Em 2016, uma investigação do Ministério Público de São Paulo e da Polícia Civil prendeu a cúpula da maior facção criminosa do país, o Primeiro Comando da Capital (PCC). Os promotores usaram um acordo de colaboração premiada de um preso chamado Orlando Mota Júnior, o Macarrão, firmado anos antes, para fechar o cerco contra advogados — integrantes de um grupo conhecido no mundo do crime como “Sintonia dos Gravatas” — no organograma do PCC. Nessa mesma época, o Brasil descobria por meio de confissões o maior esquema de corrupção já organizado na República, formado por um cartel de grandes empreiteiras e políticos, batizado de Petrolão. As delações homologadas pela Justiça levaram centenas de pessoas para a cadeia.
Quase uma década depois, um grupo de parlamentares de diferentes partidos e espectros políticos resolveu se juntar para tentar acabar com esse instrumento de investigação — copiado nos moldes de países como Estados Unidos, Japão, Itália e Inglaterra. O caminho proposto é desengavetar um projeto de lei do ex-deputado Wadih Damous, do PT do Rio de Janeiro. Hoje, ele é secretário dos Direitos do Consumidor do Ministério da Justiça, nomeado pelo ex-ministro e seu amigo Flávio Dino, transferido pelo consórcio de governo para o Supremo Tribunal Federal (STF).
O texto de Damous foi apresentado em 2016 para tentar frear a Lava Jato. Mas foi deixado de lado porque a operação anticorrupção tinha amplo respaldo da sociedade, e o país vivia os dias do impeachment de Dilma Rousseff. A ideia de retomá-lo agora remete justamente ao período de revisionismo histórico que o país vive, com as sucessivas decisões do Supremo para apagar a trilha do combate aos crimes de colarinho branco da era petista.
A redação final ainda não foi concluída, mas há pelo menos sete versões. O principal entrave é a extensão da borracha que será passada na história. Por exemplo: não se sabe se as delações seriam extintas de forma retroativa, o que anularia toda a Lava Jato e dezenas de outras operações em décadas passadas, ou se a nova regra valeria somente para o futuro. Mais: quem terá direito a assinar esse tipo de colaboração? Réus, indiciados ou presos provisórios — cautelares — ou em liberdade?
Como Damous está fora do Congresso, quem encabeça a proposta agora é o deputado alagoano Luciano Amaral, do PV, partido que integra a “federação” — antiga coligação — do PT. Ele faz parte da base do governo Lula, mas o pedido de urgência para que o assunto seja votado em breve no plenário foi aprovado em menos de dez minutos, com o aval da oposição. A votação foi simbólica — quando não há registro de votos. Isso significa que, na prática, o plenário pode apreciar o mérito da proposta a qualquer momento, basta que seja pautada pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).
O projeto é tratado nos bastidores como uma agenda “sem dono”, que atende a políticos de muitos partidos, independentemente do alinhamento com Lula ou Jair Bolsonaro. Ou seja, poderia beneficiar não só quem detém mandato, mas também aliados políticos que já foram citados em delações. Atualmente, um caso que ganhou repercussão foi o do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, cujo verdadeiro teor da delação — remendada cinco vezes — é um mistério.
A avaliação dos deputados interessados é que o texto original de Damous tem alguns trechos problemáticos e precisa ser reescrito. Por exemplo: torna crime a divulgação do conteúdo dos depoimentos colhidos na delação premiada, pendentes ou não de homologação judicial — algo que ocorre corriqueiramente, inclusive com vazamentos do próprio Judiciário para jornalistas. A pena de reclusão seria entre um e quatro anos, além de multa. Mais um ponto: prevê que “nenhuma denúncia poderá ter como fundamento apenas as declarações de agente colaborador” e que as “menções aos nomes das pessoas que não são parte ou investigadas na persecução penal deverão ser protegidas” — outra coisa que ocorre com frequência em manchetes na linha “fulano foi citado em delação tal”.
Retrocesso no combate à corrupção
Para especialistas ouvidos por Oeste, principalmente em casos de crimes de “colarinho branco”, o país pode retroceder algumas casas no combate à corrupção. Se aprovado, o PL das Delações não vai beneficiar apenas criminosos do universo político, mas as cúpulas de grandes organizações criminosas, como o PCC. A facção hoje detém uma estrutura de máfia internacional, com negócios que vão desde o narcotráfico e o contrabando de armas até a lavagem de dinheiro por meio de postos de gasolina.
