“O sol começava a iluminar o céu e estávamos no ápice da festa. À minha frente, milhares de pessoas dançavam, celebrando o amor e a paz — até que ouvimos o som dos mísseis sobre nossa cabeça. Ingenuamente, pensei: ‘Que droga, teremos de interromper o evento’. No microfone, comecei a gritar ‘alerta vermelho, o evento terminou, busquem abrigo’”, descreve Omri Sassi, um dos produtores do Festival Nova, sobre o que ocorreu às 6h30 da manhã do dia 7 de outubro de 2023, data em que o Hamas realizou o maior ataque terrorista da história de Israel.
Na plateia, seus quase 5 mil participantes, embalados pela euforia da festa, custavam a entender as ordens. Entre vaias e gritos, perguntavam por que a música havia parado. Segundo Avigail Shashoua, israelense de 24 anos e filha de brasileiro, a família inteira cresceu em Israel e prestou serviço militar — obrigatório no país. Lá, as mulheres têm de ficar no Exército por dois anos; e os homens, três. “Assim, eu e meus amigos não entramos em pânico: simplesmente nos agachamos sob uma árvore e esperamos por meia hora — achamos que, como sempre acontece, logo os disparos seriam interrompidos”, relatou. “Em vez disso, vimos policiais correndo em nossa direção, gritando para que entrássemos nos carros e voltássemos para casa.”
O que Avigail não sabia era que, na sequência dos mísseis, testemunharia o mais devastador massacre ocorrido em um evento cultural. O atentado resultaria na morte de 364 israelenses, milhares de feridos e 40 sequestrados — muitos deles ainda hoje prisioneiros do grupo terrorista Hamas em Gaza.
Re’im: a área perfeita para eventos culturais
O Festival Nova foi realizado em Re’im, no sul de Israel, em uma região acostumada aos frequentes mísseis lançados por grupos terroristas a partir da Faixa de Gaza, uma vez que está localizada a poucos quilômetros da fronteira.
Essa não foi a primeira vez que o local foi utilizado para a realização de um grande evento cultural. De fácil acesso e arborizado, ele é perfeito para um festival como o Nova, porque é plano e amplo o bastante para acomodar também um estacionamento e uma área para camping. Os produtores previamente solicitaram e receberam do Exército e da Polícia de Israel todas as autorizações necessárias. Havia ali um forte esquema de proteção: 80 seguranças e 27 policiais armados.
Para aproveitar os dois dias do evento, os participantes contavam com uma área para armar suas barracas sobre o chão de cascalho. Para lá, Avigail e seus amigos se dirigiram depois do alerta do DJ, completamente desconectados do perigo. Enquanto começavam a colocar seus pertences de volta no carro, entre risadas, sanduíches e cigarros, os policiais começaram a apressá-los a abandonar o local. Nesse momento, Avigail recebeu a ligação de uma amiga que já havia saído da área do evento. “Atiraram na perna do Omri”, gritou ao telefone. Sem entender, Avigail perguntou quem havia atirado. “Os terroristas”, respondeu a amiga. E desligou.
O plano dos terroristas
A primeira invasão ocorrida em solo israelense surpreendeu pela rapidez, pelo número de invasores e pela violência do ataque. Antes das 7 horas da manhã, enquanto milhares de mísseis eram lançados da Faixa de Gaza, 6 mil palestinos — terroristas do Hamas e também civis — penetraram por vários pontos a cerca de proteção da fronteira em caminhonetes, motocicletas, bicicletas, paragliders e até mesmo a pé. Os terroristas portavam metralhadoras, lançadores portáteis de granadas (RPGs) e rifles AK-47; já os civis traziam consigo armas de pequeno porte, machados, facas e bastões. Alguns estavam desarmados: juntaram-se ao ataque somente com o objetivo de furtar e, com sorte, raptar civis israelenses, vivos ou mortos.
