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Robert F. Kennedy Jr. e o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, em um comício de campanha em Glendale, no Arizona (23/8/2024) | Foto: Gage Skidmore/Zuma Press Wire/Shutterstock
Edição 233

Um democrata e um republicano unidos pela América

A batalha pela liberdade de expressão tornou-se um dos pilares centrais dessa surpreendente aliança entre Robert F. Kennedy Jr. e Donald Trump

Ana Paula Henkel
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“Eu não deixei o Partido Democrata. O Partido Democrata me deixou.” A famosa frase dita por Ronald Reagan em um discurso em 1962 o acompanhou durante toda a sua trajetória como homem público e representante do Partido Republicano. Esse momento é frequentemente citado como um ponto de inflexão na vida política de Reagan, marcando sua transição de um social-democrata para um conservador. Ao longo da década de 1960, Reagan tornou-se um defensor proeminente do conservadorismo e dos princípios republicanos, culminando em sua eleição como o 40º presidente dos Estados Unidos, em 1980.

Exatos 62 anos depois, a mesma frase agora é repetida por um dos maiores herdeiros políticos dos Estados Unidos e dono de um dos nomes mais proeminentes da história americana: Robert Fitzgerald Kennedy Jr. — RFK Jr. ou simplesmente Bobby Kennedy. RFK é filho de Robert F. Kennedy e sobrinho de John F. Kennedy. Ou seja, parte da “realeza” da política ianque. 

Bobby Kennedy, filho de Robert F. Kennedy e sobrinho de John F. Kennedy | Foto: Shutterstock

A família Kennedy exerce uma importância significativa na história dos Estados Unidos, representando tanto ambição política quanto serviço público. Desde o início do século 20, eles emergiram como uma dinastia política americana proeminente, com sua influência enraizada em riqueza, serviço à nação e um compromisso com ideais sociais. Joseph P. Kennedy, o patriarca, estabeleceu as bases para o legado da família através de seu sucesso nos negócios e de nomeações políticas estratégicas. Sua ambição de ver seus filhos alcançarem grandes posições na política americana foi o ponto de partida para o que se tornaria uma das famílias mais influentes da história do país.

John F. Kennedy, o 35º presidente dos Estados Unidos, simbolizou uma nova era de liderança americana com sua energia jovem, carisma e visão de futuro. Sua administração, muitas vezes chamada de “Camelot”, foi marcada por eventos significativos, como a Crise dos Mísseis de Cuba, a criação dos Soldados da Paz e o compromisso com a exploração espacial. A liderança de JFK durante a guerra fria ajudou a moldar a política externa dos EUA e a solidificar o papel do país no cenário global. Seu trágico assassinato, em 1963, amplificou ainda mais seu legado, com muitos vendo sua presidência como um momento de potencial não realizado.

Além de JFK, a família Kennedy continuou a exercer considerável influência na política e na cultura americanas. Robert F. Kennedy, como procurador-geral e posteriormente candidato à Presidência, tornou-se um defensor dos direitos civis e da (real) justiça social. Seu assassinato, em 1968, interrompeu outra carreira política promissora, consolidando ainda mais o sentimento de perda e tragédia em torno dos Kennedys. O mais jovem dos irmãos, Ted Kennedy, serviu como senador dos EUA por quase 50 anos, defendendo a reforma da saúde, a educação e os direitos dos trabalhadores, deixando um legado legislativo duradouro.

A importância da família Kennedy para os Estados Unidos vai além da política. Eles incorporaram as aspirações de uma nação, refletiram seus desafios e deixaram um legado de serviço público, defesa de direitos e liderança que continua a inspirar gerações.

John F. Kennedy, o 35º presidente dos Estados Unidos, simbolizou uma nova era de liderança americana com sua energia jovem, carisma e visão de futuro | Foto: Wikimedia Commons

Robert F. Kennedy Jr. seguiu os passos de sua família, concentrando seus esforços em causas públicas, especialmente na área ambiental. Como advogado e ativista ambiental, RFK Jr. foi um defensor fervoroso da conservação ambiental, particularmente em questões relacionadas à água potável. Seu trabalho lhe rendeu respeito e reconhecimento generalizados. No entanto, em anos mais recentes, ele foi se distanciando do Partido Democrata, base política da família.

