A maior vila impressa do mundo está quase pronta na cidade de Georgetown, no Texas. Seu nome é Wolf Ranch. Vila impressa? Sim, as cem casas de Wolf Ranch foram impressas em 3D por meio de uma tecnologia que está revolucionando a maneira como se constrói uma casa. A companhia líder Icon resumiu assim as vantagens da casa impressa: “A obra é mais rápida, menos cara, requer menos operários e minimiza o desperdício de material de construção”.
O Wolf Ranch é o primeiro condomínio do mundo construído inteiramente com a tecnologia 3D.
É difícil desligar as palavras “impressão” e “papel”. Mas as casas do Wolf Ranch não são de cartolina. As impressoras são basicamente grandes robôs que preenchem formas de paredes e tetos com um tipo especial de concreto. Tijolos não são mais necessários.
O vídeo a seguir (em inglês), da empresa americana Alquist, deixa bem claro como as paredes são desenhadas e construídas, como um bolo de 150 camadas.
Uma das vantagens das impressoras é que, uma vez programadas, elas trabalham sem parar, 24 horas por dia, sete dias por semana. E, claro, não param para almoçar nem para dormir.
Isso quer dizer que o avanço tecnológico vai tirar também o emprego dos trabalhadores de construção? Uma possível resposta é que esse tempo ainda não chegou. Impressoras 3D fazem construções baixas, ainda são incapazes de levantar um edifício de 40 andares.
É provável que um dia a construção civil seja lembrada como uma das atividades mais insalubres e perigosas a sobreviver no século 21. Os trabalhadores da área vão deixar de ficar pendurados em andaimes respirando cimento e se dedicarão a planejar impressões em computadores e calcular misturas de materiais para paredes.
Imprimindo no Brasil
A primeira máquina brasileira de impressão de casas foi projetada por uma startup de Brasília chamada InovaHouse3D. Em julho de 2020 outra startup, a 3DHomeConstruction, construiu a primeira casa feita com impressora 3D no Brasil. A casa-piloto foi construída na cidade de Macaíba, no Estado do Rio Grande do Norte, como um projeto de graduação da Universidade Potiguar.
Hoje, uma impressora (com área maior que uma casa) custa entre R$ 690 mil e R$ 850 mil. Segundo matéria da Revista Crusoé, a impressora tem a capacidade de “levantar todas as paredes de uma casa de 70 metros quadrados em três dias. Além disso, pode construir seis casas simultaneamente, 24 horas por dia”. O levantamento das paredes é feito automaticamente, com a supervisão de duas pessoas.
Um caso exemplar dessa nova tecnologia aconteceu em Nova Lima, subúrbio de Belo Horizonte. A obra foi realizada pelas empresas Cosmos 3D e o Grupo Katz, com uma impressora de três toneladas, segundo o site ACidade ON. O material usado foi o microconcreto.
A construção em si custou cerca de R$ 120 mil. Mas esse preço não inclui outras instalações obrigatórias, como as redes de luz, água e esgoto. O imóvel tem 57 metros quadrados, com sala, banheiro, cozinha e dois quartos.
“O processo de impressão, montagem e acabamento dessa casa futurista levou oito dias”, segundo a matéria do ACidade ON. “Quatro dias foram dedicados à impressão em si, seguidos de dois para a montagem e mais dois para os toques finais. Mesmo com essa tecnologia avançada, a obra não dispensa a necessidade de uma fundação adequada.”
Luxo e paredes curvas
Como fica uma casa em 3D finalizada? Ela é muito prática para construir, mas depois de pronta dá o mesmo conforto que uma casa convencional?
O próximo vídeo (também em inglês) mostra o interior de um dos modelos de luxo construídos pela Icon na Califórnia. Um dos destaques são as muitas possibilidades de paredes curvas, facilitadas pela nova tecnologia.
Outro exemplo de aplicação de paredes curvas é o Project Milestone, uma casa-modelo construída em Eindhoven, na Holanda. Seus 24 módulos foram pré-construídos e montados no terreno. Com um isolamento extrarreforçado, a casa consegue ser altamente capacitada em economia de energia. Foi vendida em 2021 para um casal de holandeses.
A primeira casa é impressa
Segundo o site Built In, o material utilizado nas paredes não é o nosso tradicional “reboco”. A tecnologia permite muitas outras opções, como “areia e polímeros especiais, ou biorresinas como solo, argila e farinha de madeira, que é uma serragem fina misturada com um aglutinante à base de milho”.
Com tantas possibilidades, a tecnologia de impressão 3D deve não só ficar mais barata com o tempo como também mais adaptada às condições específicas de cada localidade. Já existem, por exemplo, casas projetadas especificamente para regiões de furacões e tornados (resistentes a ventos de 400 quilômetros por hora) e outras que protegem contra incêndios em áreas florestais.
