Pular para o conteúdo
publicidade
Ilustração: Shutterstock
Edição 234

A ciência do humor

Dar risada tem método, faz bem para a saúde, amplia o círculo de amizades. Mas há quem não goste

Dagomir Marquezi
-

Um paciente entrega os resultados de seus exames ao médico.
E então, doutor? É grave? Corro risco de morte?
O médico olha os exames, com cara preocupada.
Sinto muito dar a notícia. Mas seu estado é muito grave.
Eu daria a você no máximo uns dez…
Dez o quê, doutor? Dez anos? Meses? Semanas?!
O médico então olha para seu relógio.
— Dez… nove… oito… sete…

A piada mais engraçada do mundo

A revista The New Yorker republicou neste mês um artigo de 2002, quase um tratado sobre o humor. O artigo fala de um estudo do professor Richard Wiseman, um famoso psicólogo britânico, em busca da piada mais engraçada do mundo.

A ideia já havia sido levantada em 1969, pelo grupo britânico de humor Monty Python. Eles fizeram uma esquete sobre alguém que supostamente tinha escrito a piada mais engraçada do mundo. Era tão boa, mas tão boa, que, assim que foi criada, seu autor literalmente morreu de rir da própria piada.

Sua mãe foi ver o que tinha acontecido, leu a piada e também morreu. O policial que atendeu ao caso, a mesma coisa. Tiveram que esconder o papel num cofre. Como isso se passa no tempo da Segunda Guerra, as Forças Armadas britânicas decidem então usar a piada como arma para matar soldados alemães. Soldados ingleses berravam pelo megafone a piada num alemão fajuto. Os soldados de Hitler caíam na gargalhada e morriam aos montes.

Isso foi um quadro de humor. Mas o doutor Richard Wiseman pesquisou a questão a sério. Procurou de verdade qual seria a piada mais engraçada do mundo. Chegou a criar um site chamado LaughLab (“laboratório da risada”) para colecionar piadas enviadas por usuários. Em 2002 ele tinha juntado 40 mil piadas, das quais dois terços ele não teve coragem de expor ao público. 

(As piadas reproduzidas aqui foram traduzidas do acervo do LaughLab.)

***

Um homem encontra outro, que está acompanhado por um cachorro bem grande. O primeiro pergunta:

Seu cachorro morde?

Não, meu cachorro não morde.

O primeiro homem vai confiante fazer um cafuné no cachorrão e tem sua mão arrancada fora por uma mordida.

Mas você disse que seu cachorro não mordia!

Esse não é meu cachorro.

***

Ilustração: Shutterstock

Debi Gutierrez, que virou a assistente do doutor Wiseman, costuma ler essas e outras piadas para plateias de voluntários. O cientista anota o grau de entusiasmo provocado por cada anedota enviada por pessoas de dezenas de países. Inventaram inclusive um “risadômetro” para medir as reações do público de forma mais científica.

Gutierrez lembra que nem sempre a piada precisa ser contada. Certa vez ela foi para o palco e disse: “Dois gays e um anão entraram num bar…”. O público quase caiu no chão por quatro longos segundos de gargalhadas. (Uma risada de quatro segundos é considerada uma medalha de ouro para os humoristas. Em média, costuma durar dois segundos.)

Naquele momento mágico, cada um naquela plateia imaginou a cena descrita com apenas oito palavras e se deu ao direito de rir. E sem a presença de um patrulheiro woke em sua mente. Foram “dois gays e um anão”, mas poderiam ser “dois machões e um juiz de futebol”, ou “duas lésbicas e um encanador”. Qualquer combinação esdrúxula entre dois iguais e um diferente vai semear nossa imaginação com imagens bizarras.

***

Duas vacas conversam. A primeira diz:

Muuuu.

A segunda responde:

Eu ia dizer a mesma coisa.

***

A glória súbita

Aristóteles já estudava o mecanismo da risada no século 4 antes de Cristo. Infelizmente, seus escritos a respeito se perderam. Thomas Hobbes, autor do clássico Leviatã, descreveu em 1651 a risada como uma “glória súbita” pela descoberta de um poder próprio ou “pela apreensão de alguma coisa deformada em outros”.

A propósito, anões e corcundas eram astros de peças cômicas na Idade Média. Se fosse anão e corcunda, mais “engraçado” ainda. Isso era considerado normal. A tragédia de Quasimodo, o “Corcunda de Notre Dame”, se baseia nesse costume. O filósofo e cientista francês Blaise Pascal (1623-1662) definiu o humor assim: “Nada produz mais risada do que a desproporção entre o que alguém espera e o que essa pessoa vê”. 

Sigmund Freud dedicou um livro inteiro ao estudo do humor (O Chiste e sua Relação com o Inconsciente, de 1905). Segundo a Enciclopédia Britânica, no livro “Freud explora os mecanismos das piadas e do humor, comparando o processo ao trabalho dos sonhos. Ele sugere que as piadas têm uma natureza dupla, sendo conscientemente elaboradas e inconscientemente reveladoras. Freud argumenta que o poder do humor está na liberação de impulsos inconscientes, que podem ser agressivos ou sexuais por natureza”.