A recente aliança entre Robert F. Kennedy Jr. e Donald Trump assustou os caciques democratas por representar uma convergência surpreendente entre duas figuras políticas que, apesar de virem de tradições e origens diferentes, encontraram terreno comum em certos temas. O apoio de Bobby a Trump surpreendeu muitos, especialmente por causa do legado histórico da família Kennedy dentro do Partido Democrata. RFK Jr. tem se alinhado cada vez mais a Trump em questões como o ceticismo em relação ao establishment político, a desconfiança da grande mídia e a oposição a determinadas políticas governamentais, incluindo a forma como o governo lidou com crises de saúde pública, como a covid-19.

Essa parceria entre RFK Jr. e Trump nasce de uma crítica compartilhada ao que chamam de “deep state” e à influência de instituições elitistas sobre a política americana. Ambos se posicionaram como outsiders, lutando contra os poderes estabelecidos. A oposição vocal de RFK Jr. aos mandatos de vacinação e à supervisão governamental na área da saúde encontrou eco na base de apoio de Trump, que também se mostra cética em relação à intervenção do governo e ao que percebe como excessos de poder. Embora RFK Jr. tenha vindo de uma família democrata renomada, suas posições recentes o aproximaram dos movimentos anti-establishment, que Trump personificou durante sua presidência — exatamente por beber na fonte de políticas públicas de Ronald Reagan.

A recente aliança entre Robert F. Kennedy Jr. e Donald Trump também é profundamente enraizada em uma preocupação compartilhada sobre a censura nos Estados Unidos, o que os aproximou politicamente. Ambos expressaram uma oposição veemente ao que veem como uma crescente ameaça à liberdade de expressão no país, especialmente em relação ao controle exercido por grandes empresas de tecnologia, a mídia tradicional e o governo. RFK Jr. e Trump têm criticado o que consideram a supressão de vozes dissidentes e o controle da narrativa pública por parte de elites que, segundo eles, censuram deliberadamente opiniões contrárias ao mainstream. Os brasileiros entendem muito bem disso.

Kennedy tem sido um crítico firme das restrições impostas às discussões públicas, particularmente no contexto das políticas de saúde e do debate sobre as vacinas. Ele argumenta que plataformas digitais, como redes sociais, silenciaram vozes críticas a essas políticas, impedindo um debate aberto e transparente. Trump, por sua vez, também enfrentou censura direta, como quando foi banido de várias redes sociais durante seu mandato presidencial e após os eventos de 6 de janeiro de 2021. Ambos os líderes veem essas ações como exemplos de uma campanha mais ampla para suprimir a liberdade de expressão, não apenas no cenário político, mas também em questões de saúde pública e de outras áreas de interesse público.

A recente aliança entre Robert F. Kennedy Jr. e Donald Trump assustou os caciques democratas por representar uma convergência surpreendente entre duas figuras políticas | Foto: Wikimedia Commons

Essa preocupação comum com a censura os uniu em uma luta para restaurar o que acreditam ser o direito fundamental dos americanos de se expressarem livremente, sem medo de represálias ou exclusão das plataformas públicas. Para ambos, essa questão transcende as divisões partidárias e políticas tradicionais, tornando-se um princípio central de sua aliança. Eles argumentam que a censura não só distorce o debate público, mas também enfraquece a democracia americana, impedindo que as pessoas ouçam diferentes perspectivas e tomem decisões informadas.

Assim, a união de Trump e RFK Jr. em torno do combate à censura destaca uma visão compartilhada de que a liberdade de expressão está em risco nos Estados Unidos. Eles se posicionam como defensores da transparência e do direito ao discurso livre, unindo forças em um momento em que percebem que vozes críticas estão sendo silenciadas em nome da conformidade política e social. Essa batalha pela liberdade de expressão tornou-se um dos pilares centrais dessa surpreendente aliança, que desafia as normas políticas tradicionais e mobiliza eleitores de diferentes espectros em torno de uma causa comum.

