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Ilustração: Shutterstock
Edição 237

Um empregado malandro

O Estado se transformou num peso para a sociedade, cobrando muito e entregando pouco

Ubiratan Jorge Iorio
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“O homem, por título algum, vive para o Estado.
O Estado existe para o homem.”
(Jacques Maritain)

Todo mundo está “careca de saber” que há desavenças doutrinárias e ideológicas profundas quanto à natureza do Estado, ao seu tamanho e ao seu propósito. As divergências vão desde a proclamação fascista do “tudo pelo Estado, nada contra o Estado, nada além do Estado” e a abolição comunista da propriedade privada até as vertentes radicais do movimento libertário, que defendem a extinção do Estado (que, curiosamente, seria o estágio final do comunismo).

Os liberais clássicos — para quem a justificativa da existência do Estado como uma entidade acima dos interesses individuais deve ser a garantia dos direitos naturais à vida, à liberdade e à propriedade dos cidadãos — têm poucos desacordos quanto à aceitação da sua presença em algumas áreas: segurança (interna e externa), justiça, saúde, educação e infraestrutura. Eles não negam a presença do Estado nesses campos, porém os de sangue mais puro (como os da tradição da Escola Austríaca e os da Universidade de Chicago de meados do século passado) fazem questão de enfatizar que essa participação deve ser preferencialmente indireta. Na educação, por exemplo, sustentam que é melhor e sai mais barato o Estado custear o ensino dos filhos de pobres que desejarem matriculá-los em colégios formais do que ele próprio ser o dono de escolas e universidades e permitindo o homeschooling, a critério dos responsáveis.

Ludwig von Mises foi um economista da Escola Austríaca, historiador e sociólogo | Foto: Wikimedia Commons

A realidade impõe uma exigência contábil inevitável, que não depende de qualquer visão política. É que, para manter-se e executar suas tarefas — quaisquer que venham a ser —, o Estado dispõe apenas de três meios: os dois primeiros, tal como acontece em qualquer família ou empresa, são aumentar as receitas e tomar empréstimos, e o terceiro, que lhe é exclusivo por ser o detentor do monopólio legal, é a emissão de moeda. Quando abusa desses meios, as consequências são, respectivamente, mais impostos, maior endividamento e o aviltamento da moeda. Nos três casos, contudo — e que isso fique bem claro —, quem paga são os cidadãos.

Pois bem, você está satisfeito com os serviços que o Estado (em suas três esferas) vem oferecendo? Como está a segurança em sua rua, cidade, Estado? E em nosso país? Confia na Justiça brasileira? Acredita que existe segurança jurídica? Está satisfeito com o nível do ensino, do fundamental ao universitário, passando pelo técnico? Qual é a sua avaliação da saúde no Brasil? E o seu grau de satisfação com a infraestrutura?

As respostas não devem ter sido animadoras, não é mesmo? E o desalento, com a percepção incômoda de que estamos sendo lesados, só tende a aumentar quando nos lembramos de que: (1) trabalhamos praticamente até a metade do ano para ficarmos quites com nossas obrigações tributárias; (2) a dívida bruta do governo geral (DBGG), que abrange o governo federal, o INSS e os governos estaduais e municipais, está perto de 80% do PIB (cerca de R$ 9 trilhões), com viés de alta; (3) o déficit nominal atingiu R$ 1,111 trilhão no acumulado de 12 meses até agosto, conforme o Banco Central divulgou no início desta semana; e (4) a taxa básica de juros brasileira é a segunda maior do mundo, “perdendo” apenas para a da Rússia, uma ditadura que está há dois anos e meio em guerra.

Ora, como o Estado foi criado para servir ao homem (e não o oposto), a conclusão é óbvia: se muito nos toma e nada nos dá, isso significa que é um péssimo empregado, do tipo que chega atrasado ao emprego, é preguiçoso, demora a voltar do almoço, é especialista em aplicar “sambariloves”, falta e recorre a licenças médicas frequentemente e furta os chefes. E no Brasil distópico de hoje esse funcionário relapso, além de todos esses defeitos, ainda tem o desplante de censurar os seus patrões e a pretensão de conduzir as suas vidas. É verdade que essa situação de exploração e essa sensação de que o Estado está nos roubando despudoradamente não são novidades, vêm de muito tempo, mas é flagrante que o governo atual, mais do que qualquer outro anteriormente, está nos tungando de maneira escandalosa e descarada, sem qualquer cerimônia e pudor.

