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Filipe Martins, ex-assessor de Jair Bolsonaro | Foto: Reprodução/Redes Sociais
Edição 221

Um inocente no cárcere

Mesmo com provas robustas de que Filipe Martins não viajou a Orlando com Bolsonaro, a prisão do ex-assessor completa quatro meses, repleta de abusos do STF

Cristyan Costa
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Em 8 de fevereiro deste ano, a Polícia Federal (PF) bateu às 6 da manhã na porta da casa da mulher de Filipe Martins, em Ponta Grossa (PR), para levar para a cadeia o ex-assessor para Assuntos Internacionais da Presidência. O “crime”: ter viajado a Orlando, nos Estados Unidos (EUA), em 30 de dezembro de 2022, com uma comitiva liderada pelo então presidente Jair Bolsonaro. O ato seria uma das etapas da tentativa de “ruptura institucional” que Bolsonaro queria provocar, depois da vitória de Lula, de acordo com a delação do tenente-coronel Mauro Cid. Segundo a PF, Martins é integrante do “núcleo jurídico” de Bolsonaro e auxiliaria o ex-presidente com “minutas de decreto” para determinar estado de sítio e mudar o resultado das eleições.

As acusações absurdas se somam às ilegalidades que ocorreram na prisão de Martins logo no primeiro dia. Isso porque não há denúncia e inquérito formais contra o ex-assessor. Além disso, a audiência de custódia aconteceu quase 48 horas depois da prisão, quando o prazo legal para essa etapa, segundo o ordenamento jurídico, é de até 24 horas. E, mesmo que tivesse viajado aos EUA, Martins não estava impedido de ir a nenhum lugar. “Filipe Martins é livre para ir, vir e permanecer em qualquer lugar [como, de fato, permaneceu], garante a Constituição aos cidadãos brasileiros”, constatou a defesa em um recurso à Justiça.

Abuso de autoridade

O arbítrio continuou ocorrendo, embora Oeste tenha revelado uma semana depois da prisão que Martins não embarcou para os Estados Unidos na data que consta no mandado de prisão, tampouco viajou àquele país na ocasião. Bilhetes de passagens aéreas da Latam Airlines mostraram que o ex-assessor foi a Curitiba (PR) no dia seguinte à ida de Bolsonaro para o exterior. Martins tinha também tickets de bagagens e fotos tiradas na residência da mulher dele, no interior do Estado. Mesmo com essas primeiras evidências apresentadas em um processo, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), manteve Martins preso e, ao rejeitar o pedido da defesa, classificou a própria decisão como “bem razoável”.

Passagem aérea que mostra a ida de Martins de Brasília para Curitiba em 31 de dezembro de 2022 | Foto: Reprodução

Nesse ínterim, o magistrado transferiu Martins da carceragem da Superintendência da PF em Curitiba para uma cela no Complexo Médico Penal, em Pinhais (PR), que ficou conhecido como “presídio da Lava Jato”. Os advogados e familiares não receberam informações a respeito dessa mudança antes que ela ocorresse. Na nova prisão, o ex-assessor da Presidência passou 72 horas isolado em uma “ala de triagem”. Insalubre, o espaço é claustrofóbico e sem luz. Quem é encaminhado a esse setor não tem direito a visitas de parentes ou amigos, tampouco a receber quaisquer objetos.

“Como levam um investigado sem prova de crime e sem flagrante para um local de criminosos condenados, sem nem informar à defesa para que possa saber onde seu cliente está?”, interpelou à época o advogado Ricardo Scheiffer, que cuida do caso de Martins ao lado do ex-desembargador Sebastião Coelho, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e de Territórios. Martins só mudou de cela porque funcionários do local avisaram a defesa, que acionou o Deppen. O que parecia um alívio tornou-se mais um capítulo do pesadelo, pois o ex-assessor teve de ficar com presos comuns, mesmo tendo tido status de ministro de Estado, por cuidar de assuntos internacionais do nosso país.

Como as primeiras provas não foram suficientes para Moraes, a defesa juntou uma série de outras evidências solicitadas pelo juiz do STF, como uma declaração do porteiro do prédio do sogro de Martins, extratos de cartão de crédito e registros de ligações feitas pelo celular. Os advogados também obtiveram comprovantes da Uber, os quais mostraram que Martins estava no Brasil entre 30 e 31 de dezembro de 2022. Portanto, não seria possível o ex-assessor ter viajado com a comitiva de Bolsonaro. De acordo com as novas provas levadas ao STF, Martins compareceu a uma hamburgueria no centro de Brasília, em 30 de dezembro. No dia seguinte, dirigiu-se ao aeroporto da capital federal para viajar a Curitiba. Ao chegar àquela cidade, também usou o serviço de motoristas por aplicativo para se locomover em endereços da capital paranaense.

