A tragédia venezuelana é tão insofismável que se transformou em comparativo para qualquer outra crise que surge na região. Em 2018, durante a campanha eleitoral, por exemplo, o então candidato Jair Bolsonaro usou a imagem do regime fundado por Hugo Chávez para alertar sobre os riscos de o PT transformar o Brasil em uma nova Venezuela.
Nesta semana, o norte-americano Donald Trump também recorreu aos horrores do chavismo para dizer aos eleitores de seu país que Joe Biden é um sujeito que pensa como os bolivarianos e pode conduzir os Estados Unidos para o mesmo abismo no qual a Venezuela despencou.
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Ambos erraram. Não dá para pensar que basta um socialista para transmutar realidades tão singulares em uma cópia venezuelana. A Venezuela é produto de muito mais do que isso.
Aliás. O recurso de comparar tudo com a Venezuela é tão desmesurado que foi e é útil até para petistas e psolistas — estes, sim, sonham com uma Brazuela — que cochicham no ouvido de alguns influenciadores que Nicolás Maduro é um ditador de direita e que Jair Bolsonaro reproduz o chavismo porque vive cercado de militares.
Os argentinos dançam a mesma música melancólica composta exclusivamente por eles
“Venezuela” é hoje um tipo de ofensa. Um turpilóquio político que nem sempre descreve com precisão o que está acontecendo e o que está por vir.
Recentemente, o editor-executivo da Revista Oeste, Silvio Navarro, publicou em seu Twitter a melhor definição do que está se passando no nosso vizinho do sul: “A Argentina é um país que a cada vinte anos volta vinte casas”.
O que isso quer dizer? A Argentina está repetindo a própria receita. Os argentinos dançam a mesma música melancólica composta exclusivamente por eles. O país sul-americano já foi um dos mais ricos do mundo. Mas a praga do populismo entrou de tal maneira no DNA político e social que, de ponta a ponta do espectro político, vê-se, em maior ou menor grau, a herança do modelo local que se transformou na armadilha da qual quem tenta escapar não sobrevive.
No início do século passado, a Argentina teve um PIB per capita maior que o do Reino Unido. Quando comparadas com as da Espanha, as riquezas argentinas eram ainda mais viçosas. Somente em 1986, a antiga metrópole conseguiu superar a capacidade de produção de riquezas dos argentinos, que viriam a seguir descendo a ladeira.
A Argentina paga o preço do populismo. Quando Juan Domingo Perón assumiu pela primeira vez a Presidência do país, em 1946, a Argentina tinha um PIB per capita que a colocava no clube dos países ricos. Ele morreu em 1974, no início de seu terceiro mandato, conquistado depois de um lapso de 18 anos fora do poder. O país ficou sob o comando da viúva de Perón e vice-presidente, Maria Estela, coroando uma era de vício no Estado.
O gosto por uma vida subsidiada. Ou, de preferência, totalmente gratuita
O argentino médio passou a preferir um Estado paternalista. Uma vida subsidiada ou, de preferência, totalmente gratuita. Um governo honesto e competente é bem-vindo. Mas, como os benefícios passaram a ser vistos como direitos, quem pensar em mudar as regras enfrentará ruas apinhadas de piqueteros ao som insuportável de metal produzido por panelas. Um primitivismo político recentemente importado pelo Brasil.
Esse foi o preço que Mauricio Macri pagou, ainda no primeiro ano de governo, quando deixou de maquiar o câmbio e de subsidiar a tarifa de energia elétrica.
O bolivarianismo leva à tentação de pintar com suas cores todos os erros políticos e econômicos da América Latina. No entanto, muitos dos vícios que parecem ser bolivarianos são nativos da Argentina, assim como alfajor, tango e Maradona.
Um longa lista de calotes (nove até agora), congelamentos de preços, expropriações e políticas econômicas irresponsáveis faz da Argentina um melancólico caso em que ela mesma, em certo momento da história, foi a “Venezuela” da vez.
Sem, obviamente, os elementos catastróficos que acompanham o regime de Nicolás Maduro, toda vez que a economia da Argentina afundava, a do Brasil era arrastada para o buraco. Fenômeno que ficou conhecido como “efeito Orloff”.
O chavismo ergueu na Venezuela um Estado criminoso, com as Forças Armadas operando um cartel de drogas
Voltando ao pavor da venezuelização, Néstor Kirchner e sua viúva Cristina tiveram tempo hábil suficiente para mimetizar o país nos moldes da Venezuela de Chávez. O ditador fanfarrão estava vivo e fazia jorrar apoio e dinheiro para a Argentina. Mas nem assim nossos vizinhos do sul replicaram o caos do vizinho do norte.
