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O relacionamento entre Nicolás Maduro e Luiz Inácio Lula da Silva está degradado, com direito a alfinetadas | Montagem: Revista Oeste/Reuters
Edição 234

Maduro dá uma banana para o Brasil

Lula tenta blindar Nicolás Maduro depois da fraude eleitoral na Venezuela, e recebe alfinetadas como agradecimento

Rachel Díaz
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Nos últimos meses, a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva aparenta estar despencando entre seus aliados de longa data. Um dos primeiros a soltar a mão de Lula foi o ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, que rompeu as relações diplomáticas com o Brasil.

Seguindo o exemplo de Ortega, o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, também tem dado indícios de que sua amizade com Lula está abalada. A relação entre eles vem da afinidade de Lula e do PT com o regime de Hugo Chávez, antecessor de Maduro e símbolo da “resistência bolivariana”.

Em 2013, durante a campanha para a “eleição” de Maduro, o petista gravou um vídeo em apoio à campanha presidencial do venezuelano, que havia assumido — de forma interina — o comando do país depois da morte de Chávez. Na época, Lula disse que Maduro foi “essencial” para a construção de uma América Latina “mais democrática e solidária”. 

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Dez anos depois, quando reassumiu o poder, Lula fez vários elogios a Maduro. Chamou a Venezuela de “democracia” e recebeu o ditador com honrarias de chefe de Estado no Brasil. A recepção foi descrita pelo próprio petista como um “momento histórico”.

Já neste ano, em meio à controvérsia da fraude eleitoral na Venezuela, Lula se esquivou de perguntas relacionadas a Maduro e chegou a afirmar que não via “nada de anormal” no pleito. Apesar dos esforços de Lula para manter um bom relacionamento com o ditador, acontecimentos recentes expõem que as relações diplomáticas entre o Brasil e a Venezuela passam por momentos de tensão.

Em 7 de setembro, a ditadura venezuelana decidiu unilateralmente retirar do Brasil a custódia da Embaixada da Argentina em Caracas. O Brasil havia assumido a responsabilidade pela embaixada depois do rompimento diplomático entre o governo de Javier Milei e a Venezuela (na prática, era como se o Brasil representasse os interesses da Argentina no país). Antes da ação, o local foi cercado por agentes de Maduro.

O avanço de Maduro contra o Brasil levou a uma reunião de emergência no Itamaraty. Depois de algumas horas, o Ministério das Relações Exteriores afirmou que só deixaria a custódia da embaixada argentina se outro país fosse designado para assumir a função.

Desde o incidente, Lula participou de vários compromissos oficiais. Ele não falou dos impasses com a ditadura venezuelana. O silêncio do petista pode ser explicado pelos comentários recentes do ditador sobre o Brasil.

Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, e Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil, durante reunião em Brasília (29/5/2023) | Foto: Ricardo Stuckert/PR

Um chá de camomila

As alfinetadas de Nicolás Maduro contra Lula começaram em julho, depois de Lula afirmar que ficou “assustado” com as declarações sobre um “banho de sangue” na Venezuela. No dia 17 daquele mês, o ditador afirmou que o país seria palco de uma “guerra civil” caso ele não fosse reeleito. 

Na mesma ocasião em que falou sobre sua suposta “preocupação”, Lula também disse que já havia “alertado” Maduro sobre a importância de ter um “processo eleitoral respeitado e transparente”.

“Eu já falei para o Maduro duas vezes, e o Maduro sabe, que a única chance de a Venezuela voltar à normalidade é ter um processo eleitoral que seja respeitado por todo o mundo […] Ele tem que respeitar o processo democrático”, afirmou Lula

O “susto” de Lula não foi bem recebido por Maduro. Em 23 de julho, o ditador afirmou — sem citar o petista — que quem se sentiu assustado com sua declaração deveria tomar uma providência. “Que tome um chá de camomila”, disse Maduro, durante discurso. “Eu não disse mentiras. Apenas fiz uma reflexão. Quem se assustou que tome um chá de camomila.”

