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Picanha, corte tradicional de carne brasileira, coração de frango, coxa de frango desossada e linguiça | Foto: Shutterstock
Edição 229

Não falta carne

Da produção de carne bovina brasileira em 2023, 76% destinaram-se ao consumo nacional, situado entre os maiores do mundo

Evaristo de Miranda
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O respeito ao produtor de riqueza
É o começo da solução da pobreza.
(Roberto Campos)

Uma das narrativas mentirosas contra o agronegócio afirma: a agropecuária brasileira é voltada essencialmente para a exportação. E não atende às principais demandas e necessidades do mercado local, do povo brasileiro. Há séculos, o desenvolvimento da agropecuária seguiria o modelo agrário-exportador, pai tradicional de todas as desgraças na história da dependência econômica do Brasil, segundo os mesmos detratores. Dentre os produtos brasileiros líderes mundiais de exportação, as carnes são emblemáticas para contrariar essa tese. E não são delicta carnis.

Segundo a narrativa agrofóbica, o dito modelo agrário-exportador teria implantado monoculturas de exportação em latifúndios, em parte improdutivos pelo acúmulo e concentração desnecessária de terras. Comunidades no entorno ficaram dependentes das grandes propriedades, a quem fornecem mão de obra barata. Atividades capazes de gerar trocas locais e regionais são descartadas. Buscam-se produtos de exportação: café, carne, cacau, soja, cana-de-açúcar etc. A estrutura fundiária concentrada e desigual favorece grandes produtores em detrimento dos pequenos e das produções familiares, segundo rezam textos escolares.

Dos manuais escolares às redações de jornais e revistas, passando pelas provas do Enem e por certa intelectualidade, o anátema anacrônico é reiterado: o agronegócio voltado para a exportação serve a interesses externos, impede o acesso à terra e leva ao atraso. Isso não tem qualquer fundamento na realidade predominante no mundo rural. Produtos de exportação, sob liderança do Brasil, atendem em primeiro lugar ao grande mercado interno nacional, e seus excedentes vão para o exterior. As carnes são um exemplo.

Seção de carnes em supermercado | Foto: Shutterstock

Em 2023, a pecuária brasileira produziu um novo recorde de 10,6 milhões de toneladas de carne bovina. Desse total, 2,5 milhões de toneladas foram exportadas a 155 países. Esses 24% fazem do Brasil, há vários anos, o maior exportador de carne bovina do mundo. Apenas no primeiro semestre de 2024, o Brasil já exportou 1,29 milhão de toneladas, um crescimento de 27,3% em relação ao mesmo período de 2023. A receita foi de 5,69 bilhões de dólares, 17% superior à de 2023.

Da produção de carne bovina brasileira em 2023, 76% destinaram-se ao mercado interno, ao consumo nacional, situado entre os maiores do mundo. Uma disponibilidade de 36 quilos de carne bovina por habitante/ano ou 0,75 quilo por semana, um incremento de 13,5% em relação a 2022. Situação distante do crônico desabastecimento do passado, responsável pela importação de carne radioativa da Ucrânia pelo governo federal em 1986, quando o Plano Cruzado trouxe à cozinha dos brasileiros o acidente de Chernobyl.

Hoje, o principal país importador da carne bovina brasileira é a China. Os chineses não importavam quase nada de carne bovina brasileira cerca de uma década atrás. No primeiro semestre de 2024, a China já importou 565.654 toneladas de carne bovina, um crescimento de 10,2% em relação ao mesmo período em 2023 e um faturamento para o Brasil de US$ 2,5 bilhões.

Costela bovina fatiada | Foto: Shutterstock

Em segundo lugar como importador de carne bovina brasileira estão os Emirados Árabes Unidos, desconhecidos de muita gente. Emergiram recentemente para essa posição com 95 mil toneladas, um crescimento de 238% em relação a 2023 e um faturamento de US$ 435 milhões no semestre.

Em terceiro lugar ficaram os EUA, com 85.395 toneladas (+19,7% em relação a 2023) e uma receita de US$ 515 milhões. Hong Kong ocupa a quarta posição, com 61 mil toneladas (+10,6% em relação a 2023) e US$ 196 milhões. O Chile ocupa a quinta posição, com 48.726 toneladas (+9,4% em relação a 2023) e US$ 229 milhões. Do total exportado, desde gado vivo até cortes industriais, 87,7% da carne embarcada foi in natura, da qual 88% foram de carne sem osso.

