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Invasão à Assembleia Legislativa do Paraná (3/6/2024) | Foto: Orlando Kissner e Valdir Amaral
Edição 220

Estado Relativo Democrático de Direito

Depredação da Assembleia do Paraná e invasão do plenário em São Paulo por militantes de esquerda mostram que no Brasil a lei só é aplicada contra a direita

Silvio Navarro
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Na última segunda-feira, 3, uma turba de militantes de esquerda cercou, invadiu, depredou e depois resolveu acampar dentro do prédio da Assembleia Legislativa do Paraná. Na noite do mesmo dia, a juíza da 5ª Vara da Fazenda Pública, Diele Denardin Zydek, teve de proferir uma decisão inusitada: a reintegração de posse do plenário da Casa, patrimônio dos pagadores de impostos do Estado. Dois policiais militares que tentaram conter a multidão em fúria saíram feridos. O prejuízo, sobretudo pelas vidraças estraçalhadas, ainda não foi contabilizado.

As cenas que rodaram a internet lembram muito o desfecho da tarde do dia 8 de janeiro em Brasília. São imagens de vandalismo contra prédios públicos. Porém, ao contrário do tumulto na capital federal, ocorrido num domingo, no Paraná os deputados estavam no plenário para votar — era dia útil. Muitos deputados relataram ter sofrido ameaças de agressão dos baderneiros.

Qual é o motivo da indignação dessa massa paranaense de pessoas mascaradas e usando bonés do MST? Naquele dia, a Assembleia votaria — e aprovou de forma remota por causa do tumulto — um projeto de lei que terceiriza a gestão das escolas públicas. O placar foi de 39 votos contra 13. Trata-se de uma proposta do governador Ratinho Júnior, reeleito no primeiro turno com 70% dos votos — a maior votação da história do Estado, o que deixa evidente o respaldo da população, goste a esquerda ou não.

O PT e seus satélites, que comandam os sindicatos de professores pelo Brasil adentro, não gostaram do projeto, anunciaram greve de professores nas escolas públicas e decidiram partir para o quebra-quebra. Eles alegam que “a educação será privatizada”, embora o projeto trate apenas de repassar para as mãos da iniciativa privada a gestão de limpeza e segurança das escolas. A parte pedagógica, como não poderia ser diferente por força da lei, é de responsabilidade do Estado.

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Aos inimigos, a lei

A história do 8 de janeiro é amplamente conhecida e permanece no noticiário da imprensa há um ano e meio. Partindo-se do princípio inegociável de que qualquer balbúrdia que termine em estrago material deve ser punida à letra da lei — e há legislação específica para o crime de depredação de patrimônio —, qual foi a diferença entre os dois episódios?

No caso do Paraná, no dia seguinte só duas pessoas foram detidas e liberadas em seguida. No Distrito Federal, cerca de 2 mil manifestantes foram levados de ônibus para um ginásio da Polícia Federal, alguns acompanhados de crianças. O destino seguinte foram os presídios da Papuda e da Colmeia — para homens e mulheres, respectivamente. Há dezenas de sentenciados, em lotes humanos, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com penas que beiram 20 anos de cadeia.

Foram abertos quatro inquéritos no Supremo sobre o 8 de janeiro, além de cinco preexistentes sobre “milícias digitais” e fake news, que se comunicam misteriosamente. Todos eles são conduzidos em sigilo pelo gabinete do ministro Alexandre de Moraes. Há mais de mil pessoas com tornozeleira eletrônica à espera de julgamento — agora feito de forma virtual, porque Moraes impediu a sustentação oral dos advogados na Corte.

A mando do ministro, a Polícia Federal segue efetuando prisões. A Operação Lesa Pátria já contabiliza 27 fases em busca de quais teriam sido os mandantes de um golpe de Estado que nunca existiu, porém defendido em discursos pelos integrantes do consórcio de poder que governa o país — composto de um grupo de ministros do Supremo e do presidente Lula. Até hoje, a tentativa de tomada de poder por manifestantes sem líder, rodeados de crianças, idosos, cachorros e vendedores de cachorro-quente e algodão-doce, jamais se confirmou.