O apoio de Robert F. Kennedy Jr. a Donald Trump causou um impacto significativo no cenário político, diminuindo o entusiasmo em torno da Convenção Democrata. O anúncio inesperado desviou a atenção de muitos eleitores e da mídia, que tradicionalmente se concentrariam nos discursos e nos temas abordados pelos democratas. Kennedy, com seu sobrenome associado à longa história de liderança democrata nos Estados Unidos, quebrou as expectativas ao se alinhar a Trump, um ex-presidente republicano. Esse movimento criou uma onda de choque naqueles que esperavam uma narrativa unificada e forte durante a convenção. Em vez disso, o endosso de Kennedy atraiu parte do foco e abriu uma brecha dentro do partido, enfraquecendo o clima de coesão.

A aliança de Kennedy com Trump também destacou divisões ideológicas dentro do Partido Democrata. Muitos viram essa postura como um sinal de que alguns eleitores, até mesmo aqueles com laços históricos com a tradição democrata, estão se afastando da atual direção do partido que segue a guinada para a extrema esquerda. O endosso público de Kennedy foi amplamente discutido nas manchetes, obscurecendo as mensagens centrais da convenção e capturando a atenção de eleitores independentes e insatisfeitos com a liderança democrata que abandonou bandeiras do passado, como a preocupação com a economia, para dar ênfase a políticas identitárias e toda a lista de bobagens da agenda woke. Esse movimento não apenas diminuiu o “buzz” da Convenção Democrata, mas também levantou questões sobre o impacto no longo prazo dessa aliança incomum nas eleições futuras e na própria identidade do Partido Democrata.

A aliança de Kennedy com Trump também destacou divisões ideológicas dentro do Partido Democrata | Foto: Reuters/Go Nakamura

John F. Kennedy, tio de RFK Jr. e o 35º presidente dos Estados Unidos, é frequentemente lembrado por sua liderança carismática e alguns ideais progressistas da época. No entanto, ao se examinarem suas políticas e princípios, revela-se um alinhamento notável com vários valores centrais do Partido Republicano contemporâneo. A presidência de JFK foi marcada por uma combinação de pragmatismo econômico, forte defesa nacional e anticomunismo —elementos que ressoam fortemente com as prioridades republicanas atuais.

Uma das realizações mais notáveis de Kennedy foi seu foco no crescimento econômico através da reforma tributária. Em 1961, ele propôs uma redução significativa nos impostos de renda, argumentando que cortes nos impostos estimulariam o investimento e a atividade econômica. Essa abordagem, encapsulada na Lei de Recuperação Econômica de 1964, reflete a ênfase atual dos republicanos em cortes de impostos como meio para impulsionar o desempenho econômico e apoiar o crescimento dos negócios. A crença de Kennedy nos benefícios da redução das taxas de imposto alinha-se de perto com as políticas econômicas republicanas modernas, que advogam por estratégias fiscais semelhantes para promover a prosperidade.

A postura firme de Kennedy em relação à segurança nacional e defesa destaca ainda mais seu potencial alinhamento com o Partido Republicano. Seu manejo da Crise dos Mísseis de Cuba e seu compromisso em conter a influência soviética foram fundamentais para manter a segurança dos EUA durante a guerra fria. Essa postura anticomunista e sua ênfase na força militar são consistentes com as prioridades republicanas contemporâneas, que valorizam a defesa nacional robusta e uma política externa proativa. A abordagem estratégica de JFK para as relações internacionais e seu foco em manter um exército poderoso alinham-se com a atual ênfase republicana em segurança e defesa.

Reagan e Kennedy representam o dilema universal de indivíduos que, ao longo do tempo, encontram a essência dos ideais em que acreditavam desfigurada por mudanças impostas pelos reis do globo

Ao refletir sobre a trajetória política de Ronald Reagan e Robert F. Kennedy Jr., a frase “Eu não deixei o Partido Democrata. O Partido Democrata me deixou” ressoa com uma perspectiva profunda sobre a transformação política. Reagan, em 1962, expressou um sentimento de desilusão com a mudança de direção do Partido Democrata, sentindo que ele havia se afastado dos princípios que uma vez o atraíram. Décadas depois, Robert F. Kennedy Jr., com seu apoio a Donald Trump e suas críticas à atual liderança do partido, ecoa um sentimento similar de desconexão com o que o Partido Democrata se tornou — uma mistura da bobajada de ESG, DEI e um bando de porcaria fabricada por desmiolados com a vida ganha, mamando no Estado ou com seus jatinhos em Davos nos dizendo o que podemos comer.

