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Cartaz exibido durante uma vigília em homenagem aos cidadãos que foram detidos após os resultados eleitorais contestados, em Caracas, na Venezuela (8/8/2024) | Foto: Reuters/Leonardo Fernandez Viloria
Edição 229

A agonia venezuelana

A postura errática do Brasil e de outros países prolongam o sofrimento da oposição, refém do ditador Nicolás Maduro

Cristyan Costa
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Nas duas últimas semanas, manchetes sobre a Venezuela tomaram conta das primeiras páginas da imprensa brasileira e internacional. Foram incontáveis as notícias a respeito das etapas que antecederam a disputa entre o ditador Nicolás Maduro e o ex-diplomata Edmundo González. Também o passo a passo até a proclamação do resultado que “reelegeu” Maduro foi acompanhado por jornalistas do mundo todo em tempo real. Passados 12 dias do anúncio do “vencedor” pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), as reportagens que tratam dos desdobramentos da eleição estão desaparecendo aos poucos de todo o noticiário.

Os abusos no país, porém, não pararam um dia sequer. Violações de direitos humanos têm ocorrido com frequência, e em uma escalada sem precedentes, muito embora países da União Europeia, os Estados Unidos, o Peru, a Argentina e o Uruguai tenham reconhecido a vitória de González. A postura diplomática veio na sequência da checagem de votos feita pelo Centro Carter e pela agência de notícias AFP, que consultaram comprovantes obtidos pela oposição e constataram o óbvio. A análise chegou ao seguinte resultado: 67% para González contra 30% para Maduro. Um placar bem diferente do apresentado pelo CNE, no qual o ex-diplomata terminou a corrida pelo Palácio de Miraflores com 44%, enquanto o ditador conseguiu 51% — a instituição não divulgou as atas de votação até hoje.

Uma das primeiras medidas do ditador foi dar uma aparência de legalidade ao resultado ao pedir ao “STF” do país que validasse os votos. A Corte, que assim como o CNE é totalmente controlada por membros do governo, ainda não se posicionou oficialmente. O entendimento do tribunal, contudo, é bastante previsível. Para ter ideia da proximidade entre o governo federal e o Poder Judiciário, a presidente do tribunal, Caryslia Rodríguez, é filiada ao partido de Maduro e milita no chavismo desde a época em que era estudante de Direito na Universidade Central da Venezuela. Nas redes sociais, há um vídeo dela pedindo votos para a esquerda.

Paralelo a isso, multidões contrárias a Maduro tomaram as ruas de inúmeras cidades venezuelanas. Nos protestos pacíficos, os manifestantes não destruíram casas e estabelecimentos, mas, sim, removeram várias estátuas ligadas ao regime, principalmente as de Hugo Chávez, líder que deu início ao autoritarismo a partir de 2013. Os atos contra os símbolos chavistas foram suficientes para a ditadura classificá-los de “antidemocráticos” e “terroristas”. Por isso, desde a semana passada, mais de mil pessoas acabaram na cadeia, muitas delas transferidas para a mais terrível penitenciária local, conhecida como El Helicode, em virtude da repressão de Maduro. Além disso, o número de mortos chegou a 24, e os feridos são contados às centenas.

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Dados da ONG Foro Penal | Foto: Reprodução

O chavismo ampliou ainda o cerco aos canais onde seus críticos se expressam. Nesta semana, em um discurso, Maduro desinstalou o WhatsApp em cadeia nacional, orientou os militantes a fazerem o mesmo e ameaçou banir o aplicativo de mensagens instantâneas. O ditador estendeu os ataques a outras marcas do grupo Meta, como o Instagram e o Facebook. O dono da rede X, Elon Musk, não ficou de fora. Maduro o acusou de tramar um golpe de Estado na Venezuela em conluio com os Estados Unidos e demais big techs “estadunidenses”. Por isso, o chavista prometeu trabalhar em uma legislação que regule a internet.

Oposição emparedada

A ira da ditadura não se restringiu à oposição nas ruas e redes. Maduro iniciou ainda uma caça às bruxas às lideranças partidárias ligadas à ex-deputada María Corina Machado, hoje a principal representante do movimento que se opõe ao chavismo. Dois dias após o fim da eleição, homens encapuzados prenderam Freddy Superlano, um dos dirigentes da sigla Voluntad Popular, enquanto ele saía de uma reunião com aliados. A mulher de Superlano fez um apelo nas redes sociais, pois, segundo ela, o governo não estabelece prazo para a soltura de presos políticos, tampouco se sabe exatamente para onde todos são levados.

Maria Oropeza, outra oposicionista que apoia Corina, aumentou a lista de detidos ao ser a segunda a parar atrás das grades. Coordenadora do Comando ConVzla, a mesma legenda da ex-deputada, Maria filmou a própria prisão realizada por agentes do regime. Nas imagens, é possível vê-los arrombando o portão da casa onde a mulher mora, em Caracas, e levando-a embora. A gravação perturbadora feita durante a noite mostra Maria afirmando não haver qualquer mandado judicial contra ela. Mesmo assim, membros da ditadura a prenderam. Um deles remove o aparelho celular das mãos de Maria e interrompe a transmissão, ao vivo, que iniciara na chegada dos chavistas.