“Com base em delações, conseguimos saber de fatos que teriam sido impossíveis de descobrir sem elas”, afirma Rubens Beçak, doutor em Direito e professor da Universidade de São Paulo (USP). “Por exemplo, o que aconteceu na condenação do ex-ministro da Fazenda, Antonio Palocci.” Preso, Palocci revelou detalhes do pagamento de propina para o PT — depois abandonou o partido e a vida política.
A delação de Palocci era considerada uma das mais bombásticas da Lava Jato, mas também foi anulada nos tribunais, puxando a fila do que hoje o ministro Dias Toffoli faz semanalmente.
“Com essa série de anulações de delações, inclusive com implicações tremendas, como devolução de dinheiro que tinha sido pago por réus confessos, como Marcelo Odebrecht, há risco de a União ter de indenizar quem confessou com juros e correção monetária”, diz Beçak. No caso de Odebrecht, a delação não chegou a ser anulada, mas o ministro apagou tudo o que pesava contra ele.
Mesmo que a proposta não acabe com todas as modalidades de delações premiadas, vai dificultar a homologação do instrumento, segundo André Perecmanis, professor de Direito Penal da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC). “Muitos dos réus delatam por que estão presos”, observa. “Em liberdade, eles não se sentem pressionados para delatar. Mudando a lei, possivelmente teremos menos delações.”
Para Perecmanis, é possível aperfeiçoar a legislação, porque ninguém pode ser preso para forçar a delação. “O grande problema é que o Poder Judiciário, na hora de interpretar e aplicar a lei, acaba se desviando da intenção e da finalidade dela”, explica. “O aprimoramento que deve ser feito não está necessariamente na lei, mas na sua aplicação pelo Poder Judiciário.”
Ex-juiz da Lava Jato, o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) afirma que o Brasil seguiu o modelo de delações premiadas que vigorava no exterior. “Na Lava Jato, que fez um largo uso das colaborações premiadas e colheu provas importantes de casos graves de corrupção, o primeiro empreiteiro que fez colaboração premiada foi Ricardo Pessoa, dono da UTC Engenharia”, conta. “Ele fez em liberdade, sem ser submetido a qualquer restrição.”
Pessoa foi o único dono de empreiteira que voltou a trabalhar na época da Lava Jato. Chegou a visitar filiais da empresa pelo país depois de se comprometer com um termo de compliance (procedimentos para manter a empresa na linha). Ele foi um dos primeiros a assinar o acordo de delação, porque era tratado como uma espécie de líder do cartel — entregava aos diretores da Petrobras a planilha com as obras preferidas de cada empreiteira.
Segundo Moro, o PL das Delações é inconstitucional. Além de um meio para obter provas, a homologação é um instrumento de defesa do colaborador. “É como se a lei estivesse impedindo de confessar, pois a confissão traz um benefício de atenuante.”
O juiz Marcelo Bretas, que examinou processos da Lava Jato no Rio de Janeiro, tem a mesma opinião. Ele segue afastado pelo Conselho Nacional de Justiça da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro pela atuação na operação.
Segundo Bretas, o projeto “restringe o direito à ampla defesa do investigado ou acusado preso, em relação a outros que respondem a procedimento criminal em liberdade”. O juiz aposta que, se passar, haverá brecha para anular todas as antigas confissões. “Quem tem a mínima experiência na área jurídica e conhece bem os criativos argumentos ‘garantistas’, remunerados a peso de ouro, sabe que, provavelmente, a inovação tenderá a ser aplicada indistintamente a todos os casos, mesmo os anteriores à nova lei”, diz.
Em resumo: “O projeto em questão não é, necessariamente, uma resposta ao trabalho da Operação Lava Jato. É, sem dúvida, para criar dificuldades ao combate à corrupção no Brasil”. Marcelo Bretas tem razão.
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Vergonhoso! Os vagabundos e corruptos que estão nas duas casas, câmara e senado, querem se proteger. Concordo com o comentário do Donizete, “O maior cartel sem dúvida é o de Brasília”.
Como respeitar minimamente um país cuja corte suprema atua abertamente para beneficiar criminosos em detrimento dos cidadãos honestos e facilitando a prática da corrupção ?
O maior cartel sem dúvida é o de Brasília.
O sistema se movimenta para que nada aconteça aos barões do crime, inclusive políticos e jurídicos.
É o Brasil na vala do esgoto social.
É a tática dos corruptos de Brasília, um segurando a mão do outro.
Pobre Brasil…
Os nossos políticos não respeitam seus eleitores.
Essa burocracia todinha, é uma sordidez, o único objetivo é a impunidade. O lugar de ladrão é na cadeia, pode ser de colarinho branco, colarinho preto, vermelho, laranja, marrom, cinzento, azul, amarelo, verde, incolor, sem colarinho…. O STF é do colarinho preto é o pior colarinho