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Michael Shellenberger, jornalista e ativista climático | Foto: James Whatling/Parsons Media
Edição 220

Michael Shellenberger, jornalista: ‘Estou otimista sobre o meio ambiente e pessimista quanto à civilização’

Preocupado com o que classificou como ‘histeria’ por parte dos ambientalistas, o ativista climático norte-americano desmonta cada argumento alarmista sobre a pauta ambiental

Tauany Cattan
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Nascido nos Estados Unidos, Michael Shellenberger arranha muito bem o português, apesar das pausas pontuais em busca da palavra certa. Longe de se apegar aos discursos e cartazes da moda, ele é ativista climático há mais de 30 anos e fundador da Environmental Progress, uma ONG dedicada à defesa do meio ambiente. Com décadas de imersão nas pautas ambientalistas, suas pesquisas o fizeram confrontar os próprios ideais sobre os problemas do meio ambiente e suas possíveis soluções. Shellenberger reconheceu as falhas na militância ambiental e, desde então, procura separar ciência de ficção.

Aos 17 anos, o jornalista arrecadou fundos para uma organização de proteção de florestas. Além disso, evitou o aumento da poluição atmosférica por meio de reatores nucleares; salvou a última floresta antiga da Califórnia; ajudou a expor as terríveis condições de trabalho nas fábricas da Nike, na Ásia; fez pesquisas na Amazônia e ajudou pequenos agricultores a combater invasões de terra na região. Aos 30, integrou a equipe que convenceu o ex-presidente Barack Obama a investir US$ 90 bilhões em energia renovável.

Hoje, aos 52, Shellenberger ainda luta por um planeta mais verde. Todavia, há mais de dez anos se convenceu de que “a mudança climática não é o fim do mundo”. Michael Shellenberger publicou o livro Apocalypse Never: Por Que o Alarmismo Ambiental Prejudica a Todos (publicado em português pela LVM Editora). Nele, o jornalista desconstrói, um a um, os argumentos da militância ambiental alarmista. 

Confira os principais trechos da entrevista. 

Quando teve início essa obsessão de parte da população pelo fim do mundo?

O movimento começou muito idealista, a partir de uma visão utópica. Há produções que demonstram isso, como o livro Ecotopia, de Ernest Callenbach, e o documentário Uma Verdade Inconveniente (2006), roteirizado por Al Gore e dirigido por Davis Guggenheim. Na década de 1960, havia a ideia romântica de harmonia com o meio ambiente. Contudo, com a intensificação das mídias digitais, o desespero se revelou mais e mais. Agora, o discurso ambientalista abandonou a ideia romântica e abraçou o niilismo. Acho que isso piorou com Greta Thunberg e movimentos como o Extinction Rebellion e o Just Stop Oil. Vimos ativistas jogando sopa nas pinturas dos museus. É uma infantilização do movimento. Não há mais a imagem do “vamos criar um mundo melhor”. Agora é “vamos evitar o apocalipse”. 

Greta Thunberg é detida em protesto na Alemanha | Foto: Reprodução
Como o senhor se tornou um ativista ambiental contrário às pautas da militância?

Ainda sou militante da pauta verde, mas entendi que a energia nuclear é boa. Pensamos que energia e bomba nuclear são a mesma coisa. Havia uma resistência dos ambientalistas com relação à energia nuclear. Eles advogam pela energia eólica, mas você precisa de muita terra para isso. É necessário entre 300 e 600 vezes mais terra do que na energia nuclear. E é uma fonte irregular, não dá para contar com o vento. O gás natural, por exemplo, queima mais rápido, é mais fácil. A energia contida em uma lata de urânio é suficiente para a vida toda. Para mim, foi quase uma experiência religiosa. Tudo o que eu pensava estava errado, principalmente sobre as energias renováveis. Essas fontes utilizam mais terra, mais energia e geram mais poluição. Para construir painéis solares na China, por exemplo, é necessário muito carvão. E o melhor processo para a transição energética é partir do carvão para o gás natural, até chegar à energia nuclear. 

O senhor já foi chamado de ‘negacionista’ por isso?

Sou mais um “herético”, e me identifico com todos os que foram colocados como “negacionistas” na história. Tenho uma perspectiva convencional da ciência básica, mas a situação não é apocalíptica. Quem pensa como eu perde amigos, tem prejuízos financeiros, sofre cancelamentos.

“Fico preocupado com a histeria em torno do aquecimento global, sobretudo entre meninas adolescentes. Tenho uma filha com quem consigo conversar, mas as amigas dela estão assustadas”

Por que a direita se afastou da pauta ambiental?

