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Donald Trump, candidato presidencial republicano e ex-presidente dos EUA, é assistido por agentes do Serviço Secreto após os disparos durante comício em Butler, na Pensilvânia (13/7/2024) | Foto: Reuters/Brendan McDermid
Edição 227

O tiro em Trump e a covardia institucionalizada

Os agentes do Serviço Secreto estavam mais preocupados em proteger a si mesmos do que em salvar o ex-presidente

Frank Furedi
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Já é suficientemente ruim que os agentes do Serviço Secreto dos Estados Unidos que cercaram Donald Trump durante a tentativa de assassinato no sábado, 13, parecessem estar distraídos enquanto se atrapalhavam com o coldre de suas armas. Mas agora veio à tona que eles tomaram a decisão consciente de não colocar nenhum agente no telhado a partir do qual o atirador Thomas Matthew Crooks fez seu ataque. Por quê? Porque isso representaria um risco à saúde e à segurança. Aparentemente, o telhado inclinado utilizado pelo suposto assassino de Trump foi considerado “perigoso demais” para ser utilizado pelos agentes. Essa covardia institucionalizada deveria incomodar todas as figuras públicas que enfrentam a ameaça de violência política.

A cultura de aversão ao risco não se limita ao Serviço Secreto. Ela também predomina nos órgãos de segurança pública. Isso foi ilustrado pela reação da polícia, dois anos atrás, ao tiroteio em massa em Uvalde, no Texas. Quase 400 agentes atenderam ao incidente, em que um atirador solitário matou 19 alunos e dois professores na Escola Primária Robb, mas se abstiveram de confrontar imediatamente o atirador, que estava numa sala de aula cheia de alunos e alguns professores. Aliás, eles esperaram mais de uma hora até a chegada de uma equipe tática da Patrulha de Fronteiras antes de entrar e abater o assassino. Se a intervenção tivesse acontecido antes, a vida de muitas pessoas que foram mortas por disparos poderia ter sido salva.

O Serviço Secreto decidiu não colocar nenhum agente no telhado a partir do qual o atirador Thomas Matthew Crooks fez seu ataque | Foto: Reuters/Brendan McDermid

A aversão ao risco da polícia também está causando problemas semelhantes no Reino Unido. Isso ficou claro após um trágico incidente ocorrido em Surrey, em 2016. Depois que um homem caiu no Rio Tâmisa, a polícia chegou ao local para ajudar. Mas um inspetor determinou que seus agentes não tentassem o salvamento. Mais tarde, ele explicou a decisão, dizendo que seus agentes não tinham a formação necessária: “Achei que o risco era grande demais naquelas circunstâncias”. A imagem de um grupo de policiais observando, da margem do rio, enquanto um homem se afogava diante deles foi totalmente chocante. Aqueles que têm o dever de proteger o público de qualquer dano falharam de maneira absoluta.

Esses incidentes em todo o mundo anglo-americano revelam até que ponto a aversão ao risco se instalou nas nossas polícias, forças de segurança pública e forças armadas. Os conceitos de honra, sacrifício e dever público deram lugar a preocupações com a saúde e a segurança.

O feitiço da segurança

Era uma questão de tempo. Em 2007, o general sir Michael Rose, antigo chefe dos Serviços Aéreos Especiais (SAS) britânicos, já alertava para o impacto destrutivo da aversão ao risco no Exército do Reino Unido. Ele afirmou que isso encorajava a “covardia moral” e causava o “colapso mais catastrófico” do éthos militar na história recente.

Aliás, esse declínio do espírito de combate militar é ainda mais irrestrito nas Forças Armadas dos Estados Unidos. Desde a adoção de uma política de “proteção da força”, nos anos 1980, as forças armadas americanas têm dado prioridade à proteção pessoal e ao equipamento militar “de ameaças ou perigos, a fim de preservar a eficácia operacional”. Um analista observou que essa aversão ao risco está minando a própria eficácia do exército: “À medida que a ênfase na aversão ao risco vai se disseminando pela cadeia de comando, os comandantes subalternos e seus soldados vão se dando conta de que um comportamento de baixo risco é esperado e agem de acordo com isso”.

General sir Michael Rose | Foto: Reprodução/John Lawrence

Tanto no Reino Unido quanto nos EUA, a cultura de aversão ao risco esvaziou lentamente o exército, a polícia e as forças de segurança pública do seu conteúdo moral. Como observou o general do exército americano H. R. McMaster em 2021, “o éthos do combatente está em risco”. E acrescentou que, “se isso for perdido, só será recuperado a um preço exorbitante”.

Sem dúvida estamos vendo esse custo. Na semana passada, um candidato à Presidência dos EUA quase foi assassinado porque alguns agentes encarregados de protegê-lo estavam sob o feitiço da saúde e da segurança. Quando os valores da saúde e da segurança se institucionalizam, eles se sobrepõem aos valores da coragem e do sacrifício. Os guarda-costas começam a se preocupar mais com a própria proteção do que com a vida das pessoas que têm o dever de proteger.


Frank Furedi é diretor-executivo do think tank MCC-Bruxelas.

Leia também “O culto à ‘minha verdade'”

8 comentários
  1. Vanessa Días da Silva
    Vanessa Días da Silva

    Essa covardia se acentuou durante a COVID, quando medicos tinham medo de atender pacientes e suspenderam procedimentos

  2. Vanessa Días da Silva
    Vanessa Días da Silva

    Essa covardia se acentuou durante a COVID, quando medicos tinham medo de atender pacientes e suspenderam procedimentos

  3. ANDRÉ LUÍS AUGUSTO DE OLIVEIRA
    ANDRÉ LUÍS AUGUSTO DE OLIVEIRA

    A doutrina Woke já contaminou as forças armadas em geral..

  4. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    As modificações dos valores são comprados ou vendidos pelos dominadores, donos do mundo

  5. Marcelo DANTON Silva
    Marcelo DANTON Silva

    Oras…é só olhar as estatísticas de mortos de segunda guerra mundial e ver que essa doutrina é uso comum entre os exércitos anglo saxão…agora só piorou uma coisa que sempre foi latente….Russia 10 milhões de mortos… Alemanha 6 milhões…EUA 500 mil…Inglaterra 600 mil.

  6. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Que decadência do Ocidente!

  7. Otacílio Cordeiro Da Silva
    Otacílio Cordeiro Da Silva

    Se uma pessoa se pergunta para onde foi o amor, é porque ela se esqueceu de que é ela própria que o constrói. (Revista Seleções). Por extensão: para vai a nossa cultura ocidental?

  8. Mauro Maretto
    Mauro Maretto

    É a destruição da civilização ocidental em todos os âmbitos.

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