Uma série de incêndios atingiu áreas rurais de dezenas de municípios no interior do Estado de São Paulo entre os dias 23 e 25 de agosto. Cidades como Ribeirão Preto — uma das capitais do agro brasileiro — ficaram cobertas pela fuligem preta que caía do céu. Grande parte das áreas atingidas é de plantações de cana-de-açúcar. Por desinformação, houve quem acreditasse que os agricultores eram os culpados pelo desastre — nada mais distante da realidade. A regra no setor canavieiro paulista moderno é combater o fogo — e nunca usá-lo.
Combater as chamas é tão fundamental para os produtores que as usinas de açúcar e álcool mantêm 10,5 mil brigadistas espalhados pelo Estado para situações de emergência. Isso equivale a pelo menos um brigadista para cada 400 hectares de plantação. Além disso, o setor conta com quase 2 mil caminhões-pipa para serem usados ao menor sinal de fumaça.
Luciano Rodrigues, diretor de Inteligência da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica), explica que a colheita no Centro-Sul do Brasil (porção formada pelas Regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul) é praticamente toda mecanizada. “Se tem incêndio é porque aconteceu algum acidente ou alguma prática criminosa”, explica.
Produtividade cai, preços sobem
Tarcísio de Freitas, governador do Estado de São Paulo, estima que as chamas do último fim de semana causaram um prejuízo total de R$ 1 bilhão, somando o estrago nos diversos tipos de lavouras. A Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil (Orplana) acredita que a queima dos canaviais resultou na perda de R$ 500 milhões. Por volta de 80 mil hectares de cana-de-açúcar foram incendiados. Isso equivale a 2% da área dedicada à cultura no território paulista.
José Guilherme Nogueira, CEO da Orplana, já espera o impacto na produção e nos preços para o consumidor. De acordo com o executivo, a queda na produtividade das plantas incendiadas pode chegar a 50%. “Com isso, já temos impactos diretos nos preços do etanol e do açúcar e no canavial do próximo ciclo”, diz.
O perigo do triplo 30
A Polícia Civil apura se o desastre tem origem criminosa. Uma das linhas de investigação aponta para a facção Primeiro Comando da Capital (PCC). O ato seria uma retaliação pelas perdas infligidas ao bando de criminosos com o desmantelamento de postos de combustíveis usados pelo grupo para lavar dinheiro sujo.
De acordo com Tarcísio, o PCC possui 1,1 mil postos de gasolina espalhados por todo o país e iniciou a aquisição de uma usina de etanol — o álcool usado como combustível para os carros. Até o fechamento desta edição, sete pessoas foram presas por envolvimento com a autoria das queimadas em São Paulo.
Um homem de 42 anos detido em Batatais (SP) afirmou inicialmente ser membro da facção. Ele ateou fogo à vegetação de um bairro da cidade. Junto ao criminoso, a polícia encontrou gasolina e um isqueiro. Nesse caso específico, contudo, o vínculo com o grupo foi descartado.
“Nas investigações que fizemos, a partir, por exemplo, do telefone, não há comunicação com a facção”, informou o governador. De modo geral, o setor canavieiro aguarda as investigações para elucidar a questão.
Uma variável, entretanto, contribuiu para o alastramento do fogo: a condição conhecida como “triplo 30”. O fenômeno é a conjunção de três fatores: umidade relativa do ar abaixo de 30%, temperatura acima de 30 °C e ventos acima de 30 km/hora. Por fim, um ponto chama a atenção: o fato de os incêndios começarem no mesmo dia, em horários próximos.
Os locais atingidos pelas chamas estão espalhados por pelo menos 11 das 19 regiões administrativas de São Paulo. A lista inclui mais 25 municípios.
O agronegócio conseguiu eliminar completamente o uso da queima da palha de cana-de-açúcar em 2017
A virada de chave
No passado, o uso das chamas chegou a ser prático. A ausência de uma tecnologia adequada levava à necessidade de queimar a palha da cana-de-açúcar para facilitar o corte e até mesmo proteger os trabalhadores envolvidos de animais peçonhentos, como cobras, escorpiões e aranhas.
