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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Haddad, ministro da Fazenda | Foto: José Cruz/Agência Brasil
Edição 221

A redescoberta da pólvora sobre Lula 3

O Brasil que decidiu dar certo não aceita mais o retrocesso do atual governo

Adalberto Piotto
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O resumo do terceiro mandato de Lula, prestes a completar o reles período de um ano e meio — teremos ainda dois anos e meio pela frente. Teremos? —, é de um governo questionado publicamente em sua frágil, insustentável e bagunçada política econômica. Não há bons planos. As parcas ideias que existem são ruins e baseadas apenas em sangrar ainda mais o setor produtivo para aumentar a arrecadação e contornar, mesmo assim precariamente, o déficit das contas do governo petista que explode diariamente os gastos públicos do país.

Não bastasse o descalabro fiscal exposto às vísceras pelo desespero governamental de usar medida provisória para aumentar impostos e mudar regras tributárias, o próprio presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, quase um líder informal do governo no Congresso tamanha a adesão e leniência com que trata as propostas do Executivo, deu um sinal de cansaço: devolveu a parte da MP que gerou uma revolta, de proporções ainda não vistas neste mandato, de empresários do setor produtivo, da Faria Lima e até de aliados que agora encorpam o grito da oposição e dos sensatos, antes tratados como oposição “bolsonarista” a ser combatida e calada pelas temerárias releituras constitucionais do Supremo Tribunal Federal.

Se a crise fiscal de Lula está empurrando o Brasil para o mesmo precipício da perda de controle governamental que nos levou à recessão lulo-dilmo-petista de 2015 e 2016, a maior da história do país, a decisão de Pacheco, que fora antecedida por constrangedores pedidos de explicação do presidente da Câmara, Arthur Lira, sobre a MP ao Ministério da Fazenda é um sinal de que o governo, sem base sólida no Congresso desde sempre, pode estar entrando num limbo político: um governo perdulário, com ideias atrasadas e fraco demais para liderar o país, mas ainda não o suficiente para um impeachment, que é pautado pelo clima político. E o clima, hoje muito instável, muda sem avisar. Enquanto isso, o país fica sob raios e trovoadas.

Mas nada é por acaso.

A MP da compensação do PIS/Cofins, que limitava e até impedia o uso de créditos tributários garantidos por lei às empresas, tem marcas de uma cartada impensada, desesperada — e, aparentemente, não negociada com ninguém — do atual ocupante do Ministério da Fazenda e arrecadador-geral da República. É o típico remendo haddadiano de política econômica para o buraco fiscal de Lula e seus pupilos — o inseguro ministro Fernando Haddad entre eles — que revela que o tecido governamental da atual gestão já estava esgarçado por um enorme apetite pelo poder e uma gigantesca inapetência em governar. Não tem como dar certo, a conta não fecha.

Fernando Haddad, ministro da Fazenda | Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

No artigo “Bagunça institucional, econômica e afins”, publicado semanas atrás aqui em Oeste, afirmei o óbvio: remendo não é sinal de competência, de planejamento, de previdência e de organização.

“Bagunça é quando a bateção de cabeça se espraia em tamanha intensidade que os atos desesperados para encontrar uma solução se sucedem numa velocidade e desordem lógica tão grande que a economia, a vítima da política bagunçada, continua a viver de remendos. E economia remendada só se justifica em tempos de guerra. Não estamos em guerra. Em tempos normais, remendos econômicos são atraso, incompetência.”

Mesmo sem guerra, a crescente destruição por Lula 3 do legado de avanço em gestão pública de seis anos e meio dos governos Temer e Bolsonaro ganhou ataques duros de entidades empresariais. A desorganização administrativa do atual ocupante do Planalto, baseada em ideias ruins do século passado, ameaça a conquista recente de retomada do país e da administração pública comprometida com responsabilidade fiscal, políticas pró-mercado com ambiente de crescimento sustentável e atração de investimentos, diminuindo o peso do Estado na livre-iniciativa.