Diante da resposta tardia do Exército e da Força Aérea, por razões que ainda estão sendo investigadas, os terroristas tiveram tempo de sobra para perseguir, estuprar, assassinar e sequestrar os que tentavam se esconder em valas naturais do terreno, banheiros químicos, lixeiras ou árvores. Enquanto alguns participantes buscaram proteção contra os mísseis dentro de abrigos antiaéreos, outros correram em direção aos campos agrícolas vizinhos ou retornaram aos seus carros para deixar a área. Isso provocou um enorme congestionamento na única estrada de acesso ao local, tornando-os alvo fácil para os terroristas.
Naquele momento, os quatro produtores do evento tentavam organizar o caos que se instaurara. Um deles, Nimrod Arnin, decidiu publicar um post na página do festival no Facebook: “Se você está próximo de alguém ferido, mande-me seus dados e localização”. Enquanto as mensagens chegavam — foram 5 mil na primeira hora —, ele telefonou para a divisão local do Exército e ouviu uma resposta inesperada: “Estamos em meio ao caos e não temos como ajudá-los”.
A irmã mais nova de Arnin também estava no evento. Ao encontrá-la, o produtor passou instruções simples, e os dois se separaram. “Ayelet era esperta, e eu não tinha dúvidas de que ela conseguiria escapar”, disse. “Não conseguiu. Essa é a parte que não tenho como digerir.”
Abrigo contra mísseis, não contra terroristas
Em todos os depoimentos, é evidente a falta de compreensão sobre a dimensão do ataque. Isso fez com que muitos dos participantes do Nova se sentissem seguros ao encontrar um dos vários abrigos antiaéreos espalhados pela área. Trata-se de pequenas estruturas retangulares, de concreto armado, com uma pequena abertura lateral. Até 12 pessoas podem se acomodar nesses abrigos, em pé. A sobrevivente Nitzan Ezra, de 24 anos, acreditou estar a salvo quando conseguiu chegar a um deles, localizado na entrada do kibutz Beeri, uma das comunidades agrícolas devastadas pelo Hamas.
Nitzan estava acompanhada de uma prima e três amigas. “Decidimos buscar abrigo para esperar o resgate do Exército”, contou. “O telefone, então, tocou: era um primo, que também estava no festival. Ele disse que havia sido atingido na perna, e não entendi como.” Cinco minutos depois, os terroristas chegaram. Eram 7h50 da manhã. Nesse momento, cerca de 30 pessoas amontoavam-se no abrigo, que tem 2 por 3 metros de dimensão.
“Começamos a ouvir, além dos tiros, gritos em árabe”, relatou Nitzan. “Os terroristas celebravam e gritavam ‘Allahu Akbar‘ [‘Deus é grande’, em árabe]. Um deles entrou no abrigo e começou a disparar com a metralhadora contra nós. Fechei os olhos e, quando os abri, havia inúmeros mortos e feridos sobre mim. Chamei por minha amiga, que não respondeu. Minha prima ainda estava viva e me disse que tinha sido atingida na perna. Logo em seguida, outro terrorista entrou, e ouvi mais uma rajada de metralhadora.”
Passado algum tempo, Nitzan conseguiu telefonar para o irmão, que também havia participado do evento. Ele conseguiu resgatá-la oito horas depois do começo do ataque. Das 30 pessoas que estavam no abrigo, apenas Nitzan e outras seis sobreviveram. Entre os mortos estava Ayalet, irmã de Nimrod Arnin.
As cenas do massacre do Festival Nova foram registradas pelos participantes e também por terroristas do Hamas. Além disso, há centenas de áudios e vídeos disponibilizados pelas famílias, nos quais as vítimas pedem ajuda ou se despedem dos pais. Em todo o material coletado, um aspecto é especialmente impressionante: a euforia e a celebração dos terroristas.