A Venezuela é um caso singular. Para chegar aonde chegou, Chávez cumpriu um montão de etapas, que passaram pela transformação das Forças Armadas em um cartel de drogas, pela destruição completa do setor produtivo local e pelo massacre da economia até atingir a total criminalização do Estado.
Isso é mais complexo, sofisticado e profundo que o populismo endêmico da Argentina. Nem Brasil nem Argentina são imunes à devastação promovida por governos incompetentes. Dilma Rousseff serve para nos lembrar. Mas nem mesmo a maior crise econômica do século nos fez sequer passar perto do que é a Venezuela sob o chavismo.
A Argentina vai sair bem dessa. E tudo ficará bem até a próxima crise.
Leia também a entrevista exclusiva que o chanceler Ernesto Araújo concedeu a Oeste. Entre outros assuntos, o ministro tratou da Argentina
[…] também: “Argentina e o fantasma da venezuelização”, artigo de Leonardo Coutinho publicado na Edição 23 da Revista […]
Eu não duvido nada que a Argentina vá se tornar a próxima Venezuela e parece que não vai demorar muito. Já estão estatizando empresas, Fernandez já mandou o povo do campo invadir propriedades rurais com apoio do governo, está controlando preços, acabando com empregos e empresas, e levando a Argentina ao desastre completo!!!
Que bom que você está aqui, na Oeste, Coutinho! E quanto ao artigo: tomara que você esteja certo.
Pode ser, Leonardo, mas a Argentina ainda vai piorar muito antes de melhorar.
Pode ser, Leonardo, mas acredito que a Argentina ainda vai piorar muito antes de melhorar.
Será se Leonardo Coutinho está pensando que os assinantes da Revista Oeste têm o mesmo nível intelectual dos leitores da Gazeta do Povo? A quem ele pensa que está enganando aqui, tentando “dourar a pílula” do kirchnerismo?
Fiquemos de olho em seus próximos artigos. Se esta linha persistir, exigiremos para ele o mesmo fim de Alexandro Borges aqui na revista!
Muito feliz em poder ler os seus ótimos textos, seja bem vindo. A Argentina está sendo a Argentina, os hermanos tem uma memória curtíssima.
Bem… Já começaram a estalizar industrias (que já estão evadindo) e controlar preços. Isso por si só, não é um forte indício?
O tempo dirá se você está certo. Mas seu texto não me convenceu. Você simplesmente se esqueceu de comentar que os Kirchner estavam junto na criação do Foro de São Paulo. Ou estou errada?
Muito bom e otimista o texto. O autor só esqueceu que o PCC (nada a ver com o Primeiro Comando da Capital) já está no controle do país de nossos hermanos !
Excelente artigo !
Leonardo Coutinho! Bom lê-lo de novo! Quando encerrei minha assinatura na Gazeta Do Povo, torci para que viesse para a Oeste. Agora torcer, também, para o Rodrigo Constantino aparecer. Ótimo texto!
O texto faz parecer que a Argentina terá muitas outras oportunidades, mas depois da chegada do gigante chinês por aquelas terras, fica difícil ter volta. O comunismo asfixia rapidamente suas vítimas. Tanto que já estatizaram televisões, internet, telefonia e outras empresas. Não vão largar esse osso. Infelizmente.
Leonardo Coutinho, maravilha!!
Uma sugestão: Flavio Gordon!!!!!!!outro colunista maravilhoso!!!!
Excelente sugestão!!!!
Concordo em gênero, número e grau!
Não podemos esquecer que Argentina não é só Buenos Aires (onde a industria está em frangalhos), o Agro Negócio dos hermanos ainda segura a não Venezuelização, os fazendeiros Argentinos, enquanto forem donos de suas fazendas, darão sustento a farra sindical e politica populista de Buenos Aires; quem anda ou andou pelas áreas agrícolas, sabe quem mantem o País em pé…
Fiquei com um pé meio atrás com seu texto, tentando olhar para um lado e para outro pra ver se descobria alguma coisa, mas não consegui ver nada. Vou torcer para que Vossa Excelência esteja certo e que o presente do vizinho seja mesmo alguma cópia do passado. Deus nos livre de Venezuela.
Muito interessante o comparativo do PIB entre Espanha e Argentina. Possível ver o que governos populistas e de esquerda podem fazer de mal a um País.
Só não concordo com o desfecho do artigo:”A Argentina vai sair bem dessa. E tudo ficará bem até a próxima crise.” Será? Tem ainda a crise provocada por um lockdown gigantesco!
Augusto, o desfecho do texto foi uma fina ironia do excelente jornalista Leonardo Coutinho.
Os caminhos podem ser diferentes mas o resultado final será sempre uma Venezuelização! Não dá para justificar os meios quando os fins serão os mesmos. Ou alguém duvida que a probreza extrema, desemprego e miséria só aumentarão na Argentina?