Comprovante da Uber confirma que Filipe Martins esteve em Brasília, em vez de ter viajado aos EUA | Foto: Reprodução
Comprovante da Uber confirma que Filipe Martins esteve em Brasília, em vez de ter viajado aos EUA | Foto: Reprodução
Comprovante da TIM mostra que Martins usou o celular no Estado do Paraná na data da suposta viagem a Orlando | Foto: Reprodução

Com novos elementos, os advogados voltaram a acionar Moraes, e a resposta foi a mesma ao rejeitar o pedido: solicitação de mais provas. Enquanto a defesa se preparava mais uma vez para tentar garantir os direitos básicos do seu cliente, Moraes acionou o governo dos EUA, de ofício, em 1º de abril, via Itamaraty. Os norte-americanos, porém, informaram que Moraes teria de seguir os trâmites legais, através do Ministério da Justiça. Por isso, em 28 de maio, a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), o ministro Ricardo Lewandowski recebeu uma intimação do Supremo para solicitar dados às autoridades estrangeiras.

Nesta quarta-feira, 12, antes mesmo de o requerimento de Moraes ser apreciado, o Departamento de Segurança Interna dos EUA pôs um ponto final na questão envolvendo a viagem ao informar que a ida mais recente de Martins àquele país ocorreu em 18 de setembro de 2022, com destino a Nova York, onde cumpriu compromissos na Organização das Nações Unidas. Portanto, é impossível que o ex-assessor da Presidência tenha acompanhado Bolsonaro em 30 de dezembro como parte do suposto golpe.

Documento do governo dos EUA afirma que Filipe Martins não viajou a Orlando na data dita por Moraes | Foto: Reprodução
Processo kafkiano

O advogado Ricardo Scheiffer resumiu o processo kafkiano de Martins como “uma grave inversão do ônus da prova”, cujo resultado é uma prisão prolongada e injusta que já dura quatro meses. “A acusação, até o momento, não conseguiu apresentar provas concretas e válidas que justifiquem a detenção de nosso cliente”, observou Scheiffer. “Já Filipe, mesmo que não possuísse nenhuma restrição de viajar à época dos fatos, já forneceu documentos contundentes que comprovam o contrário do afirmado.” De acordo com Scheiffer, a defesa já apresentou dez pedidos de soltura, dos quais Moraes rejeitou apenas dois. As ações restantes tiveram seguimento, mas apenas no sentido de obter mais provas sobre a presença de Martins em Orlando.

O caso kafkiano de Martins se soma ao de outros presos políticos que estão em situação semelhante, entre eles os envolvidos na manifestação do 8 de janeiro, Daniel Silveira, Silvinei Vasques e Roberto Jefferson

Vera Chemim, advogada constitucionalista e mestre em Direito Público pela FGV, acrescenta que a prisão preventiva de Martins é baseada exclusivamente no acordo de colaboração premiada de Mauro Cid. Pela ausência de provas da colaboração do militar, não seria permitida a aplicação da medida cautelar. “Não restam dúvidas sobre a ilegalidade da aplicação da prisão cautelar, sobretudo porque Martins já apresentou exaustivamente provas de sua inocência, e o ônus da prova cabe, do ponto de vista legal, ao órgão acusador, e não ao acusado”, constatou Vera. Além de também ver abuso de autoridade ao citar o artigo 9º do parágrafo 1º da Lei nº 13.869/2019, a jurista observou que uma prisão ilegal como a de Martins pode configurar uma conduta equiparada ao crime de tortura, previsto na Lei nº 9.455/1997.

Com a 11ª ação, a defesa espera que o ex-assessor da Presidência possa, enfim, ser libertado e voltar a ter a vida que levava antes de ser detido pela PF. O caso kafkiano de Martins se soma ao de outros presos políticos que estão em situação semelhante, entre eles os envolvidos na manifestação do 8 de janeiro, Daniel Silveira, Silvinei Vasques e Roberto Jefferson, todos sob a toga de Moraes. Em companhia desse grupo de inocentes enjaulados pelo ministro, Martins aguarda agonizando no cárcere, há mais de 120 dias, a incerta chegada da justiça.

Leia também “Um policial esquecido na cadeia”

18 comentários
  1. Paulo César da Conceição
    Paulo César da Conceição

    Moraes tudo o que vc plantou, muito em breve vc irá colher. Quem semeia vento colhe tempestade.

  2. Eric Vinícius Marion Pimenta
    Eric Vinícius Marion Pimenta

    Sinceramente não entendo neste país, se os juristas sabem que é ilícito a prisão, porque mantém preso? Por causa de uma pessoa? O povo brasileiro é realmente um povo do “deixa disso”… Sinto me triste e revoltado

  3. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Paul Joseph Goebbels o poderoso Ministro da Propaganda Nazista conseguiu o controle absoluto da imprensa, arte e informação na Alemanha durante a Segunda Grande Guerra – 1939-1945.
    Goebbels e a sua mulher suicidaram-se, depois de terem matado os seus seis filhos com cianeto.
    No Brasil, o Imperador Alexandrus I, o Calvo, Supremo Comandante da Justiça, não está longe das mesmas atrocidades cometidas por Goebbels.