Vários projetos estão sendo realizados para casas muito populares, destinadas inclusive a pessoas que não têm onde morar. O jornal New York Post fez uma matéria com um “sem-teto crônico”, que nunca teve uma casa em seus 70 anos de vida. E sua primeira residência já foi construída com a tecnologia de impressão 3D nas proximidades de Austin, Texas, dentro do programa Community First.
Construindo na Lua
A empresa Icon pensa em tecnologia de construção um passo além. Eles desenvolveram novos hardwares já pensando na tecnologia 3D. Precisam de novos designs e novas funções.
A Vulcan é uma impressora gigante, capaz de montar casas inteiras no local da construção. Ela foi desenhada para se deslocar rapidamente de terreno em terreno e printar diretamente no solo. A Icon usa um software chamado BuildOS, que concentra praticamente todo o sistema de criação e planejamento.
Um guindaste não pode mais ser um grande gancho motorizado. Com a impressão 3D, deve se tornar um grande braço robótico para injetar os materiais escolhidos onde são necessários. É o caso do Phoenix, da Icon, que reimagina o design do guindaste para moldar as partes superiores das construções.
A Icon está tão na vanguarda dessa tecnologia que já ganhou da Nasa um prêmio de US$ 57,2 milhões para desenvolver o primeiro projeto de construção 3D na Lua. Eles estão planejando suas futuras obras já prevendo o uso de material encontrado na Lua.
E já existe um projeto para a primeira habitação a ser construída em Marte, desenhada pela empresa internacional de arquitetura Bjarke Ingels Group (BIG).
‘Em todos os cenários o processo é mais rápido’
O Brasil tem um imenso mercado potencial para casas de impressão 3D. Só não deslanchou de vez ainda pela razão de sempre no Brasil — burocracia. Ainda não temos uma normatização específica para essa área. Mesmo assim, a atividade está crescendo.
Conversamos com Sergio Chapochnicoff, CEO da maior empresa brasileira do setor, a 3DPrintek, com sede em Caxias do Sul (RS). Confira.
Há quanto tempo existe a 3DPrintek? Vocês foram pioneiros no Brasil?
Nós começamos o desenvolvimento em dezembro de 2022, em parceria com um escritório de engenharia da Rússia. Somos a primeira fábrica de impressora com casas produzidas para moradia.
Quanto uma casa impressa é mais barata que uma convencional?
O conceito de casa impressa é muito amplo. Você pode construir uma casa com um desenho bem complexo e deixá-la com um preço mais competitivo que a alvenaria tradicional. Ou a máquina pode produzir uma quantidade de casas ao mesmo tempo com poucas pessoas e muito mais rápido. Pode ser mais econômico, mas os ganhos são muito maiores do que apenas a economia no valor dos materiais.
Quão mais rápida é sua construção em relação a uma casa convencional?
O tempo de execução vai depender da complexidade do desenho da obra ou da qualidade das casas a serem construídas. Mas em todos os cenários o processo é mais rápido.
Uma casa de vocês tem o mesmo nível de isolamento ao som e ao calor que uma residência tradicional?
A nossa tecnologia contempla o uso de um concreto similar ao celular para preenchimento das paredes. Isso traz um conforto térmico e acústico maior em comparação à alvenaria tradicional.
Como é feito o controle do processo via tablet?
O arquiteto faz o projeto em qualquer software e depois passa para o da máquina. Que pode estar em um tablet, computador ou até smartphone.
As casas são todas térreas, ou é possível pensar em mais andares?
Temos dois modelos de máquinas. A S7 imprime até um andar com 120 metros quadrados. E temos o modelo S8, que imprime dois andares, com 390 metros quadrados cada.
Já existe tecnologia para a impressão de edifícios?
Pela informação que temos, já estão sendo construídos prédios de três andares.
No caso de uma crise, como a das recentes chuvas aí no Rio Grande do Sul, é possível realizar uma produção de casas de emergência?
É possível construir paredes em um pavilhão e levá-las até os terrenos para montar as casas, o que demanda um pouco de mais mão de obra. Nesse caso, seriam casas permanentes, e não provisórias.
Qual é a proporção de operários necessários para uma casa impressa em relação a uma casa convencional?
Quando falamos em casa impressa, falamos em paredes. Para as paredes de uma casa, com parte elétrica e hidráulica, são necessárias duas ou três pessoas. Bem menos que na alvenaria tradicional.
Em que pontos do Brasil a 3DPrintek já atuou?
Começamos a vender nossos equipamentos em junho deste ano, em São Paulo.
Quais são os preços de um modelo S8 e de um modelo S7?
Os valores são de R$ 750 mil para a máquina S7 e R$ 950 mil para o modelo S8.
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Excepcional
Excelente matéria, acho que a primeira que li na Oeste este segmento.
Sou adepto da construção americana, wood (madeira frame e steel (aço) frame. Mas esta tendência 3D tem potencial de crescimento.
Dagomir, os seus artigos sobre tecnologia, cultura, dentre outros assuntos são realmente muito bons. Gostei muito deste texto sobre casas feitas em impressoras 3D. Parabéns.