A militância atual é um movimento contrário ao progresso humano. A pauta ambientalista é conservadora. Os conservadores queriam conservar as boas terras. Há muita influência das ideias de Thomas Malthus na militância ambiental. É como se nosso destino fosse morrermos de fome e sofrermos com a ausência de recursos. 

Em seu livro, o senhor menciona que o número de mortes por desastres naturais diminuiu bruscamente. Mas ainda argumentam que o meio ambiente está ‘com raiva’ dos seres humanos e, por isso, os castiga.

Nos Estados Unidos, mais ou menos 300 pessoas morrem de desastres naturais por ano. É muitíssimo pouco. Para efeito de comparação, temos um problema com drogas legalizadas no país: em 2023, 112 mil pessoas morreram em razão delas. É mais do que o número de mortos na explosão nuclear em Hiroshima, no Japão, e mais do que o número de norte-americanos que morreram no Vietnã. Eu estou otimista sobre o meio ambiente e pessimista quanto à civilização. Os índices sobre poluição e emissão de carbono mostram um futuro positivo. O ar está melhor agora do que quando vim para cá, há 20 anos. Os carros mudaram, surgiram mais veículos a diesel. O gás natural quase elimina a poluição. Antes disso, as pessoas usavam lenha em casa. A principal revolução ambiental tinha como objetivo mover a produção energética de dentro para fora da casa. 

O que contribuiu para essa mudança?

A prosperidade econômica e a tecnologia. Nos últimos 200 anos, a eficiência aumentou. Hoje, usa-se menos material, menos combustível, e, consequentemente, gera-se menos poluição. 

Michael Shellenberger com seu livro Apocalypse Never: Por Que o Alarmismo Ambiental Prejudica a Todos | Foto: Divulgação
O que o senhor considera real e o que é exagero? 

O que é real: o ser humano promove um grande efeito no mundo, grandes mudanças. O aquecimento global é um fato. O mito é que havia menos impacto no passado do que hoje em dia. A verdade é que o povo indígena gerou grande impacto nas florestas, por exemplo. Eles queimavam muitas florestas, o que matava os animais. No passado, a agricultura era bem menos eficiente; agora você produz muito mais comida com muito menos terra. O progresso é real. A poluição que enfrentamos é muito menor. Se tivermos a energia nuclear como energia principal, quase não teremos poluição. 

Mas há o risco de inundação das cidades litorâneas?

Teremos adaptação e tecnologia para isso. O contrário é ficção científica. Não existe esse cenário apocalíptico nem nos próprios relatórios da Organização das Nações Unidas (ONU). Existem cenários de sobrevivência. Isso porque, se há impacto, o efeito da melhora da tecnologia e da infraestrutura é muito maior. O cenário é de preparação tecnológica, e não de morte de bilhões. Efeito estufa, camada de ozônio, tudo isso tem riscos muito menores. Fico preocupado com a histeria, sobretudo entre meninas adolescentes. Tenho uma filha com quem consigo conversar, mas as amigas dela estão assustadas. Há coisas muito mais sérias. 

Quais, por exemplo?

A pobreza. Falo da pobreza de quem precisa utilizar madeira como sua fonte de energia principal. Passam horas do dia coletando lenha e madeira para usar em casa. Isso inclui o Nordeste brasileiro, mas também a África, especialmente o Congo. Isso, sim, prejudica a floresta, os animais. Lá as pessoas famintas comem muitos animais. Muita gente imagina que a vida na fábrica, por exemplo, é algo muito difícil. Pior é viver na fronteira.

O Brasil é um país rico em recursos naturais, mas boa parte da população ainda não tem saneamento básico. É possível concluir que a abundância de recursos não determina a prosperidade de um país?

Se os recursos naturais determinassem o crescimento e o futuro econômico de uma nação, o Japão seria um país pobre; e o Congo, um país rico. As pessoas que moram em lugares de clima mais frio, por exemplo, precisam de mais tecnologia para se preparar. A corrupção, sim, atrapalha o crescimento econômico. No Japão, há corrupção, mas eles continuam construindo refinarias de petróleo e prosperando. No Brasil há corrupção demais. 

Como o senhor encara a posição da classe artística sobre a Amazônia? 

