A imagem internacional da sociedade israelense como um bloco coeso de opiniões está longe de espelhar a realidade do país. Isso fica evidente quando o assunto são dois de seus maiores desafios: a negociação do cessar-fogo com o Hamas e a ameaça de ataques do Irã e do Hezbollah. Já a tensão é um estado de espírito comum a todos.
Mesmo que a maioria da população confie na capacidade militar de Israel e de seus aliados, há dois grandes grupos. Um deles defende a aceitação sine qua non de um acordo de cessar-fogo com o Hamas. Isso exigiria, entre outros aspectos, a retirada das tropas israelenses de Gaza. Essa opção, segundo declarações da liderança do Hezbollah, resultaria na interrupção dos ataques ao norte de Israel e proveria mais ferramentas à diplomacia internacional para convencer o Irã a retroceder em suas ameaças.
De acordo com esse grupo, a negociação pela libertação dos reféns deve ser a prioridade do governo. Esse tema é central na divisão de opiniões da sociedade israelense, que sabe que o tempo não corre a favor das 115 pessoas que permanecem em poder dos terroristas em Gaza — já foram assassinadas 39, das quais algumas foram mortas no dia 7 de outubro em Israel, e seus corpos foram levados até Gaza para ser negociados.
(No passado, Israel pagou um preço altíssimo pela última negociação de um refém. Em 2011, mais de mil terroristas presos em Israel, entre eles Yahya Sinwar, atual líder do Hamas, foram libertados em troca de um único soldado, Gilad Shalit, sequestrado cinco anos antes.)
O segundo grupo enxerga na guerra aberta a oportunidade de enfraquecer os dois inimigos declarados. Nesse caso, os principais objetivos de Israel seriam forçar o Hezbollah a afastar-se da fronteira norte de Israel — conforme previsto na Resolução nº 1.701, aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU em 2006 — e destruir parte da infraestrutura do Irã, incluindo suas instalações nucleares.
O difícil retorno às áreas invadidas pelo Hamas
Em função dos ataques feitos a partir do Líbano, mais de 80 mil moradores do norte de Israel continuam fora de suas casas desde o início da guerra. Na região, várias estruturas — incluindo casas, indústrias e áreas florestais — foram destruídas por mísseis lançados pelo Hezbollah.
Em relação ao sul, o governo alocou US$ 400 milhões para reerguer a região fronteiriça, conhecida como Envelope de Gaza. O dinheiro é gerido pela agência Tkumá, uma estrutura governamental criada em 23 de outubro de 2023 para coordenar a recuperação das áreas atingidas pelo Hamas. Inicialmente, o governo exigiu que a população retornasse aos seus lares em março, depois estendeu o prazo até julho e, cedendo a pressões, aumentou novamente, para 15 de agosto. Parte das localidades estão sendo reabitadas, mas convivem com a movimentação ostensiva do exército na região, o lançamento de mísseis do Hamas e o barulho dos bombardeamentos israelenses na Faixa de Gaza. Há ainda aqueles que se recusam a retornar e buscam, por iniciativa própria, outras regiões.
Economia impactada pela guerra
A economia israelense já sente fortemente os efeitos da guerra. É possível destacar três aspectos: o impacto sobre o esforço humano, uma vez que as pessoas convocadas pelo exército deixaram para trás suas atividades produtivas, o impacto sobre o consumo e também sobre as empresas que, frente ao cenário de incerteza, adiaram investimentos.
Segundo os cálculos iniciais do jornal israelense Calcalist, o custo da guerra para Israel, caso ela durasse entre 8 e 12 meses, superaria os US$ 51 bilhões, representando 10% do PIB do país. A CofaceBDI, empresa especializada na análise de informações econômicas de Israel, acredita que 60 mil empresas israelenses encerrarão suas atividades até o fim de 2024. Esse cenário levou a agência de crédito Fitch a rebaixar a nota de crédito de Israel, seguindo a decisão de outras duas, a S&P e a Moody’s.
Já a ampliação do conflito para outros países do Oriente Médio, segundo economistas internacionais, deve afetar a produção de petróleo. O resultado em cadeia para as grandes economias mundiais seria o disparo do preço do barril, levando ao aumento da inflação e à consequente diminuição da perspectiva de corte de taxas de juros, resultando em um cenário de recessão global. Outro fator de risco é a possibilidade de o Irã bloquear o Estreito de Ormuz, uma via navegável ao largo da fronteira sul do país.
“Qualquer interrupção significativa desse canal teria um enorme impacto sobre os suprimentos globais de petróleo e, consequentemente, sobre o seu valor, pois é a principal rota para os exportadores do Oriente Médio, incluindo os membros da Opep Arábia Saudita, Kuwait e Emirados Árabes Unidos”, explica Richard Bronze, cofundador e analista da Energy Aspects, empresa de dados inglesa. “Não à toa países como a China e os Estados Unidos estão pedindo calma”, resume o economista Daniel Sousa, mestre em Economia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Preparada para o ataque
Em função de seu histórico, Israel tem ampla expertise no que diz respeito à preparação da população civil para eventuais ataques, e ela conhece bem os protocolos de segurança. A grande maioria dos prédios comerciais e residenciais tem bunkers próprios. Há outros situados em áreas públicas e, desde 1993, uma lei obriga as construtoras a incluir um quarto com proteção antimíssil em cada novo apartamento.
As prefeituras das cidades dispõem de diferentes canais de comunicação com a população, e o Comando da Frente Interna — divisão das Forças de Defesa de Israel (IDF) responsável pela proteção da sociedade civil — mantém contato permanente com os cidadãos por meios tecnológicos. Além de um aplicativo de alertas, existe um site que informa, por exemplo, como se preparar para emergências e qual é o tempo disponível para encontrar abrigo em caso de ataques.