Para quem acompanhou as cenas dos dois episódios, primeiro em Brasília e agora em Curitiba, algumas perguntas são inevitáveis. Talvez existam outras, mas estas já conferem o devido verniz do duplo padrão de tratamento:

  • O grupo de esquerda paranaense será enquadrado na lista de crimes de Brasília? Sobretudo, houve tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, com penas duríssimas?
  • Os inquéritos serão sigilosos e tramitarão em Cortes superiores, sem a possibilidade de recursos a outras instâncias?
  • Adjetivos como “terroristas”, “fascistas” e “extrema esquerda” serão adotados pelas redações da imprensa tradicional? O “bolsonaristas” dará lugar a “petistas-lulistas”?
  • Parlamentares do PT e apoiadores do ato no Paraná nas redes sociais serão perseguidos pelo STF e censurados?
  • Surgirão bandeiras com os dizeres “Sem Anistia” para o bando que tomou a Assembleia?

Resta ainda outro ponto: no dia 8 de janeiro, os manifestantes foram retirados da Praça dos Três Poderes pela polícia; no Paraná, foi necessária decisão judicial para que os sindicalistas deixassem o plenário.

“Os manifestantes depredaram o imóvel, quebrando vidraças (…) Nesse contexto, faz-se necessária a reintegração imediata do imóvel, a fim de evitar que maiores prejuízos sejam causados ao patrimônio público, bem como o regular funcionamento da Casa de Leis.”
(Diele Denardin Zydek, juíza da 5ª Vara da Fazenda Pública)

O 8 de janeiro se tornou um assunto tão proibido pelo Supremo, que parlamentares não alinhados ao lulismo, com mandato em vigor, evitam comentá-lo na tribuna ou nas redes sociais. Já a baderna paranaense foi insuflada com discursos em público. O deputado estadual petista Renato Almeida, conhecido por ter comandado a invasão à Igreja do Rosário em Curitiba, puxou o coro. Numa fala sem pé nem cabeça, ele conseguiu ligar o projeto de transferência administrativa de serviços escolares ao que chamou de “genocídio palestino”.

“O que o genocídio na Palestina tem a ver com o ataque à educação no Paraná? Tudo. Porque hoje, a partir do fascismo que eclodiu com o ‘bolsonarismo’, a mentira se tornou um método de governança, e a hipocrisia dá like e views, e é distribuída em escala industrial pelo gabinete do ódio”, afirmou Almeida.

À época da invasão da igreja, o petista era vereador e chegou a ter o mandato cassado pela Câmara Municipal de Curitiba, mas a decisão foi revertida pelo ministro do Supremo Luís Roberto Barroso. Depois, Renato Almeida se elegeu deputado estadual. Ele é conhecido por fazer acusações de racismo contra seus críticos.

Se o Brasil vivesse dias de normalidade institucional, sem a politização da mais alta Corte do Judiciário a favor de um lado do campo político, os ministros teriam de se pronunciar sobre o que, afinal, caracteriza um atentado ao Estado Democrático de Direito à luz da Constituição? A provocação deve partir de uma organização não governamental, por exemplo, invocando o artigo 103 da Carta. Por que o tumulto do 8 de janeiro deve ser tratado com rigor absoluto, sem precedência na história do Judiciário, e a baderna no Paraná é encarada com normalidade — e, provavelmente, impunidade?

No mês passado, cenas similares ocorreram na Assembleia Legislativa de São Paulo. Não houve quebra-quebra porque a polícia paulista agiu rápido. A Casa aprovou a implementação de escolas cívico-militares nas redes estadual e municipal com maioria folgada de votos — 54 a 21. De novo, PT e Psol tentaram parar a votação à força.

O tratamento dado ao episódio de vandalismo no Paraná e à invasão da Assembleia paulista deveriam forçar a revisão das penas e da imposição do uso de tornozeleira aos participantes do 8 de janeiro em Brasília. Ou então o Supremo poderia decretar, de uma vez por todas, que o rigor da lei só serve para a direita no Brasil.