Ilustração: Shutterstock

O fenômeno do empregado malandro e atrevido não é exclusivo do Brasil e decorre em boa parte do fato de que o Estado moderno cresceu muito mais do que o razoável, especialmente a partir da segunda metade do século 20, a ponto de nos fazer compreender sem esforço o famoso paradoxo de Bell, segundo o qual o Estado moderno tornou-se pequeno demais para resolver os grandes problemas e grande demais para solucionar os pequenos problemas, proposto pelo sociólogo americano Daniel Bell (1919-2011).

O fato é que no pós-guerra aumentou a crença na necessidade de ações contínuas do Estado para garantir e estimular o crescimento econômico e o “bem-estar”, com o consequente aumento das demandas por gastos públicos. Criaram-se “direitos” a rodo, sem qualquer preocupação com as provisões para concretizá-los, situação que o sociólogo, filósofo e político alemão Ralf Dahrendorf (1929-2009) nomeou de conflito social moderno. Essa competição entre meios sempre limitados e demandas “sociais” crescentes, insustentável no longo prazo, explica a situação atual de exploração (do bolso e da paciência) dos pagadores de impostos.

Ralf Dahrendorf, sociólogo, filósofo e político alemão (1982) | Foto: Wikimedia Commons

Obviamente, o aumento nas despesas do governo alimentou necessidades crescentes de arrecadação, além de outros males, como as dívidas “públicas” (que, na verdade, são compulsoriamente transferidas ao setor privado), a inflação e o desemprego. Jamais, em toda a história da civilização, o furor arrecadador do Estado chegou sequer perto daquilo que se vem observando nos últimos tempos, em praticamente todo o planeta. A diferença, para pior, é que no passado os publicanos ou exatores, como eram chamados os cobradores de impostos, não eram bem-vistos pelos cidadãos, enquanto hoje muita gente que se diz “progressista” até simpatiza com eles. E hoje há um agravante perigoso, o de que, além da tirania do Estado, surgiu outra, a dos iluminados endinheirados que se acham donos do mundo e que nos querem obrigar a ser felizes à maneira deles.

Parece que os pagadores de tributos atuais — eufemisticamente designados de “contribuintes” — são muito mais conformados do que seus antepassados, aceitando passivamente a exploração de que são vítimas. Além de não existirem mais pessoas exigentes como, por exemplo, Felipe dos Santos, que, em 1720, 70 anos antes de Tiradentes, revoltou-se contra a extorsão tributária, muitas até acreditam ingenuamente — inclusive alguns economistas, infelizmente — que, ao pagarem seus impostos, taxas e contribuições, estão de alguma forma contribuindo para o “bem comum”, quando, na verdade, os recursos que lhes são subtraídos se destinam a aumentar o “bem-estar” dos políticos e manter estruturas de Estado gordurosas, ineficientes e invariavelmente corruptas.

Políticos são permanentemente movidos pela vontade de poder e este nada mais é do que o traço político do axioma da ação humana. Por conseguinte, estudar o poder é estudar a ação dos entes políticos, que buscam sempre sua maior satisfação, que é precisamente a manutenção ou ampliação de seu poder, uma ação que requer meios extraídos dos pagadores compulsórios de tributos, da dívida do governo e do imposto inflacionário, ou seja, de nós.

Ilustração: Shutterstock

O economista libertário Murray Rothbard (1926-1995) enxergava os impostos como uma modalidade de agressão, em que o Estado toma dinheiro à força da fatia da sociedade que produz riqueza e o direciona para o sustento da própria burocracia, que é a grande consumidora da riqueza alheia. Imposto, para ele, é coerção, é roubo legalizado, é sugação de quem trabalha e produz, e isso parece mais do que evidente em um país como o Brasil, em que a carga tributária e toda a sua legislação são indecentes, incoerentes e insolentes.

O ponto de Rothbard é que, dentre todas as pessoas e instituições da sociedade, apenas o Estado obtém seus rendimentos por meio da violência. A renda de todo o resto vem de doações voluntárias (associações, instituições de caridade, clubes) ou da venda de mercadorias e serviços adquiridos voluntariamente por consumidores. Se qualquer indivíduo começasse a “taxar” os demais, seria evidentemente acusado de coerção e de ser um “miliciano”, mas apenas os libertários chamam o imposto pelo seu nome de nascimento: roubo em grande escala, aberto, legalizado e organizado.