Capa do livro O Chiste e sua Relação com o Inconsciente, de Sigmund Freud | Foto: Reprodução

***

Dois caçadores estão no meio do mato, e um deles desmaia. O outro pega o celular e liga para o serviço de emergência:

Meu amigo morreu! O que eu faço?

O atendente responde:

Fique calmo, eu posso ajudar. Em primeiro lugar, certifique-se de que ele esteja realmente morto.

O operador espera um tempo de silêncio e ouve um tiro. O outro caçador volta a falar:

OK, o que mais?

‘Contrações musculares esqueléticas espasmódicas’

O estudo do doutor Wiseman concluiu que a maioria das piadas que ele recebeu segue quatro modelos típicos: “1) alguém tenta bancar o esperto e se dá mal; 2) maridos e mulheres mal-amados; 3) médicos insensíveis com a morte iminente; e 4) Deus cometendo um erro”.

Qual é a razão para que esses sejam os temas favoritos? Aqui, voltamos ao doutor Sigmund Freud. Estamos no território nebuloso e indecifrável do inconsciente humano. 

Mas, afinal, o que nos faz dar risada? O artigo da New Yorker mostra que a maneira como processamos o humor ainda é um mistério. Através de estímulos em pontos específicos do cérebro é possível fazer uma pessoa chorar ou sorrir. Mas é praticamente impossível fazer uma pessoa rir com esse método.

Trocadilhos são processados no lado esquerdo do córtex cerebral. Piadas mais complexas são processadas no lado direito e disparam atividades eletrônicas em outras regiões.

A risada em si é assim descrita cientificamente pelo artigo: “A diversão inicia a ação coordenada de 15 músculos faciais, começando com o levantar das sobrancelhas e uma série de contrações dos músculos dos olhos e bochechas conhecidas como ‘resposta surpresa’. O que se segue são contrações musculares esqueléticas espasmódicas, batimento cardíaco acelerado e respiração rápida. O diafragma se contrai em movimentos clônicos que crescem e depois diminuem”.

A risada é uma forma fácil de provocar prazer instantâneo em outras pessoas. Funciona como um pequeno orgasmo da mente

Ilustração: Roman Samborskyi/Shutterstock

***

Um professor e dois assistentes encontram a lâmpada de Aladim. Esfregam, o gênio sai da lâmpada e diz que vai atender um desejo de cada um.

Eu quero ir para as Bahamas pilotar um jet ski com uma mulher deliciosa de topless na garupa! — diz o primeiro assistente.

E… puft! O primeiro assistente some. O segundo assistente se apressa:

Eu quero ir para o Havaí pegar um sol tomando uma cerveja e praticando surfe!

E puft! O segundo some. O gênio pergunta ao professor:

E o senhor, o que deseja?

Eu quero esses dois de volta ao trabalho no laboratório logo depois do almoço.

***

Santo remédio

A risada é uma forma fácil de provocar prazer instantâneo em outras pessoas. Funciona como um pequeno orgasmo da mente. É um momento em que pedimos licença aos nossos problemas e curtimos alguns segundos de “contrações musculares esqueléticas espasmódicas”.

Se você entrar num bar ou restaurante, provavelmente vai ouvir muitas risadas. Algumas, exageradas. Rir e fazer os outros rirem é o modo mais curto e imediato de aceitação social.

“Rir é importante para a saúde mental, pois libera serotonina e endomorfina”, declarou a doutora Silvia Cury, gerente do Serviço de Psicologia do HCor. “São substâncias que trazem a sensação de bem-estar, prazer e alegria, diminuindo o risco de doenças psicossomáticas, como depressão, ansiedade e estresse.”

E mais: segundo o cardiologista Abrão Cury, “quando você sorri, seu fluxo sanguíneo aumenta, auxiliando no controle da pressão arterial e protegendo contra ataques cardíacos e outros problemas cardiovasculares”.

***

Duas senhoras, amigas há décadas, estão jogando cartas. Uma delas diz, constrangida:

Nos conhecemos há tanto tempo… Não fique brava comigo, mas esqueci completamente o seu nome! Você pode por favor me lembrar como você se chama?

A outra senhora deposita as cartas na mesa e dá um suspiro:

Você tem muita pressa para saber isso?

***

Quem tem medo do humor?

Os tiranos.

Artigo de Srdja Popovic e Mladen Joksic para a revista Foreign Policy conta um fato acontecido no auge da guerra civil nos Bálcãs. Popovic e Joksic pertenciam a um bem-humorado grupo sérvio pró-democracia chamado Otpor. Eles colocaram um latão de óleo numa das esquinas mais movimentadas de Belgrado. No latão, grudaram uma foto do temido ditador Slobodan Milosevic. Ao lado do latão, deixaram um bastão de beisebol. O grupo então foi tomar um café e ver o que acontecia.