A frase de Reagan agora repetida por Kennedy é mais do que a simples constatação de mudança partidária; ela reflete uma introspecção filosófica sobre a natureza da política e dos ideais. Ambos expressam a frustração de ver um partido mudar de maneiras que contradizem suas próprias crenças e valores fundamentais. Reagan e Kennedy representam o dilema universal de indivíduos que, ao longo do tempo, encontram a essência dos ideais em que acreditavam desfigurada por mudanças impostas pelos reis do globo.

No grande palco da política, onde partidos e ideais dançam ao ritmo das mudanças, do dinheiro e do poder, a verdadeira lição é que o que realmente nos une não é a lealdade a uma etiqueta, mas a fidelidade aos valores que nos definem. Assim, como estrelas que uma vez brilharam em constelações agora distantes, Reagan e Kennedy nos lembram que, ao longo das eras, a busca por um espaço onde nossos princípios permanecem intactos é uma jornada constante, refletindo a eterna verdade de que, enquanto partidos mudam, nossos valores são o verdadeiro norte que guia nossa alma — e sustenta nações.

John F. Kennedy e Ronald Reagan | Foto: Reprodução/Redes Socais

Leia também “Os limites da democracia”

12 comentários
  1. Diniz Linhares
    Diniz Linhares

    Parabens Ana. Excelent texto.

  2. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Muito bom, Ana.

  3. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Se desde 1961 a redução de impostos atrai investimentos e consequentemente crescimento econômico, porque hoje mais 60 anos isso mudaria? Claro que o objetivo é destruir o Brasil através do comunismo

  4. Luiz Antônio Alves
    Luiz Antônio Alves

    É uma pensa que a gente não pode participar do debate. O trump deveria perguntar para kamala se ela sabe que o exérrcito brasileiro fará operações integradas com a marinha chinesa no atlÇantico. Treinamento para lutar contra que inimigo?

  5. NILSON OCTÁVIO
    NILSON OCTÁVIO

    A crise é de ausência de valores. Como recuperar isso? Ênfase na família.

  6. MB
    MB

    Escreve sempre bem, Ana!

  7. Osvaldo Pasqual Castanha
    Osvaldo Pasqual Castanha

    Perfeito artigo! Eu vivo dizendo aos esquerdistas e à cultura woke: Deixe estar jacaré, um dia a lagoa há de secar. E acredito que isso não está longe de ocorrer. Destaco o trecho: “Uma das realizações mais notáveis de Kenedy foi seu foco no crescimento econômico através da reforma tributária. Em 1961 ele propôs uma redução significativa nos impostos de renda argumentando que cortes nos impostos estimulariam os investimentos e a atividade econômica.”
    A qui o Taxade está fazendo o oposto, aumentando os impostos, para cobrir as benesses do governo e de seus cupinchas.
    E por fim : “…onde nossos princípios permanecem intactos é uma jornada constante, refletindo a eterna verdade de que, enquanto partidos mudam, nossos valores são o verdadeiro norte que guia nossa alma – e sustenta nações.”

  8. MARCOS ANTÔNIO FREITAS BRANDÃO
    MARCOS ANTÔNIO FREITAS BRANDÃO

    EU COMO CITIZEN E REPUBLICAN IREI VOTAR OUTRA VEZ EM TRUMP

  9. MARCOS ANTÔNIO FREITAS BRANDÃO
    MARCOS ANTÔNIO FREITAS BRANDÃO

    EU COMO CITIZEN E REPUBLICAN IREI VOTAR OUTRA VEZ EM TRUMP

  10. Elizabeth RRio
    Elizabeth RRio

    Atenção: o F de Robert F. Kennedy NÃO É Fitzgerald.
    É FRANCIS

    1. Emilio Sani
      Emilio Sani

      bem observado, o Fitzgerald é tão mais conhecido devido a JFK que acabamos por ‘esquecer’, na realidade confundir

  11. Elias José de Souza
    Elias José de Souza

    Muito bom, parabéns pelo belo Artigo, Ana.

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