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Israelenses em luto prestam homenagens a Yagev Buchshtab, um dos seis reféns cujos corpos foram recuperados do cativeiro em Gaza e levados a Israel em uma operação militar, em seu funeral no Kibutz Nirim, sul de Israel, em 21 de agosto de 2024 | Foto: Florion Goga/ Reuters
Israelenses prestam homenagens a Yagev Buchshtab, um dos seis reféns cujos corpos foram recuperados do cativeiro em Gaza e levados a Israel em uma operação militar, em seu funeral no kibutz Nirim, no sul de Israel (21/8/2024) | Foto: Florion Goga/Reuters
Edição 233

O braço terrorista da ONU

Israel inicia ação para que a UNRWA, criada em 1949 para prover assistência exclusiva aos refugiados palestinos, seja completamente desmobilizada

Miriam Sanger
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Com o objetivo de trabalhar pela paz e pela cooperação internacional, a Organização das Nações Unidas (ONU) foi criada em outubro de 1945. Cerca de quatro anos depois, surgia a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA). O embate entre Israel e esse braço da ONU não é novo. Mas atingiu seu pico de tensão na atual guerra entre Israel e o Hamas. 

A UNRWA foi criada após a Guerra da Independência de Israel, ocorrida entre maio de 1948 e julho de 1949. O conflito foi deflagrado depois do ataque conjunto dos exércitos do Egito, da Síria, do Iraque, da Jordânia, do Líbano e da Arábia Saudita, inconformados com a Partilha da Palestina imposta pela ONU, que objetivou a divisão do território, até então controlado pela Inglaterra, entre judeus e árabes. O conflito, vencido por Israel, provocou o exílio de cerca de 700 mil árabes palestinos. 

Embora criada para atuar temporariamente no apoio ao reassentamento desses refugiados, a UNRWA continua até hoje em atividade em Gaza e na Cisjordânia, além do Líbano, Síria e Jordânia, países que ainda mantêm campos de refugiados palestinos. Cerca de 13 mil dos 30 mil funcionários da agência atuam em Gaza, e praticamente todos são habitantes locais. 

Na divisão de atribuições, o Hamas responde pela segurança, enquanto a UNRWA atua em todos os aspectos relacionados à saúde, ao bem-estar e à educação no local. Em resumo: é responsável por toda a rede de hospitais, escolas e universidades — justamente as instituições que, acusa Israel, tornaram-se centros de terror do Hamas.

Sucessivos governos de Israel denunciam, há décadas, o papel da organização na promoção do ódio e da violência entre os palestinos contra seus vizinhos judeus, principalmente por meio do sistema educacional. Nos livros didáticos, por exemplo, Israel não consta nos mapas. 

Na atual guerra, no entanto, o país comprovou que a violência não se restringe ao papel. Por meio de imagens colhidas na invasão do Hamas no dia 7 de outubro de 2023, está documentada a participação de funcionários da UNRWA no ataque que resultou em 1,2 mil mortes, 3,7 mil feridos e 251 reféns israelenses e estrangeiros. Destes, 101 permanecem em poder dos terroristas.

Campanha israelense contra a UNRWA

Frente a essa comprovação, Israel iniciou uma campanha internacional cujo slogan é “UNRWA educando terroristas desde 1949”, a qual Mara Kronenfeld, chefe da UNRWA-EUA, criticou na mídia internacional na última semana. Segundo ela, “Israel está realizando uma campanha de desinformação que busca desmantelar a UNRWA”.

Em notificação oficial, o Ministério do Exterior israelense afirmou que “o Hamas infiltrou-se tão profundamente na UNRWA que já não é possível determinar onde a instituição termina e o grupo terrorista começa. Mais de 2,1 mil funcionários da organização são membros do Hamas ou da Jihad Islâmica Palestina, e um quinto dos administradores das escolas gerenciadas pela UNRWA são membros do Hamas”. No mesmo comunicado, o ministério ressaltou o número significativo de palestinos anti-Israel e terroristas que receberam sua educação por meio do sistema da UNRWA na Faixa de Gaza e na Cisjordânia. 

O ataque de 7 de outubro foi abertamente comemorado em um grupo no Telegram formado por 3 mil professores da UNRWA.

Cerca de 3 mil professores da UNRWA celebram o massacre do Hamas em Israel, no dia 7 de outubro de 2023, em um grupo de Telegram | Foto: Reprodução

Depois da invasão do exército israelense a Gaza há 11 meses, foi revelada a impressionante infraestrutura de terror construída no território. Cerca de 500 quilômetros de túneis servem como abrigo e passagem subterrânea para terroristas e veículos motorizados, além de abrigar centros de controle e depósitos de armamentos. 