Civis entram em ação
Embora governos e entidades internacionais, como a Organização das Nações Unidas, tenham demorado meses para admitir a violência sexual nunca vista antes, cometida contra homens e mulheres, os israelenses a constataram imediatamente. Rami Davidian, agricultor israelense de Patish, uma pequena comunidade local, salvou mais de 750 pessoas e testemunhou os abusos com os próprios olhos. Ele encontrou, por exemplo, diversos corpos de mulheres amarrados a árvores, em posições que nem sequer consegue descrever.
Davidian foi um dos inúmeros civis israelenses que atuaram heroicamente antes da chegada das forças de segurança nacional. “Às 7 horas da manhã, recebi o telefonema de um amigo pedindo que eu tentasse resgatar um jovem que estava a 2 quilômetros de minha casa”, contou. “Ainda não tínhamos informações claras sobre o que estava acontecendo.” Desarmado, Davidian seguiu para Re’im, enquanto seu telefone não parava de tocar. “Recebi milhares de fotos de pais implorando que eu tentasse localizar seus filhos”, disse. Ele passou dois dias insones, realizando centenas de viagens curtas entre Patish e Re’im. “Não sou a mesma pessoa que fui até 6 de outubro. Há marcas que nunca desaparecerão.”
Um cenário infernal
Os voluntários da organização não governamental (ONG) Zaka, criada em 1995 para atuar em tragédias locais e também pelo mundo, como na busca e no resgate de sobreviventes do rompimento da barragem em Brumadinho, em 2019, também foram acionados nas primeiras horas do dia 7. Formada por 3 mil pessoas, sua maioria é de judeus ultraortodoxos, que cumprem a difícil missão de resgatar corpos completos, ou partes deles, resultado típico de ataques terroristas.
Yossi Landau, comandante do Zaka para a região sul de Israel, recebeu a ligação da polícia pela manhã. “Foi a primeira vez que entramos em uma área de combate”, disse. “Por esse motivo, recebemos a permissão para permanecer no recinto do festival apenas entre 1 e 4h30 da manhã. Nesse período, recolhemos 207 corpos.”
Ele conta que é difícil descrever o que viu na estrada a caminho do festival: centenas de carros com marcas de tiros de metralhadora, totalmente incendiados, além de incontáveis corpos estirados nas estradas. “Era um cenário infernal”, lembrou. “O tempo inteiro ouvíamos alarmes antiaéreos, mas não tínhamos para onde correr: todos os abrigos estavam repletos de mortos. É uma imagem que o cérebro não consegue processar.”
O trabalho de “limpeza” do Zaka levou semanas para ser concluído, pelo fato de muitos corpos terem sido estraçalhados. Segundo as leis judaicas, todas as partes do corpo humano são sagradas e precisam ser enterradas, inclusive o sangue. Uma vez que centenas de israelenses foram mortos dentro de seus carros e, antes ou depois, incinerados, de muitos deles foi impossível remover todos os vestígios humanos. Pela primeira vez na história, o governo de Israel decidiu enterrar veículos. Os demais foram concentrados em uma área memorial, que recebeu o nome de “cemitério dos carros”.
‘Precisamos arrancar o terror de nossa vida’
Não há protocolos de tratamentos psiquiátricos nem psicológicos para vítimas de um evento como esse. Os setores dessas especialidades em todos os hospitais de Israel estão sobrecarregados, e novas instituições voltadas para o atendimento de trauma e de pós-trauma foram criadas depois do 7 de outubro. Em Israel, o suicídio é encarado como tabu. Há pouca informação sobre esse assunto. No entanto, a equipe do Festival Nova afirma que pelo menos 50 pessoas tiraram a própria vida nos meses seguintes ao atentado. Outras dezenas foram internadas em hospitais psiquiátricos.
Todos os sobreviventes relatam grande dificuldade em retomar a vida cotidiana. “A cada congestionamento ou alarme antiaéreo, fico esperando que surjam terroristas”, contou Arnin. “No enterro de minha irmã, eu olhava para os lados certo de que o Hamas voltaria para nos matar.”