No mesmo discurso, Maduro criticou o processo eleitoral brasileiro e questionou a confiabilidade das urnas eletrônicas. Ele chegou a afirmar que, no Brasil, as atas de votação não são auditáveis, alegando que o sistema adotado na Venezuela seria “superior”, já que a população tem acesso às atas

“Em que outra parte do mundo fazem isso?”, perguntou. “Nos Estados Unidos? O sistema eleitoral é auditável? No Brasil? Não auditam nenhuma ata. Na Colômbia? Não auditam nenhuma ata”, afirmou o venezuelano

O último elogio de Maduro a Lula foi feito em 2 de agosto, quando o ditador classificou a nota conjunta de Brasil, Colômbia e México como “muito boa”. O comunicado, interpretado como uma estratégia para “dar tempo” a Maduro, não reconhecia nem refutava sua “vitória” nas eleições.

Maduro criticou o sistema eleitoral brasileiro, afirmando que o da Venezuela é “superior”, por permitir auditoria das atas de votação | Foto: Wikimedia Commons

Diplomatas brasileiros assumiram a custódia da Embaixada da Argentina em Caracas, onde estão opositores do regime chavista, um dia antes dos elogios de Maduro. Para preservar a simpatia do ditador, os representantes de Lula obedeceram à ordem de retirar a bandeira do Brasil, que havia sido hasteada ao assumir a custódia.

Já em 30 de agosto, em meio a declarações ambivalentes por parte de Lula, Maduro reclamou de uma suposta tentativa de interferência no resultado das eleições venezuelanas e disse que “não se meteu” no pleito de 2022 no Brasil, onde Lula foi declarado vencedor na disputa contra Bolsonaro. 

No início de setembro, o ditador rejeitou participar de uma reunião com o petista e os presidentes da Colômbia e do México. O encontro teria como foco principal a crise pós-eleitoral na Venezuela.

A provocação mais recente de Maduro a Lula ocorreu em 9 de setembro, quando a ditadura chavista anunciou uma parceria com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Durante um pronunciamento, o ditador afirmou que, ao contrário do Brasil, a Venezuela tinha um “movimento dos trabalhadores com terra, e não sem terra”. Lula não fez comentários sobre a declaração do “aliado”.

Lula tenta agradar todo mundo

Mesmo com o histórico de apoio a Maduro, as declarações feitas por Lula depois do anúncio da “vitória” do ditador foram classificadas como “ambivalentes”. O petista também foi pressionado por figuras importantes da comunidade internacional.

Apesar de seu histórico de apoio a Maduro, a imprensa classificou as declarações de Lula após a “vitória” do ditador como ambíguas, e ele foi pressionado por líderes internacionais | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Em editorial publicado em 13 de agosto, o jornal Estadão disse que a postura “ambivalente” de Lula prejudica a imagem do Brasil, visto que o líder não se posicionou claramente a favor de Maduro nem denunciou a fraude eleitoral de julho.

Na época, o veículo mencionou a nota positiva do PT à “reeleição” de Maduro, que o partido classificou como uma “demonstração de democracia”. Embora líderes do PT, como Gleisi Hoffmann, tenham reafirmado esse posicionamento, Lula alinhou-se a outros países com líderes de esquerda e “pediu” a divulgação das atas eleitorais, sem realizar colocações contundentes.

Para o Estadão, essa atitude serviu de pretexto para sustentar a indisfarçável simpatia do presidente Lula pelo regime bolivariano. Também em agosto, o ex-presidente da Costa Rica Óscar Arias, ganhador do Nobel da Paz, afirmou que Lula estava errado em relação à crise na Venezuela. 

Tais posicionamentos ocorreram depois de uma série de declarações inconsistentes de Lula. Além da nota emitida pelo PT, o Itamaraty publicou, em 29 de julho, uma nota afirmando que o Executivo brasileiro “saudava o caráter pacífico da jornada eleitoral na Venezuela”. 

O comunicado, no entanto, ignorava a explosão de manifestações ocorrida depois de o regime chavista declarar Maduro como vencedor. Cerca de 1,8 mil pessoas foram presas durante os protestos contra a repressão da ditadura, e 27 morreram.