Os grandes hospitais do norte de Israel têm, em seu subsolo, as mesmas instalações que existem sobre o solo. O hospital subterrâneo do Galilee Medical Center, em Nahariya, cidade fronteiriça com o Líbano, conta com um setor de atendimento emergencial, salas de operação e um departamento completo de medicina. O renomado Rambam Medical Center, em Haifa, é capaz de transferir todos os seus serviços para o subterrâneo em até oito horas e dispõe de 2 mil leitos hospitalares.
Em meio à tensão, o evento da Olimpíada de Paris foi visto como um “presente divino”. Israel teve seu melhor desempenho histórico, com a conquista de 7 medalhas
Israel também está preparado para a evacuação em massa da população e ergueu, entre outras coisas, uma “cidade de tendas” no deserto Neguev para receber um número ainda maior de cidadãos que precisarem sair do norte. Além de abrigos, o local tem departamentos de bem-estar, educação e saúde.
O alívio da Olimpíada
Em meio à tensão, o evento da Olimpíada de Paris foi visto como um “presente divino”. Israel teve seu melhor desempenho histórico, com a conquista de sete medalhas. “Conquistamos sete medalhas depois do que sofremos no dia 7 de outubro”, disse Gili Lustig, diretor-executivo do Comitê Olímpico Israelense. “Essa é uma vitória sobre o que nos aconteceu, e não há nada mais simbólico do que isso.”
A Olimpíada foi o pretexto ideal para tirar os israelenses de casa — e encher os bares e restaurantes, que continuam lotados. Eventos como exposições, shows, espetáculos teatrais, casamentos e outros tipos de celebração seguem ocorrendo normalmente. Para os israelenses, manter certo grau de normalidade faz parte da estratégia de sobrevivência.
O fato de Israel estar agora em pleno verão e no período de férias obriga as famílias a manterem as crianças ocupadas em atividades fora de casa. Isso explica o paradoxo de, mesmo neste momento, shopping centers, praias e parques estarem permanentemente lotados.
Saúde mental em foco
Paralelamente, há uma grande preocupação do governo em relação à saúde mental dos israelenses. Novos centros de tratamento de trauma estão sendo criados. Segundo estimativas do Centro de Trauma do Ono Academic College, cerca de 500 mil pessoas experimentaram trauma severo desde o dia 7 de outubro, um número sem precedentes principalmente se considerada a população total do país, de aproximadamente 10 milhões de habitantes. Ainda não há números exatos que espelhem a qualidade da saúde mental geral dos israelenses, mas uma coisa é certa: o trauma e a insegurança serão seus companheiros constantes, uma vez que a confiança no exército e no governo foi profundamente abalada.
“Precisamos pensar fora da caixa, e com urgência. Ainda não estamos na fase de pós-trauma, já que tudo ainda está acontecendo”, explica o professor Asher Ben-Arieh, CEO do Haruv, instituto voltado para o tratamento de crianças vítimas de abuso e negligência que atua em parceria com a Universidade Hebraica de Jerusalém. “Fora isso, também lidamos com traumas adicionais nessa guerra, como o deslocamento de dezenas de milhares de israelenses de suas casas e as centenas de soldados mortos e feridos. Temos uma cicatriz emocional em escala nacional.” Segundo os dados mais recentes divulgados pelo exército, quase 700 soldados morreram e mais de 4,3 mil ficaram feridos.
A perspectiva futura
Segundo Henrique Cymerman, correspondente no Oriente Médio e analista geopolítico do Instituto Brasil-Israel, o fim da guerra em Gaza pode estar próximo, e as tensões agora devem se concentrar no norte. De carona no otimismo de Cymerman, vale dizer que essa guerra trouxe também boas novas. “Os mais de 2 milhões de árabes israelenses se comportaram muito bem e não atenderam ao chamado do líder do Hamas, Yahya Sinwar, para juntarem-se à jihad”, observou Harel Chorev, Ph.D. da Universidade de Tel Aviv e especialista na temática árabe-israelense do Centro Moshe Dayan para Estudos do Oriente Médio. “Uma situação oposta aconteceu em 2021, quando provocaram motins que resultaram na morte de seis israelenses e ataques a judeus em mais de 90 cidades israelenses.”
Vislumbrando o dia seguinte
A responsabilização pela falha de defesa no 7 de outubro é uma exigência em Israel. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, cuja imagem já estava bastante desgastada antes da invasão, ainda precisará se explicar publicamente, assim como a cúpula do exército. “Se as eleições fossem hoje, ele receberia um terço dos votos angariados nas eleições passadas”, afirma Cymerman. “Ele busca agora obter a vitória da guerra a qualquer custo para reescrever sua biografia.”
Leia também “Rafah nos faz lembrar os males de Israel”
Todos sofrem com guerra, mas acredito que pior esteja o outro lado.
E tenho curiosidade de conhecer Israel, gosto de olhar mapas, especialmente o Google Maps, e parece um país pujante, com bom ordenamento urbano. Bravo povo israelense.
Parabéns pela matéria. O “politicamente correto” tem dificultado a termos reais informações sobre o sofrimento atual dos israelenses. Que a Oeste possa trazer mais matérias como esta sobre a real situação dos que foram atacados no dia 07 de Outubro.
Parabéns pela matéria. O “politicamente correto” tem dificultado a termos reais informações sobre o sofrimento atual dos israelenses. Que a Oeste possa trazer mais matérias como esta sobre a real situação dos que foram atacados no dia 07 de Outubro.