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Foto: Shutterstock
Edição 236

Diploma de atraso

Pesquisa mostra que um terço dos americanos não confia mais no ensino universitário. No Brasil, a questão nem é discutida

Dagomir Marquezi
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A capa de uma das últimas edições da revista Newsweek mostra um tradicional “capelo” (o chapeuzinho preto achatado que os formandos ganham no dia da formatura) jogado num lixo. O título da matéria pode ser livremente traduzido como “Diploma em dúvida”. E o subtítulo: “Por que os americanos perderam a fé na faculdade”.

Para os americanos, a questão é muito séria. Uma formação universitária pode gerar uma dívida de US$ 100 mil, fora os juros. Pais pagam uma fortuna para colocar seus filhos nas melhores universidades. Quando ligam no telejornal, descobrem que os jovens não estão estudando, mas passando seus dias em barraquinhas apoiando os terroristas do Hamas. Ou perseguindo judeus pelo campus como nos tempos da Alemanha hitlerista.

Capa da revista Newsweek com a matéria intitulada “Diploma em dúvida” | Foto: Divulgação

Os números que levaram a Newsweek a produzir essa matéria foram revelados em julho pelo instituto Gallup em pesquisa nacional. Em 2014, 57% dos americanos estavam realmente interessados numa educação universitária e confiavam na educação superior. Dez anos depois, esse número caiu para 36%. Em 2014, apenas 10% dos entrevistados declararam ter “pouca ou nenhuma confiança” nas faculdades. Agora esse número mais que triplicou e chegou aos 32%.

Entre os que responderam “pouca ou nenhuma confiança”, 41% deram como principais razões para sua avaliação o fato de as universidades serem “muito esquerdistas” e tentarem “doutrinar” ou “lavar o cérebro” dos estudantes. Além disso, 37% dos entrevistados disseram que as universidades não estão ensinando coisas importantes para a vida profissional. 

O potencial sucesso

Na matéria, muitos pais dizem que preferem que seus filhos tenham mais experiência de vida “arrumando um emprego, procurando um treinamento vocacional, iniciando um negócio ou fazendo serviço comunitário”. 

Muitas companhias americanas (incluindo as de tecnologia de ponta) estão dispensando o diploma da universidade e aceitando o certificado de high school — o nosso ensino médio. Segundo pesquisa da Intelligent (uma empresa equivalente ao cursinho vestibular no Brasil), um terço das 750 empresas pesquisadas não exige mais o diploma universitário para a entrada na empresa. 

Estudante universitário | Foto: Shutterstock

Huy Nguyen, um dos diretores da Intelligent, resumiu a questão para a matéria da Newsweek: “A mudança de tendência mostra um maior reconhecimento de que habilidades práticas, experiência de trabalho no mundo real e habilidade de autoeducação podem avaliar melhor um potencial sucesso em muitos postos de trabalho do que quatro anos de educação formal numa universidade”. Com isso, empresas “ganham acesso a uma quantidade maior e mais diversificada de talentos”. 

Existe um lado negativo também. Segundo o Escritório de Estatísticas do Trabalho dos Estados Unidos, empregados sem diploma universitário tendem a ganhar cerca de 65% a menos do que os diplomados. É preciso lembrar que estamos no meio de uma enorme mudança. Essa grande diferença de patamar provavelmente diminuirá naturalmente no mercado de trabalho.

Educação em tempos de IA

A mais antiga universidade foi fundada em 1088 na cidade de Bolonha, no norte da Itália. De maneira geral, estabeleceu um modelo de educação que dura até hoje. Universidades são instituições geralmente difíceis de aceitar mudanças. Elas geralmente são geridas por uma casta de educadores encastelados em títulos, diplomas e certificados de mestrado. 

A popularização da inteligência artificial gerou pavor em muitos desses setores. As primeiras reações foram as de sempre: proibir, vetar, controlar, banir. Mas o pânico é inútil. A IA já chegou à educação para ajudar quem quiser ser ajudado.

Biblioteca da Universidade de Bolonha, na Itália | Foto: Wikimedia Commons

A seguir, algumas das possibilidades já em uso da IA na educação:

  • Aprendizado adaptativo: um instrumento para individualizar o ensino. Plataformas como o DreamBox e o Knewton monitoram o desempenho dos estudantes em tempo real, ajustando automaticamente o conteúdo e o ritmo de aprendizado para melhor atender cada aluno.

  • Tutoria inteligente: sistemas como o Carnegie Learning e o Squirrel AI oferecem suporte personalizado, semelhante a um tutor humano. Esses sistemas utilizam IA para identificar as áreas em que o aluno tem mais dificuldade. E fornece explicações adicionais ou exercícios práticos para preencher essas necessidades. Esses tutores virtuais podem responder às perguntas dos alunos em tempo real.

  • Análise preditiva: plataformas educacionais estão utilizando IA para analisar grandes quantidades de dados dos alunos e prever quais deles podem ter dificuldades. Ao identificar essas tendências antes que os problemas se tornem críticos, professores e administradores podem intervir mais cedo, ajudando os alunos a superar os desafios.

  • Aprendizagem de idiomas: várias ferramentas, como o Duolingo, utilizam IA para ajudar os alunos a aprender novos idiomas. Mas se você usar o Google Tradutor ou o ChatGPT a barreira da língua simplesmente desaparece, como se não tivesse existido. Não depender da língua nativa é um dos mais poderosos instrumentos de conhecimento que podem existir.