Depois da nota do Itamaraty, Lula afirmou que o processo eleitoral no país controlado pelo chavismo era “normal e tranquilo”. Ao justificar sua fala, o petista disse que a “briga” entre a oposição e Maduro deveria ser resolvida na Justiça, que também é administrada pela ditadura.

“Como vai resolver essa briga? Apresenta a ata”, disse o presidente, em entrevista a uma emissora afiliada da TV Globo. “Se a ata tiver dúvida entre a oposição e a situação, a oposição entra com recurso. E vai esperar na Justiça […] Estou convencido de que é um processo normal, tranquilo [sic].”

Na época, a oposição liderada por María Corina Machado compilou e disponibilizou as atas de votação em um site. Segundo o partido Vente Venezuela, Edmundo González, principal oponente de Maduro, teria obtido mais de 70% dos votos válidos, enquanto o Conselho Nacional Eleitoral anunciou que Maduro “ganhou” com 51% dos votos. Análises independentes confirmaram que as atas fornecidas pela legenda de María Corina e Edmundo têm 99,97% de chance de serem autênticas.

Uma semana depois da declaração de Lula, o esquerdista Gabriel Boric, presidente do Chile, mandou uma indireta para o petista e disse que contava com ele para “construir uma esquerda que respeite e faça respeitar os direitos humanos em qualquer lugar”. Boric questionou os resultados proclamados pelo regime chavista e afirmou que era “difícil” acreditar na “vitória” de Maduro.

Depois da pressão de atores internacionais, Lula mudou de postura e passou a defender “novas eleições” na Venezuela. Em 15 de agosto, o presidente afirmou que ainda “não reconhecia” a “vitória” de Maduro e declarou que o ditador “devia explicações” ao mundo. Lula também sugeriu que, se Maduro tivesse “bom senso”, deveria formar um comitê suprapartidário para organizar novas eleições. Além disso, na mesma entrevista, alegou que as relações com Maduro estavam “deterioradas”.

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A ideia de um novo pleito foi inicialmente sugerida por Celso Amorim, assessor de Assuntos Especiais da Presidência, mas gerou críticas tanto de María Corina Machado quanto de Nicolás Maduro. Quinze dias depois da declaração de Lula, Maduro respondeu dizendo que “não havia se metido” nas eleições de 2022 no Brasil.

Apesar de não conseguir agradar nem a comunidade internacional nem seu amigo de longa data, Lula declarou em uma entrevista em 6 de setembro que, embora rejeite o resultado das eleições na Venezuela, não considera o rompimento de relações com Maduro uma opção. Segundo ele, essa medida “prejudicaria o povo”.

Futuro incerto

Até o fechamento desta reportagem, não havia indícios de que outro país assumiria a custódia da Embaixada da Argentina. Desde o ocorrido em 7 de setembro, o Itamaraty não fez novo pronunciamento sobre o assunto. Lula também não rebateu as declarações de Maduro e permanece quieto diante dos novos avanços do “camarada”.

Em 11 de setembro, apoiadores de María Corina Machado se reuniram em frente à Embaixada do Brasil em Caracas, pedindo que Lula interceda pelos presos políticos da ditadura venezuelana. Segundo o Vente Venezuela, o protesto apelava à “solidariedade” do povo brasileiro pela libertação desses prisioneiros.

Leia também “A vida de luxo do casal Lula e Janja”

4 comentários
  1. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Lula é mais do mesmo.
    Ainda age como se estivesse fazendo discurso em cima de carroceria de caminhão no ABC.

  2. Daniel BG
    Daniel BG

    É, o governo “Lula 3” está tentando superar o “Lula 2”. Na nossa história, junto com nomes do STF, TSE, presidentes da Câmara e do Senado e do Centrão os governos Lula vão fazer parte da explicação da sujeira, espoliação e corrupção no Brasil.

  3. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Tanto lá, como cá, a mesma tática da maquininha do TSE, com os mágicos 51%.

  4. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Esse filho de Satã que governa o Brasil jogou o país na latrina do mundo com sua política externa da canalhice.

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