remendos. E economia remendada só se justifica em tempos de guerra. Não estamos em guerra. Em tempos normais, remendos econômicos são atraso, incompetência.
Nesta semana, o auge da inércia administrativa e da falta de planos sobre como lidar com o alto endividamento público do governo federal evidenciou ainda mais o despreparo técnico e a bagunça política do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. No centro do debate, a desoneração de impostos na folha de pagamentos de empresas intensivas em geração de empregos e de municípios com até 156 mil habitantes. O governo chama de perda de arrecadação, mas a medida vem desde o governo Dilma. Não deveria ser uma receita esperada se a equipe econômica não estivesse desesperada em tentar reduzir o buraco fiscal que o governo Lula 3 não para de aumentar. Além do que, emprego gera renda, autonomia ao trabalhador e arrecadação ao governo porque a economia gira, reduzindo, na outra ponta, o custo com benefícios sociais, como o seguro-desemprego. Por entender que a tributação elevada sobre a geração de emprego é asfixiante para a economia e paralisa a roda econômica, o Congresso Brasileiro havia mantido no ano passado a desoneração e chegou inclusive a derrubar os vetos presidenciais que se contrapunham ao entendimento de deputados e senadores. Lula não se fez de rogado e, mais recentemente, buscou na força do seu consórcio de governança com o STF — algo absurdo em si mesmo — uma liminar do ministro Cristiano Zanin para suspender a desoneração. O que era só uma bagunça institucional e atropelo da separação dos Poderes virou insegurança jurídica, o terror dos investidores. As empresas teriam de, em pleno final do mês de abril, refazer às pressas todas as guias de recolhimento pela alíquota nova.
Reserve um momento para dimensionar o tamanho do problema que relatei no parágrafo anterior e do qual nos livramos na undécima hora porque, até para bagunceiros, a bagunça, em algum momento, é demais.
Vamos lá. O governo queria reonerar um imposto. Na democracia, depende do Congresso, que, ao se debruçar sobre o caso, decide manter a desoneração. O presidente discorda e veta parte da decisão. O Congresso derruba os vetos. Até aí, é a democracia e o peso das decisões democráticas. Sob a decisão parlamentar, o governo deveria tão somente reavaliar seus custos diante da frustração de receita e entrar na nova linha fiscal imposta. Mas o governo, excentricamente perdulário e que prevê elevar para R$ 14,5 bilhões o déficit primário em 2024 (era de R$ 9,3 bi em março), vai ao tapetão do Supremo e passa por cima da democracia de representatividade de deputados e senadores e consegue a reoneração por canetada. Tudo o que existia de previsibilidade jurídica mínima e estabilidade institucional ou contábil cai por terra. Mudanças fiscais têm a garantia da noventena para os contribuintes se adaptarem à nova legislação, mas a noventena foi extirpada numa decisão liminar. Decisão liminar pode cair, é precária na essência. E decisão monocrática de um ministro aliado ao governo no Supremo contrariando resultado de votação no Congresso, o que seria senão uma afronta institucional? Pior e mais bagunçado é que o STF deveria guardar a noventena, que é, lembre-se, constitucional. Bagunça institucional, jurídica, contábil e afins.
Que governo que se preze pode ignorar pareceres técnicos do Ministério da Fazenda, relatórios de entidades empresariais e vê a opinião presidencial ser alterada porque a primeira-dama decidiu sobre uma questão econômica que influencia nas contas do país?
Convém sempre rememorar que o atual governo de Lula 3, geneticamente gastador, instalou no país a república desesperadamente arrecadatória. O déficit no país cresce — já acumulou mais de R$ 1 trilhão de dívida bruta —, porque a lógica matemática e contábil não perdoa: o governo só faz aumentar gastos em proporções pandêmicas sem a criação de medidas que retomem o crescimento econômico do setor privado, que é quem arrecada impostos e paga as contas públicas. Como tem um arcabouço fiscal para honrar — embora já o tenha desonrado com alterações pró-aumento de gastos antes de completar um ano — e um arremedo da Lei de Responsabilidade Fiscal que ainda resiste, apesar do ataque de gafanhotos sobre os sistemas de controle e austeridade, o governo precisa buscar receitas para oferecer algum sinal de equilíbrio fiscal.
Voltando ao caso da desoneração, o governo teve de ceder porque o Congresso se viu evidentemente afrontado em suas prerrogativas. Daí, um acordo foi costurado para uma reoneração gradual a partir do ano que vem até 2028. Mas era preciso resolver as contas de 2024. Como passa longe da cabeça de Lula 3 o básico de cortar despesas, o governo testou na imprensa algumas fontes de receita nova: desde a sobretaxação dos já ultrataxados cigarros — o que não funciona porque a pirataria e o descaminho aumentam — até a cobrança das importações das “blusinhas” da Shein, as famosas compras internacionais de sites chineses de até US$ 50 que hoje têm isenção.
Neste caso, a bagunça já é histórica. No ano passado, Lula era a favor de taxar. A equipe econômica era a favor, a indústria brasileira denunciava a concorrência desleal e pedia a taxação, mas a primeira-dama, Janja da Silva, foi contra — o que significa dizer que Lula, num lapso de autoridade presidencial, passou a ser contra. Que governo que se preze pode ignorar pareceres técnicos do Ministério da Fazenda, relatórios de entidades empresariais e vê a opinião presidencial ser alterada porque a primeira-dama decidiu sobre uma questão econômica que influencia nas contas do país e no equilíbrio da concorrência industrial e comercial?