Quanto à carne de frango, principal proteína animal do Brasil, a produção em 2023 foi de 14,8 milhões de toneladas, bem superior à de carne bovina. Desse total, 5,1 milhões de toneladas foram exportadas. Esses 35% exportados também fazem do Brasil, há vários anos, o maior exportador mundial de carne de frango: detém 33% do mercado mundial. Os 65% destinados ao mercado interno garantem uma disponibilidade da ordem de 46 quilos de carne de frango por habitante/ano, ou 1 quilo por habitante/semana.

Coxinha de frango | Foto: Shutterstock

Em carne suína, o Brasil produziu 5,2 milhões de toneladas em 2023 e exportou 1,2 milhão. Esses 23% fazem do país o quarto exportador mundial. Os 77% destinados ao mercado interno garantem 18,6 quilos de carne suína por habitante/ano, ou 400 gramas por habitante/semana.

A produção de carne bovina, de frango e suína em 2023 somou 30,6 milhões de toneladas, das quais 30% foram exportados (9,2 milhões de toneladas). Da produção total de carnes no Brasil, 70% vão para o mercado interno. Isso representa cerca de 100 quilos de carne por habitante/ano, ou de 2 quilos por semana, ou, ainda, perto de 300 gramas de carne por habitante/dia.

Estimativas do consumo mundial de carnes variam entre diversos estudos e estatísticas (Revista Oeste, Edição 166). No essencial, os dados convergem: quanto mais rico um país, maior é o consumo de carnes. Os maiores consumidores de carne, de 100 a 120 quilos por habitante/ano, são EUA, Austrália, Nova Zelândia e Kuwait. Isso é 25 vezes a média de países como Índia, Bangladesh, Burundi e outros africanos, de cerca de 4 quilos por habitante/ano.

Espetinhos de carne bovina e de frango | Foto: Shutterstock

Na segunda posição dos grandes consumidores de carnes, na faixa de 90 a 100 quilos por habitante/ano, estão países como Israel, Canadá, Brasil, a carnívora Argentina e parte da Europa Ocidental. A média da União Europeia é de 85 quilos por habitante/ano, com muita variabilidade. Lidera o ranking europeu a Espanha (100 quilos), seguida por Portugal (94 quilos), Polônia (89 quilos) e Alemanha (88 quilos). No final está a Bulgária, com 43 quilos por habitante/ano.

As exportações em nada comprometem o abastecimento do mercado interno e geram riqueza a pequenos agricultores

O consumo médio mundial de carnes não para de crescer. Passou de 20 quilos (1960) para cerca de 40 quilos. Além da expansão da população, ele cresceu com o aumento da renda ou do número de pessoas (sobretudo na Ásia e nos países árabes) capazes de pagar por um alimento cujo preço, mesmo com a tendência de queda, é bem superior ao dos cereais e leguminosas.

Não falta carne no Brasil. As exportações em nada comprometem o abastecimento do mercado interno e geram riqueza a pequenos agricultores. Repetita juvant, o mesmo raciocínio se aplica a grãos, legumes, hortaliças e frutas. Nenhum item exportado compromete a segurança alimentar do país.

Pastel de carne brasileiro | Foto: Shutterstock

A soja é o principal item de exportação brasileiro (grão + farelo). Representa 28,5% do PIB da agropecuária e 6,3% do PIB nacional. Em 2010, esses números eram, respectivamente, 9% e 1,9%. São mais de 236 mil produtores em 18 Estados. Os pequenos agricultores, com menos de 50 hectares de área de imóvel (e não de cultivo!), representam 73% dos sojicultores. Os médios produtores, com área de imóvel entre 50 e 500 hectares, são mais de 15% do total. Em resumo, bem distante do “modelo agrário-exportador”, 90% dos produtores de soja não são latifundiários. Em boa parte, organizados em cooperativas e associações, eles ganharam escala e se beneficiam economicamente da maior cultura em geração de renda e riqueza.

A soja, principal cultura do Brasil em volume, exportação e geração de renda, é um insumo industrial: alimenta frangos, suínos, bovinos de leite e indústrias de rações e suplementos, químicas, farmacêuticas, de alimentos e automobilística. E depende de insumos industriais: defensivos, máquinas, equipamentos, computadores, adubos etc. Ela agrega R$ 695 bilhões por ano à economia nacional. São 129 fábricas de processamento, capazes de industrializar 69 milhões de toneladas; 59 unidades de refino e envase de óleos e 69 usinas de biodiesel com capacidade de processar 16,3 bilhões de litros. Em 20 anos, praticamente todos os municípios com forte presença da soja tiveram crescimento do IDH acima da média de seus Estados.