O acesso para esses túneis encontra-se justamente nas instalações civis gerenciadas pela UNRWA, as quais são também utilizadas como base para o lançamento de mísseis contra o território israelense. Em fevereiro, as Forças de Defesa de Israel (FDI) localizaram o data center do Hamas sob a sede da UNRWA em Gaza City, como é denominada a maior cidade do território. 

Os ataques militares de Israel a essas instalações têm provocado repúdio internacional.

Na invasão a Rafah, cidade fronteiriça com o Egito, as FDI localizaram e destruíram dezenas de imensos túneis que ligam Gaza ao território egípcio, capazes de permitir o tráfego de carros e caminhões. Israel está segura de que essa é a principal rota de contrabando de armamentos para a Faixa de Gaza, o que explica a insistência do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, em manter o controle dessa fronteira. 

Essas descobertas levaram o Parlamento israelense a aprovar preliminarmente, em julho de 2023, uma lei que classifica a UNRWA como organização terrorista. 

Cartaz em protesto contra a ONU: “Educando terroristas desde 1949” | Foto: Divulgação
Agência exclusiva para palestinos

Refugiados palestinos são a única população do mundo a contar com uma agência exclusiva da ONU, a qual atende todos os demais refugiados do mundo através do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). 

No entanto, a UNRWA segue um parâmetro diferente do adotado pelo ACNUR ao garantir o mesmo status de refugiados aos descendentes deles. Isso explica o fato de sua contagem ter saltado de centenas de milhares de deslocados para os atuais 5 milhões alegados — e é para essa população que é pleiteado o direito de retorno a Israel (e não apenas a um futuro território palestino), criando um dos principais entraves para a efetiva formação de um Estado Palestino. 

É importante ressaltar que há evidências de que esses números não refletem a realidade, e um dos exemplos vem do Líbano. No primeiro censo de refugiados palestinos realizado no país em 2017, foram contabilizadas 175 mil pessoas, bem longe dos quase 470 mil apontados pela UNRWA. O próprio primeiro-ministro libanês à época, Saad Al-Hariri, declarou à mídia local que “esses números são inflados por motivos políticos”. 

A trajetória palestina também se diferencia quando comparada com outros deslocamentos humanos da história, como por exemplo o resultante da Guerra da Coreia. “Aquele conflito gerou cerca de 3,5 milhões de refugiados e, para atendê-los, a ONU criou a Agência de Reconstrução Coreana das Nações Unidas (UNKRA). Em poucos anos, todos foram realocados com sucesso, e a UNKRA foi desmobilizada”, descreve o analista geopolítico israelense Ben-Dror Yemini em seu livro Indústria de Mentiras

Participação no massacre

O exército israelense apresentou evidências em vídeo — a partir de imagens captadas pelos invasores — da participação de 12 empregados da UNRWA no ataque de 7 de outubro. Depois do setor de inteligência coletar informações por meio de outros recursos, como documentos encontrados em corpos de terroristas mortos, Israel divulgou um dossiê com a identidade de 190 funcionários que atuaram como combatentes do Hamas. Também denunciou que cerca de 10% de todos os seus empregados — 1,3 mil pessoas — são afiliados ao Hamas ou à Jihad Islâmica. 

A UNRWA se prontificou a investigar as acusações, e o resultado foi publicado em seu site: ela aceitou as evidências contra apenas 19 pessoas, e considerou suficientes as comprovações do envolvimento de dez.

Entre outras provas coletadas há, por exemplo, imagens registradas por um sistema de segurança de Israel que mostra o assistente social Faisal Ali Mussalem Al-Naami colocando em seu veículo o corpo do israelense Yonatan Samerano. Em uma gravação telefônica, o professor Yousef al-Hawajar comemorou: “Capturei uma sabaya”, termo usado por jihadistas que significa “escrava sexual”. Ambos eram funcionários registrados na UNRWA.

YouTube video

“Questionar a atuação da UNRWA é tocar no coração do problema israelo-palestino”, afirma a analista israelense Einat Wilf, graduada em Harvard com Ph.D. em ciências políticas em Cambridge e autora de sete livros sobre o tema.

Segundo ela, a UNRWA permitiu que fosse embutida no sistema de educação uma cultura doentia que está mantendo as últimas três gerações no limbo. “Os palestinos não conseguem se desenvolver como nação, uma vez que lhes é ensinado que seu único objetivo de vida é ‘libertar a Palestina do rio ao mar’ [Israel está localizado entre o Rio Jordão e o Mar Mediterrâneo], slogan repetido também em países ocidentais”, observa Einat. “A UNRWA colabora efetivamente para que os palestinos se recusem a aceitar a criação de Israel.”

Doações bilionárias

Impressionam os volumes de doações recebidas pela UNRWA. Mais de 70 governos e organizações doaram US$ 1,17 bilhão em 2022 e US$ 1,46 bilhão em 2023. Na lista de maiores doadores estão os Estados Unidos, a Alemanha, a União Europeia e a França.

