Ao longo do governo Jair Bolsonaro, ao menos uma manchete por dia da imprensa tradicional acusava um crime silencioso em curso no Congresso Nacional: o orçamento secreto. O Palácio do Planalto teria entrado no jogo de deputados e senadores e trocado votos pelas chamadas emendas — mas tudo feito sem muita transparência. Nesta semana, a gestão Lula da Silva vai entregar R$ 30 bilhões aos parlamentares, uma cifra sem precedentes para um semestre. O orçamento, contudo, não é mais tratado como secreto, e agora entram também as ágeis e modernas “emendas Pix”.
O desembolso foi acelerado porque a Lei Eleitoral proíbe a liberação de recursos três meses antes do primeiro turno — ou seja, neste sábado, dia 6. O governo entendeu a pressa dos congressistas em destravar verbas para os prefeitos aliados e apresentou uma lista de pautas econômicas — que Lula também tem pressa — para votar no Legislativo. As principais são as dívidas dos Estados com a União, a desoneração da folha de pagamentos, a reforma tributária e a regulamentação dos cassinos.
Os R$ 30 bilhões representam 60% do bolo reservado para as emendas (R$ 50 bilhões), que nunca fecham o ano completamente quitadas — por isso existem os chamados restos a pagar.
Antes de entrar no xadrez político, é preciso entender o misterioso universo das emendas parlamentares, um jargão que só funciona quando usado nos corredores de Brasília. O primeiro passo é traduzi-lo para “dinheiro dos pagadores de impostos entregue anualmente para o manejo político de deputados e senadores”. Como esses recursos são usados? Para obras nos municípios onde eles tiveram votos e são aliados dos prefeitos. Que tipo de obras? Aquelas que têm visibilidade, logo, apelo eleitoral, porque podem ser anunciadas em placas, como asfalto novo, ampliação de praças, quadras esportivas, equipamentos ou ambulâncias para hospitais etc.
Essas emendas são distribuídas na peça orçamentária, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente. O bolo é fatiado assim: emendas individuais, das bancadas estaduais (feitas em conjunto) e das comissões temáticas (saúde, educação, segurança, entre outras). Outra modalidade, tratada no passado como escândalo pela velha mídia, eram as emendas selecionadas pela caneta do relator do Orçamento até 2022, o tal “orçamento secreto”.
Resta ainda uma parte dos recursos que não pode ser modificada de jeito nenhum, como as obrigações para a área da saúde e ações emergenciais em caso de calamidades nos Estados.
Oeste tratou do assunto na edição 125, em agosto de 2022, pouco antes da corrida eleitoral. A reportagem narra a tentativa das redações em fabricar um crime tão sofisticado que nem elas conseguiam explicar. À época, o próprio presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que tem uma planilha com tudo o que acontece nos gabinetes da Casa há anos — não à toa foi eleito com 464 dos 513 votos possíveis —, disse que a adjetivação “secreto” era descabida porque a distribuição de emendas acontece desde 1988.
Nesse caso, Lira tem razão. Para quem acompanha o noticiário político, a manchete “Governo libera verbas de emendas para votar tal projeto” segue lá há décadas. A única mudança talvez seja que a liberação “para os partidos aliados” deu lugar a “partidos do centrão”, nome dado à massa majoritária da Câmara que tem vida própria e independe do PT.
O centrão ganhou identidade em 2005 numa madrugada de fevereiro que elegeu o folclórico Severino Cavalcanti, pernambucano do PP, para a presidência da Câmara. À época, a oposição aproveitou um racha na bancada do PT, que tinha dois candidatos, e apoiou uma massa de parlamentares desconhecidos da grande mídia, o tal “baixo clero”. Depois desse grito de independência, a adesão automática ao PT nunca mais foi a mesma, e o centrão passou a ter seus próprios líderes, como Eduardo Cunha (RJ) e Arthur Lira.
Mas o que dizer sobre a falta de transparência depois que a emenda chega ao caixa das prefeituras? Isso é resultado da escolha da engrenagem de transferência dos recursos, que neste ano teve aval inclusive de Lula. Resumindo: para tornar a entrega do dinheiro mais descomplicada, criou-se a chamada “emenda Pix”. O deputado indica diretamente a conta bancária do município para o depósito — daí a escolha do apelido “Pix”. Na prática, elimina-se toda a burocracia cartorial dos ministérios, a necessidade de comprovar que se trata de política pública urgente, e o pagamento não ocorre a conta-gotas ao longo de anos.
A partir desse ponto, o problema do mau uso do dinheiro é com as áreas de fiscalização, a cargo das dezenas de tribunais de contas espalhados pelo país, da Controladoria-Geral da União (CGU), do Ministério Público e da Polícia Federal — permanentemente ocupada em caçar produtores de fake news.