  • Avaliação automatizada: todos conhecemos a imagem do professor indo para casa com uma pilha gigante de provas a serem corrigidas manualmente, uma por uma. Sistemas como o Gradescope usam IA para corrigir automaticamente exames e trabalhos. Esses sistemas conseguem avaliar rapidamente grandes volumes de dados, fornecendo feedback imediato para os alunos. A correção automática de testes, redações e outros tipos de trabalho economiza tempo — e permite que os professores se concentrem mais no ensino em si.

  • Realidade aumentada e realidade virtual (AR e VR): o uso de realidade virtual em aulas de história (por exemplo) permite que os alunos “visitem” lugares históricos, enquanto a IA oferece explicações de contexto e adapta a experiência com base em seu nível de compreensão. Outro exemplo seria um aluno de medicina visitando o interior de um corpo humano. Ou um engenheiro fiscalizando uma obra que ainda não foi construída.

  • Plataformas de ensino personalizado: um site como a Khan Academy oferece gratuitamente cursos que vão de aritmética a mercado financeiro e de capitais. Outros nessa linha, como o Coursera e o Udemy, são pagos. Todos utilizam IA para personalizar a experiência de aprendizado, monitorar o progresso dos alunos e oferecer conteúdo adaptado às suas necessidades.

  • Gamificação com IA: entre os games e o ensino, ficamos com os dois. Ferramentas de aprendizagem integram jogos educacionais e utilizam IA para ajustar os níveis de dificuldade com base no desempenho do aluno. O que aumenta a motivação e facilita a absorção de conhecimento.

  • Aprendizado socioemocional: a IA está sendo usada em plataformas como a americana RethinkEd que ajudam a monitorar o bem-estar emocional dos estudantes e fornecem atividades e recursos para melhorar habilidades como empatia, autocontrole e comunicação. A IA ajuda a detectar sinais de estresse ou desmotivação nos alunos, permitindo intervenções mais eficazes.

  • IA como ferramenta para professores: ferramentas como o LessonUp permitem que educadores criem planos de aula interativos, enquanto a IA sugere atividades baseadas nos objetivos de aprendizado. Além disso, a IA pode automatizar tarefas administrativas, como o monitoramento de presença e o gerenciamento de notas, dando mais tempo para os professores se concentrarem no ensino.
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O lugar do Brasil

Esse cardápio de possibilidades está quase todo disponível para os brasileiros. Mas precisa enfrentar a barreira de preconceito e medo das elites culturais brasileiras. 

Um caso muito ilustrativo é a relação que temos com o celular. O Brasil tem 258 milhões de celulares, ou seja, mais de um aparelho para cada brasileiro. Claro que a maioria dos jovens de hoje usa o celular para conversas fiadas, games e exibições nas redes sociais. Mas o problema não está no celular em si, este cada vez mais poderoso computador que carregamos no bolso. O problema está na falta de educação no uso do celular. 

Um exemplo típico: cada jovem poderia estar usando seu celular para ler as melhores obras do mundo, se não se cultivasse no Brasil esse preconceito reacionário contra livros digitais. Cada aluno poderia estar treinando o infinito potencial de conhecimento de um aplicativo de inteligência artificial — na mesma telinha onde ele se vicia em gracinhas do TikTok.

É óbvio que professores continuarão sendo necessários, e que faculdades terão sempre uma função primordial, especialmente em certas áreas. Ninguém vai querer consultar um dentista ou um médico formado num curso técnico pelo YouTube. Ninguém vai querer morar num prédio projetado por um engenheiro com diploma do ensino médio. Mas os métodos antiquados usados aqui obviamente não estão funcionando.

Foto: Shutterstock

O Brasil tem um sistema educacional que pode ser sintetizado no ranking do PISA (sigla em inglês para Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) que avalia a qualidade da educação em jovens de 15 anos de idade em 81 países. De acordo com a última edição (2022), o Brasil é o 65º em matemática, 52º em leitura e 62º em ciências. Segundo o estudo, 73% dos estudantes brasileiros com 15 anos não chegaram ao nível básico de matemática.

‘Banimento total’

Uma injeção radical da tecnologia mais avançada poderia dar uma injeção na educação brasileira para que subisse nessa lista. É o que se faz em países como Coreia do Sul, Singapura e Taiwan. Mas não corremos esse risco no Brasil de Luiz Inácio Lula da Silva.

O ministro da Educação do governo petista, Camilo Santana, anunciou na sexta, dia 20: está em preparação um pacote de medidas para o banimento do celular em todo o ambiente escolar. “Nosso objetivo é oferecer às redes de ensino segurança jurídica para que possam implementar as ações que estudos internacionais já apontam como mais efetivas, no sentido do banimento total [dos celulares nas escolas]”, declarou o ministro Santana, segundo o jornal Gazeta do Povo.

Camilo Santana, ministro da Educação, durante reunião com Luiz Inácio Lula da Silva, no Palácio do Planalto, em Brasília (9/3/2023) | Foto: Ricardo Stuckert/PR

Com essa medida, afastamos ainda mais nossos estudantes da tecnologia, hoje tão vital quanto o ar. E mais: sem os celulares não haverá registros do que acontece dentro das escolas. Os estudantes ficarão no escuro, isolados e incomunicáveis. Terão orelhões para se comunicar com a família em caso de emergência? Ou os orelhões também sofrerão “banimento total”?


@dagomir
dagomirmarquezi.com

Leia também “O espião que não era”

1 comentário
  1. Michael Pagno
    Michael Pagno

    Ótimo artigo. Concordo que diplomas universitários, em sua maioria, são atestados de doutrinação, não certificações de conhecimentos sólidos em determinadas áreas. Parabéns Dagomir.

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