  4. Antonio Saggese Netto
    Antonio Saggese Netto

    Inacreditável a arrogância desse ministro do supremo. Um juiz de verdade, jamais faria isso.

  5. Julio José Pinto Eira Velha
    Julio José Pinto Eira Velha

    Ele será libertado, porem com medidas cautelares, inclusive com uso de tornozeleira eletrônica.

  6. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Isso não era coisa da ditadura militar, ou melhor a ditadura militar foi tão torturadora assim?
    Aos 78 anos lembro que jornalistas, escritores, e outras celebridades por ideologia foram censurados e presos como hoje esta ocorrendo. Mais, terroristas foram presos e todos anistiados recebem indenizações milionários que nós pagamos. Li relatos de JAGUAR ex PASQUIM que foram presos mas nunca torturados, e de um famoso jornalista e escritor já falecido que afirmou que foi preso para investigações e foi viver 1 ano em Cuba, para receber vultosa indenização em 2005 retroativa, e valores mensais que entre 2014 e 2016 superaram o salário de ministros do STF.
    Vale lembrar que podíamos caminhar sem medo de ter opinião em plena GUERRA FRIA. Logicamente, não éramos terroristas e não fazíamos atentados.

  7. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    O que não pode ocorrer é, ao sair da prisão, simplesmente todos esquecerem e seguir a vida. Mas sim Alexandre de Moraes e todos seus comparsas devem ser punidos com rigor.

  8. Darwin Cristino
    Darwin Cristino

    Antigamente todos eram inocentes ate que se prove o contrario, agora tem que se provar que é inocente mesmo nao tendo nenhuma prova ou evidencia do contrario, a justiça no Brasil virou uma piada de mal gosto

  9. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    Surreal.

  10. Victor Freitas Belo
    Victor Freitas Belo

    A história do Filipe me faz lembrar o meu romance favorito, escrito nos anos quarenta do século XIX, O conde de Monte Cristo que retrata a priãao política de Edmond Dantas durante o reinado de Luís XVI sendo acusado de ser um Bonapartista e colaborador da fuga de Napoleão de Elba, o rapaz havia sido vítima de uma delação falsa de seus “amigos” Danglard e Morcege teve que buscar justiça, às vezes descrita como vingança após doze anos de cárcere. Como no romance a justiça virá ainda na terra, pois, o presente é dele, o futuro será nosso. Desejo que a paz de Cristo esteja firme com você Filipe, o seu caráter, firmeza e valor nunca será esquecido, ao contrário do militar traíra do Cid você foi íntegro e pagou o preço, preferindo ser um injustiçado a cometer uma injustiça.

  11. Victor Freitas Belo
    Victor Freitas Belo

    A história do Filipe me faz lembrar o meu romance favorito, escrito nos anos quarenta do século XIX, O conde de Monte Cristo que retrata a priãao política de Edmond Dantas durante o reinado de Luís XVI sendo acusado de ser um Bonapartista e colaborador da fuga de Napoleão de Elba, o rapaz havia sido vítima de uma delação falsa de seus “amigos” Danglard e Morcege teve que buscar justiça, às vezes descrita como vingança após doze anos de cárcere. Como no romance a justiça virá ainda na terra, pois, o presente é dele, o futuro será nosso. Desejo que a paz de Cristo esteja firme com você Filipe, o seu caráter, firmeza e valor nunca será esquecido, ao contrário do militar traíra do Cid você foi íntegro e pagou o preço, preferindo ser um injustiçado a cometer uma injustiça.

  12. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Ditadura de ladrão

  13. Luzia Helena Lacerda Nunes Da Silva
    Luzia Helena Lacerda Nunes Da Silva

    Continue assim, competente, combativo, incansável nesse jornalismo honesto e imprescindível que escolheu como profissão.

  14. Regina Maria Falcão Rangel Vila
    Regina Maria Falcão Rangel Vila

    A isso chamam de defesa da democracia ?

  15. REGINALDO MARCOS DA SILVA SANTOS
    REGINALDO MARCOS DA SILVA SANTOS

    Nós estamos calados, seguindo nossas vidas. Esse país já era para ter parado, até esses absurdos pararem e os culpados serem punidos, na forma da lei.

  16. Paulo
    Paulo

    O ministro não age sozinho, age com o apoio diligente de todos os servidores públicos brasileiros, juízes, promotores, policiais federais, militares. Aliás, estes últimos mostraram bem quem são, ao ter um de seus membros mais destacados, feito a delação premiada usada contra o colega.

  17. Elias José de Souza
    Elias José de Souza

    Parabéns Cristyan pelo belo artigo, esses presos políticos não podem cair no esquecimento, essas pessoas foram sequestradas pelo Ministro Moraes, essa é minha opinião.

  18. Teresa Guzzo
    Teresa Guzzo

    Para o STF as inúmeras provas mostradas nunca foram suficientes e nunca serão. Queria prender e simplesmente prendeu,mesmo que estivesse tomando apenas água de coco na esquina. As perseguições pessoais fazem parte desse governo .

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