Em que pese a realidade do custo-Brasil que impacta na produtividade e competitividade da indústria brasileira, o real problema dessa questão, o assunto é técnico, não é de primeira-dama. No ano passado, na primeira tentativa de sobretaxar as importações chinesas de até US$ 50, Janja conseguiu dizer que se o imposto subisse seria a indústria a pagar, não o consumidor. Dispensa comentários a bagunça mental da esposa do presidente que ignora o básico da formação de preços e o impacto de impostos na ponta do consumo.
É provável que, até o final desta semana, o governo tenha se decidido por outra fonte de receita para compensar a desoneração da folha de pagamentos de empresas e municípios. Mas será por meio de medida provisória, cujo nome é autoexplicativo na solução: provisória até que o Congresso, que começa a se incomodar com a desorganização do Palácio do Planalto, decida.
O nó da bagunça não está na bagunça, está na falta de ideias boas para solucionar problemas momentâneos e ideias ainda melhores para evitar que esses problemas existam no futuro, ou seja, medidas estruturais que nos devolvam a estabilidade de concorrência porque nos permitiriam aumentar a capacidade produtiva e de competir com cadeias globais de bens manufaturados. E de modelos de gestão e repasse de recursos governamentais que evitem que prefeitos fiquem eternamente com o pires na mão. Para isso, é preciso ter gente boa, capaz, inovadora, corajosa e que pertença realmente a este século. Mas, no caso do atual governo, nem isso basta. É preciso ter também autonomia técnica, ser imune politicamente às “decisões” da primeira-dama e, consequentemente, à bagunça da cabeça presidencial. Lula tem sido uma biruta da baixa política que espera os ventos populistas para decidir para onde ir e que, agora, também parece ser movida a controle remoto ideológico pela parceira de Palácio e de viagens.
O país precisa sair da bagunça do atual governo e para isso necessita ter soluções sustentáveis que ataquem os problemas reais de vez. Mas nada disso vai acontecer se o presidente continuar no palanque e deslumbrado com sua questionável volta ao poder. Também o país não avançará se continuar sem dar respostas efetivas, sobretudo o Ministério da Saúde, à epidemia de dengue que assola o país, com mais de 5 milhões de casos. Dengue que o governo Lula, o mercado, o barulhento consórcio da mídia da pandemia de covid-19 e os biólogos celebridades têm ignorado com uma seletividade partidária e silêncio estarrecedores.
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O congresso precisa reagir de vez contra os arroubos do consórcio PT/STF.
Piotto, seu artigo em linguagem simples e objetiva é de fácil entendimento até mesmo para um leigo.
A gigantesca e inoperante equipe de ministros é uma lástima. Não se consegue salvar um.
Interferências de toda ordem só faz piorar o que já está muito ruim.
É o Brasil a caminho do caos.
Muito bom Piotto, você lembra no parágrafo final a incompetente gestão da epidemia de DENGUE com a ativista petista Nisia no comando do Ministério da Saúde e nos faz lembrar dos escandalosos cientistas, biólogos e especialistas medicas cantoras, que estão calados em momento tão grave de saúde pública.
Sugiro que a Revista Oeste, convide para entrevistas esses “especialistas” tão combativos contra o governo Bolsonaro, para nos informar quais as falhas deste governo no combate a DENGUE. Poderíamos começar com aquela aguerrida cientista microbiologista Natalia Pasternak, pelo ex presidente da Anvisa Claudio Maierovitch, pelo ex reitor da UFPELOTAS epidemiologista Pedro Hallal e pela infectologista cantora Luana Araujo. Todos atacaram severamente o governo Bolsonaro.
Essas teorias jornalísticas/econômicas do Quioto tá muito bem, mas o pior problema que o Brasil enfrenta é essa corja de bandidos ladrões comunistas terroristas genocidas narcotraficantes que estão aí nos três poderes,e o pior por fraudes nas urnas eletrônicas e outras mais
O ” economista” Lula com o aval de seu ” laranja” Haddad diz que gasto é investimento ( sic). Isso nada mais é que artimanha para manter apaniguados e companheiros ” mamando” em estatais que só existem no papel e na folha salarial.
Há quantos anos funciona a estatal TAV trem de alta velocidade entre Campinas e Rio de Janeiro?
O Congresso, por “votação simbólica ” aprovou a taxação dos importados. E agora, teremos a desoneração instalada novamente?
E se assim for, como fica o percentual de um ponto (salvo engano) instituído na lei que prorrogou a desoneração até 27 justamente para compensar este desencaixe bem como o do desconto à previdência de determinados municípios?
Nem um pio, ao que me consta. Resultado: ficam ambos os tributos, considerando o “Congresso conservador ” (conserva a carestia) ao lado de um governo com fome de paquiderme com lombriga.
Um ponto para produtos importados. esclareço .
Excelente Piotto, seu artigo mostra com clareza e profundidade o caos que se desenrola no plano econômico do país, regido por um presidente sem disposição de trabalho e comando e pior com um ministro da economia que não tem o conhecimento necessário para arrumar a casa…não há projetos, planos etc.
Excelente texto.
Caso o congresso não tome as rédeas da situação, essa bagunça generalizada vai levar nosso país para o buraco de vez.