A manifestação dura e pública do setor produtivo privado, que já se prolonga por duas semanas, não mira apenas a Medida Provisória nº 1.227/2024, que trata da compensação da desoneração da folha de salários, mas é contra o atual governo e sua insensata jornada. Chamada de “MP do Fim do Mundo” pela Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), foi seguida pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), que foi igualmente enfática. “Chegamos ao nosso limite”, declarou a CNI, deixando claro que não havia mais espaço para aumento de carga tributária e insegurança jurídica, e prometeu ir “às últimas consequências jurídicas e políticas para defender a indústria do Brasil”. O presidente da CNI, Ricardo Alban, que acompanhava o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, em visita à China, abandonou a comitiva e voltou ao Brasil. Pode ter parecido uma descortesia que tentou depois minimizar com uma postura de abertura ao debate. Não foi. Foi a alternativa que restou para defender o mínimo de lógica diante de um governo perdido e perdulário que tem asfixiado a economia produtiva do país com medidas unilaterais para aumentar a arrecadação sem nenhuma preocupação em reduzir seus gastos. Afronta foi a do governo federal em usar o recurso de uma medida provisória, que tem força de lei e aplicação imediata, para aumentar impostos e mudar regras tributárias sem respeito à noventena prevista na Constituição, o que levou a Associação Brasileira de Frigoríficos a chamar a MP de “inconstitucional”. O Instituto Brasileiro do Petróleo chegou a prever aumentos dos combustíveis; e o Instituto Brasileiro de Mineração, a perda de empregos.

A gritaria setorial foi sucedida por um discurso ainda mais duro do empresário Rubens Ometto, do grupo Cosan, em evento promovido pelo grupo Esfera Brasil, no Guarujá.

O empresário Rubens Ometto, presidente da Cosan
O empresário Rubens Ometto, presidente da Cosan | Foto: Divulgação/Esfera Brasil

Mesmo diante de representantes do governo e de Aloizio Mercadante, da velha e estridente velha guarda petista e presidente do BNDES, Ometto foi enfático: “O Poder Executivo, através da Receita Federal, da Controladoria-Geral da União [CGU], da Fazenda, está mordendo pelas bordas. Eles estão mudando as normas. Vão mudando as regulamentações para arrecadar mais. Sai a lei de um jeito, depois eles soltam normas para te morder, para te autuar”. E foi além em críticas ao arcabouço fiscal, à mudança da composição do Carf, em que o governo agora detém o voto de minerva, à MP do PIS/Cofins (praticamente um confisco), e ao avanço do crime organizado sobre postos de combustíveis, onde a Cosan também atua.

Historicamente, Lula e o PT têm sido contra tudo o que fez o Brasil avançar

A indignação de Rubens Ometto, dos progressistas do mercado financeiro — que andaram a dizer estarem com medo e arrependidos em terem apoiado Lula em 2022 —, além de muita gente também da Academia, que dá sinais de estar se recuperando da cegueira autoprovocada, é compreensível e justa. Mesmo com alguns números macroeconômicos a darem certo fôlego ao atual governo, o DNA perdulário e de inoperância do atual governo é uma ameaça constante ao país.

Daí que um singelo questionamento se faz necessário diante da justa revolta atual: a que parte da história de Lula e do PT essa gente fez vistas grossas para ter acreditado em Lula 3?

Historicamente, Lula e o PT têm sido contra tudo o que fez o Brasil avançar: não assinaram a Constituição de 1988, foram contra o Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal, metas de superávit fiscal, a regra do Teto de Gastos, privatizações, reformas constitucionais, a nova Lei das Estatais, a autonomia do Banco Central e, mais recentemente, só fazem aumentar o barulho contra o competente, tecnológico e lucrativo agronegócio brasileiro, que tem garantido os superávits da balança comercial do país. Seria o Lula 1 a resposta? É questionável. Entre 2003 e 2006, o que funcionou na economia em dar segurança aos investidores e acalmar o país foi herdado de Fernando Henrique e implementado por Antonio Palocci, defenestrado pelo PT. Na política, criou o Mensalão. O segundo mandato, talvez? Tire a China da equação e não teríamos os benefícios do boom das commodities, mas ficamos com o inchaço do Estado que atropelou Dilma, já atropelada por ineficiência própria e pelo Petrolão. Durante a campanha de 2022, não apresentou um plano de governo factível, e o discurso da vitória, na Paulista, no pior estilo revanchista e amargo, já fazia antever o Lula que realmente voltava ao poder na eleição mais estranha e questionada desde a redemocratização.