Um dado não pode ser desprezado: se acontecer o desvio de verbas públicas com as digitais de congressistas, é dever do Tribunal de Contas da União (TCU) apontá-lo e da Polícia Federal agir. Foi assim com a Máfia dos Sanguessugas, que roubou dinheiro de ambulâncias em 2006, e com os Anões do Orçamento — os deputados acusados tinham baixa estatura —, na década de 1990, durante o governo Fernando Collor de Mello. Nos dois episódios, a roubalheira foi tão escancarada que a descoberta não exigiu muito esforço dos órgãos de fiscalização. No primeiro caso, as ambulâncias simplesmente nunca chegaram à população. No segundo, um deputado justificou o enriquecimento à sorte grande: ganhou dezenas de vezes na loteria. A maioria dos parlamentares flagrados foi presa e alguns tiveram mandatos cassados ou renunciaram.
Hoje, as ferramentas de controle do próprio Legislativo funcionam melhor, e o acesso às tabelas é público pela internet. Isso explica por que ninguém nunca entendeu o orçamento secreto criado pelos jornais — porque ele jamais existiu. Os recursos são legais. O que sempre ocorreu foi lobby político — quem barganha melhor leva mais, o que faz parte do jogo desde sempre. E a corrupção, quando descoberta, ocorre na ponta: no caixa dos municípios.
“A balcanização do orçamento, que deixa de atender a critérios objetivos de distribuição, leva à desestruturação de serviços e políticas públicas essenciais, cujo planejamento fica inviabilizado.”
(Voto da ex-ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal)
A insistência da imprensa, que tentou cunhar termos como “Bolsolão”, teve o empenho dos partidos de esquerda. As siglas, com o senador Randolfe Rodrigues (AP) à frente, acionaram o Supremo Tribunal Federal (STF). A então ministra Rosa Weber suspendeu os pagamentos, disse que havia uma “balcanização” do orçamento, só destravado pela Corte com interferência nas regras do Legislativo — embora não se tratasse de matéria constitucional, exigiu ajustes nas normas. O tema foi usado pelo PT na campanha eleitoral para atacar Bolsonaro.
Desde o ano passado, nunca mais Randolfe nem seus amigos foram vistos batendo à porta do Supremo por causa do Orçamento da União.
A conclusão é que o dilema das emendas parlamentares termina numa pergunta: se havia alguma imoralidade no pagamento dos recursos no governo Bolsonaro, por que o assunto desapareceu da maioria das redações da velha imprensa com Lula? A resposta o eleitor já sabe.
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Olá, parabéns pelo excelente trabalho que vocês têm desenvolvido em favor da liberdade e da verdade, sendo nossa voz, nossa opinião. Assinei Oeste por 6 meses, mas não estou conseguindo acessar o conteúdo. Poderiam me ajudar, por favor? Uma vez mais, obrigado. Samuel – [email protected]
Sr. Samuel, vamos solucionar essa questão hoje mesmo. Nossa equipe entrará em contato com você.
Muito obrigado por prestigiar e apoiar o trabalho da Revista Oeste.
Tudo é uma questão de tempo, tudo …
Na gestão Bolsonaro, quando o presidente da CAIXA foi covardemente acusado de assédio sexual, denunciado por uma senhora mais feia que a mulher do Macron, ele imediatamente pediu sua exoneração.
O ministro dos cavalos, sic, das comunicações, denunciado pela PF foi bajulado por Lula dizendo que se o ministério público aceitar a denúncia, ele exonera o “ministro”.
Ora, ministério público do Lula vai denunciar alguém da caterva? Sinceramente.
Nossa republiqueta das bananas carece urgentemente de reforma política e administrativa para começarmos a trilhar um caminho diferente.
Silvio Navarro, parabéns por escancarar a podridão das emendas parlamentares, patrocinadas por esse desgoverno imoral.
Num país onde o congresso tem homens covardes e sem nenhum sentimento de patriotismo, não pode dar nada certo, infelizmente.
TCU pode acionar a PF? Hoje, nem pensar.
PF aparelhada e corrupção rolando solta.
Silvio parabéns, quando puder faça um artigo sobre a inutilidade de Randolfe Rodrigues despachante número 1 do STF. Importante mostrar como votou em todas as reformas, projetos de lei e marcos legais quando eram oposição, e pasmem, votou contra o Marco legal do saneamento básico mesmo tendo a capital MACAPÁ de seu AMAPA (adotado porque o cara é pernambucano) como a pior em saneamento básico entre 100 cidades brasileiras.
Silvio, quando haverá uma reforma politica que reduza o SENADO FEDERAL a somente 1 senador por Estado? Como podemos ter uma CASA tão importante como essa com 3 RANDOLFES por Estado?
Não será possível o funcionamento do parlamento com a existência de emendas de orçamento, isto é um roubo às claras. Se fundo eleitoral e partidário já são um assalto ao povo, imagina emendas. Essa quantia é uma coisa distópica. Esses bandidos estão todos milionários com o dinheiro público
A mídia imoral é parlamentares inúteis como Randolfo Rodrigues retratam a mediocridade.
Agora o orçamento ficou “limpinho”, no governo Bolsonaro a mídia suja militante demonizava.