No início de 2024, logo depois das denúncias feitas por Israel contra a UNRWA, houve uma suspensão desses fundos. Os EUA lideraram a iniciativa e foram seguidos por outros 16 países. A medida foi, no entanto, temporária e, a partir de março, a maioria deles anunciou a retomada das doações.

“Os palestinos vivem em total pobreza em todos os lugares que habitam”, afirma a advogada israelense Nitsana Darshan-Leitner, presidente do Israel Law Center, ONG de direitos civis criada para defender Israel na arena jurídica. “A questão não é a falta de fundos, mas a corrupção e o uso dessas verbas para alimentar o terror.” O patrimônio estimado em US$ 11 bilhões de Ismail Haniyeh, líder do Hamas assassinado em 31 de agosto, exemplifica sua afirmação. Um adendo interessante: desse montante, US$ 3 bilhões estão depositados em bancos na Turquia. Após a morte de Haniyeh, seus herdeiros exigiram de Recep Tayyip Erdoğan, presidente do país, que esse dinheiro fosse transferido para eles — o que foi recusado.

Combate nos tribunais de Justiça

Nitsana usa a lei para combater o terror. Entre as ações que conduz desde o início da guerra está a ação judicial em nome de 8 mil cidadãos israelenses na Corte Distrital de Colúmbia, nos Estados Unidos, contra a Secretaria de Estado norte-americana, por violar as leis antiterrorismo ao fornecer bilhões de dólares em doações à UNRWA.

Ela também conduz uma ação internacional contra o Comitê Internacional da Cruz Vermelha representando 24 reclamantes israelenses, no valor de US$ 2,8 milhões. “Buscamos uma ordem judicial que exija que a organização faça seu papel de visitar os reféns, fornecer medicamentos e garantir que não estejam sendo torturados ou estuprados.”

Até hoje, a Cruz Vermelha não visitou nenhum refém israelense e, há poucos dias, o Hamas divulgou o assassinato de seis reféns.

 Segundo Nitsana, cada processo tem dois componentes, sendo o primeiro deles compensação financeira. “O dinheiro não pode reviver os mortos, mas traz a sensação de compensação e de justiça”, diz. “Além disso, força a mudança de conduta do acusado.” Em função dos processos conduzidos por ela contra bancos internacionais — como o American Express Bank ou o Bank of China —, eles são agora obrigados a recusar a abertura de contas que possam ter conexão com o financiamento ao terrorismo. Suas ações já resultaram em mais de US$ 200 milhões em indenizações.

Quem cuidará dos palestinos?

Em meio à atual crise humanitária em Gaza, discute-se a moralidade de exigir justamente agora o desmantelamento da UNRWA. Mas, segundo a opinião da maioria dos analistas internacionais em Israel, é preciso começar a preparar uma transição. 

Para Yemini, a ACNUR deve assumir essa função, “mesmo sabendo que esse processo levará anos”. Já Nitsana defende a criação de outro organismo internacional, a ser administrado pela Arábia Saudita ou pelos Emirados Árabes, por exemplo. “É preciso que a futura entidade lute por algum tipo de normalização, de forma que israelenses e palestinos possam viver lado a lado”, acredita. “Se quisermos que os palestinos tenham uma vida normal, é preciso retirar todos os fatores negativos de campo — e a UNRWA é o primeiro deles.”

Fotos memoriais de reféns sequestrados durante o ataque de 7 de outubro a Israel pelo Hamas, em Tel-Aviv, Israel | Foto: Florion Goga/Reuters

Leia também “A vida em meio à guerra”

6 comentários
  1. Themis Regina França Koteck
    Themis Regina França Koteck

    Excelente artigo. Muito esclarecedor ..

  2. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Impressiona o volume de recursos para este grupo vindo dos EUA.

  3. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Esse organismo, ONU, já deveria ter sido extinto há muito tempo. Não serve para nada e ainda fica atrapalhando quem quer de fato fazer alguma coisa.

  4. Carlos Edinei Fernandes Raya
    Carlos Edinei Fernandes Raya

    Dinheiro das nações financiando o terrorismo. A própria ONU também tem que ser revista.

  5. Dario Palhares
    Dario Palhares

    Boa parte disso é que nas Américas, o jus solis é totalmente naturalizado, mas no Velho Mundo ainda persiste o jus sanguinis. A Europa ainda mistura um pouco dos dois, mas o Oriente Médio, não. ‘Refugiados palestinos’ nascidos na década de 1950 em diante revelam o óbvio: que a solução ao problema passaria pelo reconhecimento de cidadania por parte desses países. Mas é como Olavo revela: o Islamismo é um projeto imperial de séculos, e os Palestinos são apenas inocentes úteis.

  6. Jaime ary Molchansky
    Jaime ary Molchansky

    Excelente trabalho, um diagnóstico esclarecedor e fundamentado .

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