Se a pólvora não foi inventada agora, como sabemos, no que então acreditaram essas pessoas que hoje se mostram revoltadas? A resposta a essa pergunta talvez nunca seja conhecida, mas o Brasil que decidiu dar certo não aceita mais o retrocesso do atual governo. E é positivo que, mesmo com certo atraso, mais brasileiros tenham se juntado à sensatez de não negar os fatos.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em primeiro plano, vestindo um roupão laranja. Trata-se do uniforme da Petrobras. Na imagem, Lula aparece com barba grande e branca. Ele mostra a palma das duas mãos, pretas por causa do óleo da Petrobras
Lula e a Petrobras | Foto: Divulgação/Agência Brasil

Leia também “PIB positivo, mas sustentável?”

11 comentários
  1. Valesca Frois Nassif
    Valesca Frois Nassif

    Difícil acreditar em arrependimento real! Certamente não era o bem do país o que eles buscavam, e sim o deles proprios! Se sentiram tungados!

  2. ELIAS
    ELIAS

    Sem ser especialista/analista sempre me fiz essa mesma pergunta. O que leva um empresário que não viva de benesses governamentais como certos grupos “campeões nacionais”, a apoiar um governo e um partido que tem em seu DNA o código de destruição da economia, da perseguição ao setor produtivo e da construção diária da insegurança jurídica.

  3. Herbert Gomes Barca
    Herbert Gomes Barca

    excelente análise Adalberto Piotto !

    só não dá pra acreditar que esses empresários, tão inteligentes e prósperos acreditavam mesmo no bandido de 9 dedos !!
    nas eleições estava evidente o que ia acontecer, o próprio energúmeno ladrão de 9 dedos já falava na época !! nisso ele não mentiu, acho que só nisso não mentiu, do resto é uma podridão total esse desgoverno petista aliado ao
    consócio STF e Globo lixo

    o povo brasileiro pagará caro por essa aventura desse marginal

  4. Luiz Pedro Zani
    Luiz Pedro Zani

    Pessoal
    Vamos pedir p auditar aquela “garrafinha verde q o Lula n larga?”
    Q líquido será q tem ali. Acho q água ele n toma faz
    Tempo.

  5. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Banqueiros, industriais e a turma da Faria Lima que apoiaram Lula em 2022 não estavam preocupados com país.
    Seus interesses eram a busca de oportunidades e os conchavos que sempre acompanharam o PT.
    O “arrependimento” atual são lágrimas de crocodilo.

  6. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    Eles estão colhendo o que plantaram.

  7. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Não acredito em arrependimento de quem apoiou esta quadrilha em 2022. Sabiam muito bem o que estava por vir. O interesse é outro, e talvez não correspondido, por isso o “arrependimento”.

    1. Adalberto Piotto
      Adalberto Piotto

      Candido, boa tarde!
      Pra tudo há limites. O fato positivo de tudo, além da mudança de opinião aparente deles, explicitada publicamente, é que os brasileiros do dia a dia têm sentimento de pertencimento a este país muito mais apurado que os donos do PIB. Melhor que estes tenham se juntado ao Brasil real que não abre mão de dar certo e, por isso, não aceita mais retrocessos.
      Abraços!
      Piotto

  8. Antonio Carlos Ramos Batista
    Antonio Carlos Ramos Batista

    Falta de aviso não foi, estes empresários que hj estão protestando foram os mesmos que engrossaram o coro para que o Brasil fosse entregue nas mãos desta organização criminosa, formada pelos mais brilhantes, corruptos e incompetentes políticos de todas as partes do nosso sofrido pais, comandado e dominado por uma casta cega, mergulhamos hj em um pesadelo político-economico, um verdadeiro hospício. O Brasil tem que parar, o povo tem que parar, até asfixiar todo este sistema carcomido., limpar a casa, e restabelecer a justica. Sem justiça no puro sentido da palavra não iremos a lugar algum , somente às profundezas do pantano.
    Bolsonaro avisou, previu tudo em um apelo emocionado, talvez tenha sido otimista demais, é sim possível quebrar o Brasil. Estamos assistindo está tragédia!

    1. Adalberto Piotto
      Adalberto Piotto

      Caro Antonio Carlos
      Obrigado pela sua mensagem em resposta ao artigo. É extremamente preocupante que, diante de tantas evidências, tenham dobrado – ou triplicado – a aposta. Ignoraram a história? Atropelaram os fatos? Não tem como dar certo. Vamos insistir!

  9. Claudio Sehnem
    Claudio Sehnem

    É simples! Esse pessoal não “acreditou”….. sempre souberam que o Petista é isso que estão vendo…. mas é que são corruptos……. esperam que num governo petista/progressista eles fiquem por cima…. e podem acreditar…… votariam no petismo novamente…… são corruptos…..

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