Eles divulgaram imagens erradas da Amazônia. E, não, ela não é o pulmão do mundo. A esquerda gosta de falar isso, mas no governo Lula, por exemplo, houve muito mais queimadas do que no governo de Jair Bolsonaro. No Brasil, a melhor estratégia é concentrar as fazendas no cerrado. O cerrado é perfeito para a agricultura, por isso é tão produtivo. Mas o que o Greenpeace queria aqui é a fragmentação da floresta, proteger cada terra individualmente. E os animais que precisam de muitas áreas, por exemplo, não possuem esse espaço unificado, isso é um erro. O Brasil produz para o mercado, não vai sacrificar o seu desenvolvimento econômico por causa das crianças que choram na Europa. Os progressistas tratam os fazendeiros como inimigos. Os fazendeiros querem conservar a natureza, não são vilões. O Greenpeace, sim, é uma elite arrogante e ideológica, que recebe dinheiro dos países europeus. Tem a ver com interesses financeiros, ideológicos e poder. 

Quais são os impactos econômicos da redução do investimento de petrolíferas na exploração de recursos naturais?

É importante entender que o petróleo e o gás natural são melhores que a lenha e o carvão. O processo energético vai de combustíveis sólidos, passando por combustíveis líquidos, até os combustíveis gasosos. O Brasil possui o pré-sal, que é um recurso muito especial, deve ser explorado. Os veículos elétricos são muito limitados, principalmente em distâncias mais longas. Carros, caminhões, tratores precisam de petróleo. É loucura a ideia de mover esses veículos todos a bateria. As baterias de lítio são muito pesadas. Na transição energética, os ambientalistas querem partir da energia nuclear para a renovável, mas é o contrário. Precisamos do meio artificial para salvar o natural.

Faz alguns anos, criou-se um grande alarde em torno dos prejuízos que poderiam ser causados pelos canudinhos de plástico. Essa é uma preocupação válida? 

Existe a preocupação, ninguém quer plástico no mar. Mas a solução é enterrá-los. O canudo de plástico, por exemplo, corresponde a 0,03% de 9 milhões de toneladas de plástico que vão ao mar. Na Europa e no Japão, eles queimam o plástico a uma temperatura muito alta. Com isso, há menos poluição. O pior é tentar reciclar, não faz sentido. Lá também existe corrupção, porque eles dizem que vão reciclar, mas enviam a maior parte do lixo para países pobres. Cada um deve, no local onde mora, cuidar do próprio lixo: ou queima em incineradores ou enterra, simples assim. Em Tóquio, há uma dessas máquinas de incineração no centro da cidade. Há muita ansiedade com relação ao tema do meio ambiente. 

Leia também “A nova mentira dos ecoterroristas”

9 comentários
  1. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Tauany se revelou como excelente comunicadora na tragédia do R.G.do Sul e agora nos apresenta uma importante entrevista que a Revista Oeste já vem fazendo, ao entrevistar personalidades que bem interpretam o que ocorre com o mundo politico ideológico. Creio que a Revista Oeste conquistará maior comunicação e seguidores se intensificar este trabalho de entrevistas até com quem pensa ideologicamente diferente da centro direita.

  2. Francisca Lenita de Menezes Aragao
    Francisca Lenita de Menezes Aragao

    Muito boa aquisição e renovação etária da Oeste. Gostei do conteúdo certeiro da Tauany

  3. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    O cerrado é ideal mesmo para agricultura, não necessitava de uma capital federal, como foi criada Brasília, para desenvolver a região. Críamos uma casta de ”privilegiados” sugando o dinheiro público, e longe do povo.

  4. NOS
    NOS

    É isso, sem por nem tirar. Muito boa a entrevista. Vou ler e começar a presentear alguns amigos incautos, com este livro.

  5. MB
    MB

    Gostei da entrevista, parabéns Thauany Cattan.

  6. Omar Fernandes Aly
    Omar Fernandes Aly

    Excelente a entrevista . Estou lendo o livro dele e aprovo suas ideias. Vejam meus comentários acima no artigo A culpa não é do aquecimento global “

  7. Teresa Guzzo
    Teresa Guzzo

    Entrevista esclarecedora e real. Parabéns Oeste.

  8. Marta Cardoso
    Marta Cardoso

    Gostei muito da entrevista. Bem esclarecedora. Parabéns!

  9. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Quem não lembra do vulcão na Islândia que parou o transporte aéreo dos EUA Canadá Europa por alguns dias, tinha mais monóxido de carbono e outros gases tóxicos na atmosfera do que todas as queimas existentes no mundo, provocadas pelo homem, os próprios gases da atmosfera os dissiparam, você olhava pro céu da Islândia era o mesmo céu do semiárido nordestino

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