Todas essas prisões e abusos judiciais têm o aval de Tarek Saab, procurador-geral da Venezuela. Alçado ao cargo graças a Maduro, ele prometeu reprimir “toda e qualquer oposição” ao regime. E endossou a fala do ditador segundo a qual os detidos “passarão, no mínimo, de 15 a 30 anos na prisão e, desta vez, não haverá perdão”. A mesma pena já é considerada para María Corina e González. Os dois líderes principais não foram esquecidos pelo regime. Há poucos dias, Saab autorizou a abertura de um inquérito contra ambos, por “desacreditarem o processo eleitoral” e “incitarem manifestações antidemocráticas”.

“À margem da Constituição e da lei, falsamente anunciam um ganhador das eleições presidenciais distinto ao proclamado pelo CNE, único órgão qualificado para tal”, comunicou Saab, na ocasião da abertura dos inquéritos sigilosos que incluem também outras pessoas próximas de María Corina e González. “O Ministério Público da Venezuela vai apurar se a dupla cometeu os crimes de usurpação de funções, difusão de informação falsa, instigação à desobediência das leis, instigação à insurreição e associação para delinquir, e conspiração contra o Estado.”

Devido à escalada autoritária, María Corina saiu de cena e passou a dar ordens a partir de um esconderijo. A ex-deputada anunciou a decisão em um artigo publicado no Wall Street Journal. “Escrevo isto de um esconderijo, temendo pela minha vida, a minha liberdade e a dos meus compatriotas da ditadura liderada por Nicolás Maduro”, escreveu a opositora. María Corina também pediu ao povo venezuelano que deixe as ruas, por ora, a fim de evitar novas prisões e mortes. “O medo não vai nos paralisar, teremos perseverança e resiliência, mas isso não significa que estaremos sempre nas ruas”, disse. “Às vezes estamos incessantemente em ação, mas nem sempre ativos. Uma pausa operativa é necessária. González, por ora, está em seu apartamento em Caracas. Não se sabe, contudo, até quando, pois ele também corre o risco de ir para a cadeia.”

Forças de segurança durante protestos contra os resultados das eleições presidenciais, depois que o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, e seu rival da oposição, Edmundo González, reivindicaram a vitória, em Puerto La Cruz (29/7/2024) | Foto: Reuters/Samir Aponte
Risco do ostracismo

Nesta terça-feira, 6, Vladimir Padrino, ministro da Defesa de Maduro, deu um banho de água fria nos oposicionistas que esperavam um endosso dos militares aos protestos. Em um comunicado, Padrino reafirmou a lealdade das Forças Armadas a Maduro. “Apelos à intervenção militar insensatos e irracionais buscam quebrar nossa unidade e institucionalidade, mas nunca conseguirão isso”, acrescentou. Padrino também lançou dúvidas sobre as atas da oposição.

O discurso negacionista do ministro venezuelano não difere muito do que tem falado o assessor especial da Presidência do Brasil para Assuntos Internacionais, Celso Amorim. “Lamentável que as atas não tenham aparecido. Eu disse isso para o presidente Maduro no dia seguinte à eleição”, revelou Amorim, em uma entrevista. “Também não tenho confiança nas atas da oposição.” O Brasil foi considerado, inclusive pelos oposicionistas, como um dos países que têm autoridade para ajudar a tirar Maduro do poder e iniciar um regime de transição democrática. Declarações como as de Amorim, que têm sido dúbias desde o início, dão tempo a Maduro para continuar cometendo abusos contra a população. Essas falas prorrogam o sofrimento dos venezuelanos.

A conduta errática e diversionista faz com que o tema arrefeça também na imprensa, como já aconteceu com governos anteriores, a exemplo de Guaidó, da invasão da Ucrânia pela Rússia há dois anos e das violações diárias praticadas pelo Hamas em Gaza. A oposição continua a ser presa. O anormal vira normal, e o sofrimento e a dor de milhões de pessoas se tornam coisas banais para o mundo.

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Celso Amorim, assessor especial da Presidência, e Lula, no Palácio do Itamaraty, em Brasília (1º/6/2023) | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Leia também “A farsa da Venezuela”

6 comentários
  1. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Venezuela e Brasil de braços dados com as maiores atrocidades que um governo ilegítimo e corrupto pode representar para uma nação.

  2. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Estes relatos poderiam ser do Brasil, só mudando nomes como Alexandre de Moraes, Luis Roberto Barroso, Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, e cia Ltda.

  3. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência.

  4. Selma Rocha
    Selma Rocha

    Atos “antidemocráticos”, até parece que estava lendo sobre o BRASIL e o déspota de plantão que está solapando a democracia fingindo que está salvando-a, td isso com a complacência dessa mídia porca e corrupta. Que DEUS tenha misericórdia dos venezuelanos e dos brasileiros que não merecem essa casta de gente maligna q está infestada em nossos belos países.

  5. MNJM
    MNJM

    Na Venezuela tem o voto impresso, bem mais transparente , motivo da fraude ser evidente. A diferença está aí.

  6. RODRIGO DE SOUZA COSTA
    RODRIGO DE SOUZA COSTA

    Por favor, vejam na política brasileira quem elogia e quem critica esse governo Venezuelano. Tem um candidato a prefeito de São Paulo que adora eles.

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