Logo havia uma fila de cidadãos esperando a vez para dar um sarrafo no retrato de Milosevic. Todo mundo queria se divertir um pouco depois de anos de terror e mortes. Meia hora depois, chegou a polícia. Dando um desfecho perfeito à piada, os policiais prenderam… o latão.

Foto: Reprodução/Redes Sociais

“Revolução é coisa séria”, escreveram Popovic e Joksic para a Foreing Policy. “Basta lembrar as caras carrancudas de revolucionários do século 20, como Lenin, Mao, Fidel e Che.” Um bom exemplo disso também são os aiatolás tiranos do Irã, que aparentemente nunca sorriram na vida. E colocaram a alegria fora da lei em seu país.

Na ultrarrepressiva Rússia de Vladimir Putin, um grupo de gozadores da Sibéria resolveu fazer um protesto só de bonecos. Miniaturas do Toy Story, Barbies, ursinhos de pelúcia, todos com cartazes contra a ditadura. Sim, os bonequinhos foram presos, e futuros protestos usando brinquedos foram banidos. Atualmente, Putin tem que se preocupar com memes em que ele grasna como um pato.

Xi Jinping transformou um meme em caso de segurança de Estado. Uma inocente montagem o comparava ao personagem Pooh, que os brasileiros conhecem como Ursinho Puff. Por alguma razão, a comparação do líder chinês com um ursinho fofinho deixou o ditador abalado. 

O governo definiu o meme como “um sério esforço para minar a dignidade do trabalho presidencial e do próprio Xi”. Um exército de censores a serviço do Partido Comunista Chinês imediatamente começou a apagar os memes de toda a internet do país. O ursinho virou a imagem mais censurada de todos os tempos na China. A proibição fez com que virasse um símbolo de resistência ao regime.

Mas nenhuma dessas histórias parece ser mais absurda do que o caso de um juiz brasileiro que censurou 22 milhões de brasileiros com uma canetada ao suspender uma rede social em todo o país.

Assim que o X/Twitter nos for devolvido, poderemos postar boas piadas sobre esse fato.


@dagomir
dagomirmarquezi.com

Leia também “Os 30 anos de Friends

9 comentários
  1. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Ótimo artigo. Parabéns. Recomendo a quem se interessar a leitura do livro O Nome da Rosa. Tem tudo a ver com o texto do Dagomir Marquezi. Como o riso incomoda os tiranos.

  2. Mirian Guimarães
    Mirian Guimarães

    Muito bom!! 😄😄

  3. Nilza Helena Costa Oliveira
    Nilza Helena Costa Oliveira

    Faca a Ciência do Humor 2. Precisamos rir mais e semore com você.

  4. Paulo Ricardo
    Paulo Ricardo

    Como o final do artigo deixa claro, o país hoje não está para brincadeira. Mas o texto consegue oferecer um intervalo bem-humorado a quem lê. E mostra, com exemplos, por que o tradicional humor britânico é tão famoso.
    A título de colaboração, segue uma anedota tirada de um livro chamado “Platão e um ornitorrinco entram num bar…”, que aborda a filosofia por meio de piadas:
    -Um homem diz a um amigo: “Acho que minha mulher está ficando surda, e queria verificar se o caso é grave, mas ando sem dinheiro para levá-la a um médico”. O amigo responde: “Faça você mesmo um teste. Quando chegar em casa, sem que ela veja você, diga alguma coisa, primeiro de longe, depois cada vez mais perto, até ela responder. Assim você poderá avaliar a gravidade do problema”.
    O homem gostou da idéia, e assim que chegou em casa gritou da porta da rua: “Querida, cheguei. Que temos para jantar?” Não houve resposta, e ele repetiu a pergunta, primeiro do meio da sala, depois da porta da cozinha, onde ela, de costas, estava junto ao fogão, e finalmente bem de perto, quase falando ao ouvido dela: “Querida, que temos para jantar?” Ela então se virou para ele e disse: “Pela quarta vez, frango!”

    1. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
      Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

      kkkkk

  5. Herbert Gomes Barca
    Herbert Gomes Barca

    u
    a propósito uma piada das antigas rss
    o que tem em incomum entre Frei Galvão e Galvão Bueno !??

    um acha que é Santo o outro tem certeza que é Deus !!

  6. Herbert Gomes Barca
    Herbert Gomes Barca

    ótimo artigo !! muito bom Dagô essa
    todas as piadas descritas são engraçadas e confesso que até consegui rir !!

    já a última das histórias, é uma piada de mau gosto !!

  7. Francisco de Assis Bonfati
    Francisco de Assis Bonfati

    Muito bom!!
    Rindo (para não 😭) até 2026!

  8. Georgs Rozenfelds
    Georgs Rozenfelds

    Não consegui abrir o texto! CENSURA?

Anterior:
Liberdade fatiada
Próximo:
Aviões movidos a mostarda
Newsletter

Seja o primeiro a saber sobre notícias, acontecimentos e eventos semanais no seu e-mail.