Falta renda a parte da população para adquirir todos os cortes bovinos desejados, como a picanha. Qual é a solução para esse desafio? O exemplo vem da Ásia, destino da maioria das exportações das carnes brasileiras. Os países asiáticos representaram 52% do mercado brasileiro de carne bovina no primeiro semestre de 2024. Na sequência, os maiores mercados, por região, foram o Oriente Médio e o Norte da África: 20,8% do total.

Carne bovina grelhada em espetos em churrascaria no Brasil | Foto: Shutterstock

O mercado asiático e do Oriente Médio de carnes segue em expansão, graças ao desenvolvimento econômico dos países da região. Só o desenvolvimento amplia a renda das pessoas e, por consequência, o aumento no consumo da proteína animal. Esse crescimento de consumo não resulta de nenhuma bolsa família asiática ou de qualquer outro tipo de ajuda socioeleitoreira aos mais pobres.

No Brasil, só o desenvolvimento econômico sustentável, fruto do empreendedorismo, trará mais oportunidades de empregos e de maior renda, e contribuirá para a redução da pobreza. Estado e governos não geram riqueza. Quem cria prosperidade são pessoas e empresas, diz o historiador econômico Joel Mokyr. Cabe ao Estado facilitar o crescimento, e não atrapalhar. No campo, agricultores e pecuaristas trabalham, investem em tecnologias, aumentam a produtividade e fazem sua parte. No resto do Brasil, quem sabe?

Leia também “Agro urbi et orbi e agro 城市與世界”

10 comentários
  1. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Ótimo conteúdo. O Brasil tem tudo para evoluir, basta tirar o estado das costas.

  2. Letícia Mammana
    Letícia Mammana

    Esse artigo do Dr. Evaristo sobre o mercado de carnes enterra as narrativas mentirosas sobre o conflito teórico entre produzir para o mercado interno e o externo. O agro brasileiro atende amplamente o mercado interno em proteínas animais, sejam de bovinos, aves ou suínos, como demonstrou com dados e números e fontes em seu artigo o Dr. Evaristo.

  3. Alice Helena Rosante Garcia
    Alice Helena Rosante Garcia

    Nada mais transparente que a verdade !!!
    Que o agro continue nos dando alegrias e consiga ignorar esse desgoverno que joga contra, ate q possamos voltar a navegar em aguas calmas

  4. COLETTO ASSESSORIA EM SEGURANÇA DO TRABALHO LTDA
    COLETTO ASSESSORIA EM SEGURANÇA DO TRABALHO LTDA

    AGRONEGOCIO VOCE SÃO NOSSOS IDOLOS !!!
    CONTINUEM SEM A PARTICIPAÇÃO DO ESTADO E DOS AMIGOS DO PODER QUE QUEREM DESTRUI-LOS OU COLOCAR SOB SEUS DOMINIOS.
    QUANTAS MENTIROSAS.SÃO CRIADA PELA VELHA MIDIA EM TROCA DO DINHEIRO PUBLICO FACIL.

  5. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Ótimo texto. Parabéns. Esse artigo deveria ser esfregado na cara de quem propaga essas narrativas mentirosas contra o agronegócio brasileiro.

  6. José Gilberto Jardine
    José Gilberto Jardine

    Excelente artigo, muito rico em dados confiáveis.

  7. José Menezes
    José Menezes

    Como sempre, os artigos do Prof. Evaristo trazem os dados estatísticos elucidativos que esclarecem a verdade a respeito dos setores produtivos que se propõe a analisar.
    Excelente trabalho!

  8. RCB
    RCB

    Riqueza que vem do Criador: Sol, Terra, Água, Conhecimento e Trabalho para milhões que alimentam bilhões de pessoas. Toda uma cadeia do campo até a mesa gerando emprego, distribuindo renda a quem trabalha e alimento saudável.
    Isso explica o lobby mundial da “carne vegetal”: Concentrar nos donos de patentes as centenas de bilhões de dólares desse mercado. Daí o vale tudo das ONGs a serviço da ganância inescrupulosa.

  9. Silas Veloso
    Silas Veloso

    Excelente artigo !

  10. Daniel BG
    Daniel BG

    Texto excelente! Vamos trazer os fatos à luz e desbancar as falsas narrativas, os boatos.

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