Leia também “O consórcio levou uma surra”

13 comentários
  1. Frederico Oliveira dos Santos Melo
    Frederico Oliveira dos Santos Melo

    Análise perfeita!

  2. Darwin Cristino
    Darwin Cristino

    o Brasil só vai melhorar quando essa corja de PT/PSOL/PCdoB e afins for extinta.

  3. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Silvio, convide para entrevistas as celebridades tucanas que fizeram o “L” como FHC, DÓRIA, JEREISSATI, ALCKIMIN e outros para nos informar como interpretam o nosso atual ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO que somente pune seguidores da centro direita, como os patriotas democratas, trabalhadores e sem antecedentes criminais, provavelmente ex tucanos e que estão severamente humilhados e punidos.
    Não sei se aceitarão, mas não custa tentar entrevistar aqueles que seguramente planejaram a derrubada do governo Bolsonaro e arquitetaram tão nefasto retorno a “cena do crime” de alguém que se orgulha de colocar um comunista na SUPREMA CORTE.

  4. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    A educação brasileira precisa ser transformada. Até quando iremos deixar nossos jovens nas mãos destes vagabundos travestidos de professores e afins.

  5. Paulo Sérgio de avelar seixa
    Paulo Sérgio de avelar seixa

    Do jeito que as coisas estão em Brasília, daqui a pouco o CNJ vai suspender essa juíza, por alguém motivo que não saberemos.

  6. Julio Pereira Lima
    Julio Pereira Lima

    Isso aí. Lei para uns .

  7. Elias José de Souza
    Elias José de Souza

    A população precisa se “reciclar”, como pode um vereador invadir uma igreja e colocar as pessas que lá estavam em risco…? Esse vereador foi punido e absolvido por um ministro do STF, até aí, nos dias que estamos vivendo, nenhuma surpresa, agora o mais assustador é que esse vereador foi promovido nas urnas pelos elteitores a deputado estadual, o que fica claro com isso é que políticos desse nível vai continuar fazendo o que fazem, atropelado o bom senso e as leis sem ser importunado, quem sabe um dia ele não chega a presidente da República a continuar com essas atrocidades!

  8. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    Na democracia relativa do desgovernante cabe tudo.

  9. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Esse 8 de janeiro é o bode expiatório desse governo de bandidos ladrões junto com a cúpula do judiciário e metade do parlamento, esses bandidos estão saqueando e desperdiçando todos os bens desse país, todos esses bandidos estão bilionários e continuam roubando e debochando da cara da população. Quem vai tomar as providências? Ou vão ficar olhando irmos à ruína

  10. Vitor Hugo Stepansky
    Vitor Hugo Stepansky

    O culpado não é o ódio, nem o Barroso que livrou o ” excelentíssimo deputado” da cassação depois do quebra quebra da Igreja e agora da Assembleia.
    É o próprio povo que vota e elege um idiota desses.

  11. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    O Supremo Tribunal Federal tem hoje a pior composição possível. Todos os ministros, sem exceção, inclusive os “mudinhos do Bolsonaro” devem sofrer processo de impeachment só assim a situação pode melhorar.

  12. Érico Borowsky
    Érico Borowsky

    Silvio Navarro, craque do “ Oeste sem filtro” !

  13. João Cirilo
    João Cirilo

    Não é que no Paraná foi preciso ordem judicial para frear a bagunça: como diz a própria matéria, SP também enfrentou idiotas esquerdopatas e os tratou não com o juiz, mas com a PM.

    Essas são as pequenas grandes diferenças dos homens públicos. Enquanto alguns, mesmo com 70% de apoio popular, se acovardam e jogam o problema para o judiciário “dar uma liminar” se e quando (e depois reclamam que o juiz anda muito ativo), outros, verdadeiros democratas e no uso de suas prerrogativas, usam a borrachada liminarmente.

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