Em 2007, porém, um memorando de intenções assinado por representantes do setor junto ao governo estadual estabeleceu, através do Protocolo Agroambiental, a erradicação da queima. Inicialmente, o prazo ia até 2031. O agronegócio entendeu a missão e acelerou os investimentos. Como resultado, conseguiu eliminar completamente o uso da queima da palha em 2017.
A virada de chave provocou um impacto altamente positivo. A mão de obra que era empregada no corte da cana não foi abandonada. Cerca de 400 mil trabalhadores passaram por requalificação e hoje estão em atividades menos desgastantes que o corte manual sob o sol quente. Muitos deles, antes chamados de boias-frias, viraram operadores de máquinas modernas e passam o dia em cabines com ar-condicionado e tecnologia de última geração.
O fogo como ferramenta acabou
O documento assinado em 2007 deu origem a um novo tratado em 2017: o Protocolo Etanol Mais Verde. Ele consolida e antecipa algumas metas estabelecidas no primeiro acordo.
Rodrigues lembra que as usinas do Estado de São Paulo adiantaram os compromissos de forma voluntária: “A Legislação previa o término da queima nas áreas mecanizáveis em 2021, e o setor conseguiu antecipar essa mudança já em 2014. Assim, faz uma década que houve a abolição da queima nas áreas onde é possível colher com máquinas. Nas áreas onde ainda ocorre o corte manual, a legislação previa o fim em 2031, e o protocolo trouxe para 2017”.
De acordo com a Unica, as adaptações com os protocolos assumidos vão muito além das queimadas. Em meio às mudanças, houve, por exemplo, a recuperação de 8,2 mil nascentes e 250 mil hectares de matas ciliares — aquelas das margens de cursos d’água, como os rios.
O consumo de água nas safras também despencou de 5 metros cúbicos por tonelada de cana para 0,7 metro cúbico. Com os avanços, o órgão estima um corte na emissão de gases como o carbono equivalente às emissões de 214 mil ônibus circulando por um ano.
Em sete anos, o setor reorganizou todo o sistema de produção. Com tantas mudanças, o fogo como ferramenta nos canaviais paulistas é um passado remoto. O sistema atual conquistou tanta credibilidade dentro e fora do Brasil que é desnecessária a existência de um selo ambiental para o produto livre de queimada da palha. A técnica, simplesmente, não existe mais.
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Aqui no Nordeste, infelizmente, ainda se vê constante a queima da cana.
O Brasil e o mundo atual estão repleto de “especialistas” de todos os matizes.
Se o “especialista” for de esquerda o desastre está completo.
Nasci e morei na roça e ainda tenho parentes que dedicam sua vida de sol-a-sol ao agro. Quando criança lembro de áreas que eram preparadas para o cultivo com fogo.
Nossas ferramentas para o trabalho da terra resumiam-se a foice, arado de tração animal, enxada e rastelo com produtividade muito baixa. A EMBRAPA que nem todos os brasileiros conhecem foi o divisor de águas para o avanço do país no desenvolvimento de modernas técnicas de cultivo.
Hoje máquinas de alta tecnologia, sementes selecionadas, técnicas de manejo do solo, assistência técnica e melhoria no nível educacional do trabalhador do campo tornaram o país a potência mundial dos dias atuais.
Excelente reportagem! Parabéns!
Além do que a própria Única ou associações do setor alegam, o repórter fez uma verificação independente? Existe alguma evidência mais sólida do PCC envolvido com as queimadas? Existe alguma outra linha de apuração da polícia? Se sim, quais seriam e quais as evidências apresentadas? Esse texto, infelizmente, me pareceu muito mais relações públicas do agro de SP do que matéria jornalística.
Mesmo que seja “relações públicas “ do Agro , as informações são importantes e esclarecem muito. Esse governo movido pelo ódio junto com seus asseclas está envolvido nesses incêndios sim. Foram planejados e executados ao mesmo tempo.