Avigail, que nos 11 meses seguintes ao massacre atuou como reservista no norte do país, também enfrenta o pós-trauma. “Não consigo me aproximar de abrigos nem dormir mais do que algumas horas por noite”, disse. “Sofro com os pesadelos e flashbacks.”
Dos 55 voluntários do Zaka que trabalharam nessa operação, dois sofreram ataques cardíacos e muitos estão incapacitados para trabalhar. Landau, que atua há 33 anos na organização, encontra até hoje dificuldades para se recuperar emocionalmente, em especial por causa das memórias que o remetem às cenas de terror. “Não tive coragem de encontrar-me com meus netos durante meses, e essa é uma reclamação comum entre meus colegas”, disse. “Simplesmente não tinha condições de olhar em seus olhos. Somente quem viu crianças e jovens na situação que nós vimos pode entender nosso sentimento.”
Os produtores do Nova arregaçaram as mangas para criar o Nova Help, espaço que oferece serviços diversos para os sobreviventes do festival. São oferecidas sessões conjuntas ou individuais de terapia, workshops, aulas de ioga e meditação, entre outras atividades. “Há aqueles que não saíram de casa por semanas, e fomos buscá-los, um a um”, disse Arnin, ao explicar que o objetivo do Nova Help é oferecer um espaço onde todos possam permanecer juntos, inclusive os familiares dos que foram assassinados. “Precisamos arrancar o terror de nossa vida.”
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Tenho a opinião de que Israel deve seguir em frente até acabar com o último terrorista, sem esquecer de deixar a cereja do bolo para o Irã, o principal assassino. Esqueça ONU, esqueça os amigos americanos, esqueça Macron e CIA Ltda. Chegou a hora de fincar a última cruz nesse cemitério de bárbaros.
Meu Deus, só de imaginar o que o texto descreve, me emocionou. Que Deus conforte os corações dessas pessoas.
Quanto horror, por que tanto sofrimento a um povo desde o começo das civilizações?
Parabéns pela matéria, digna da qualidade da Revista Oeste.
Parabéns pela matéria .
Episódio lamentável para a história da humanidade e pior ainda para os brasileiros onde o DESgoverno Lula apoia aberta o terrorismo praticado pelo Hamas que o parabenizou pela “vitória” arrumada pelo STF/TSE.
Parabéns pelo artigo, relato histórico do que ocorreu em 7 de outubro, não há tolerância para o terror e barbárie. Sempre com Israel, o sofrimento físico e psicológico da população nunca será esquecido.
Um relato tocante dos efeitos do terrorismo sobre psiques sensíveis e civilizadas. Mas o que dizer sobre a psique dos atacantes? Dos terroristas treinados e condicionados desde a infância no ódio a Israel? Nenhuma empatia, nenhuma dúvida, nenhum remorso? Todos agindo com o máximo de crueldade, sem ver qualquer traço de humanidade em suas vítimas. A marcante e inesquecível última mensagem de uma garota a seus pais enquanto o massacre era cometido: “Eles estão matando e rindo”. Depois, nada.
Como um psicanalista diagnosticaria esse pathos coletivo? Uma nação inteira induzida à psicopatia ou à sociopatia?
Um dos relatos mais impressionantes que já li. A repórter merece todos os prêmios de jornalismo e honras do governo de Israel. Mesmo tendo lido tanto sobre o massacre, este relato me levou de volta ao 7 de outubro passado e me fez chorar outra vez. 11 de setembro e o 7 de outubro são datas de luto para toda a humanidade.
Todo castigo para esses terroristas e quem os patrocina e apoia é pouco
Que barbaridade… inadmissível.
Parabéns pela matéria. Um resumo do que aconteceu e o que continua entre as vítimas e envolvidos. Valeu a pena estar assinado a revista.