Murray Rothbard | Foto: Wikimedia Commons

Há um princípio consagrado no sistema legal presente na doutrina chamada State-Created Danger Legal Doctrine (“Doutrina Legal do Perigo Criado pelo Estado”) que, em resumo, sustenta que, quando o Estado, por ação ou omissão, coloca os cidadãos em uma situação de grande necessidade ou vulnerabilidade, então ele tem a obrigação moral de ajudar e socorrer os prejudicados. Se não fizer isso, estará sendo negligente. E, se essa negligência levar as pessoas à morte ou à invalidez, o Estado deve ser acusado de estar cometendo um crime.

Ou seja, se o governo faz ou deixa de fazer algo que coloca alguém em uma situação de perigo, ele tem a responsabilidade especial de garantir a segurança desse indivíduo. Se falhar, ele pode ser considerado responsável por qualquer dano físico ou prejuízo que venha a ocorrer. Isso se aplica claramente à proibição pelo governo do porte de armas, que é claramente imoral, pois se trata de uma medida que flagrante e diretamente viola o direito à autodefesa, até mesmo porque o governo não cumpre — e nem tem como cumprir integralmente, pois é fisicamente impossível — sua autodeclarada obrigação de garantir a segurança de todos os indivíduos em todo e qualquer lugar do país. Mas esse princípio não se restringe à segurança e também se aplica a toda e qualquer área em que o governo arvora para si a exclusividade de garantir determinado serviço ou obrigação, como nos casos da saúde, justiça, previdência, educação, transporte, infraestrutura e tantos outros. Estamos sendo explorados em vários sentidos. Além da extorsão econômica descrita, manifestada pela terrível combinação de tributação exorbitante, endividamento escorchante e juro galopante, há traços evidentes de que, política e juridicamente, não estamos vivendo na normalidade, mas em uma distopia, em que princípios, valores e instituições estão dando cambalhotas.

Estamos sendo cada vez mais forçados, passo a passo, a viver para um ente monstruoso, formado pela aliança entre o Estado e os donos do mundo, que nos sugam e submetem à sua tirania, suprimindo nossa liberdade de expressão, censurando, ameaçando a propriedade privada, implantando uma gigantesca insegurança jurídica e, para completar a “coisa”, impondo a paranoia globalista e o neocomunismo da ONU e de Davos, com suas agendas genocidas — denunciadas corajosamente pelo presidente argentino na semana passada — que, infelizmente, o governo brasileiro endossa.


Ubiratan Jorge Iorio é economista, professor e escritor.
Instagram: @ubiratanjorgeiorio
Rede X: @biraiorio

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9 comentários
  1. Renato Godinho Bobby Dias
    Renato Godinho Bobby Dias

    “Assim como o ladrão, o estado exige dinheiro do cidadão, sob a mira de um revolver; se o pagador de impostos se recusar a pagar, seus bens serão confiscados; se ele oferecer resistência a esse confisco, será preso; e se resistir à prisão, será assassinado. ” (Rothbard

  2. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Somos vítimas de impostos escandinavos na arrecadação estatal e mais uma vez vítimas de serviços africanos prestados aos pagadores de impostos tupiniquins.

  3. nelson jorge leite
    nelson jorge leite

    Excelente !!!!

  4. Silvio T C Santos
    Silvio T C Santos

    Excelente!

  5. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    O colaborador de carteira assinada, principalmente, precisa entender como funciona o rapto de seu dinheiro mediante mecanismos como FGTS, INSS, ”benefícios”, imposições as empresas para contratação, e todo o custo que ele gera, que poderia ser revertido unicamente a sua inteira remuneração.
    A partir do momento que esta classe comece a entender isso, acho que o jogo começa a virar pró liberdade.

  6. LUANA MARINHO DE OLIVEIRA
    LUANA MARINHO DE OLIVEIRA

    Excelente artigo, agora precisamos aprender com as democracias que funcionam. Nos ajude, Oeste. Algum veículo precisa começar esse movimento. Voto distrital puro com contagem pública dos votos e recall dos políticos eleitos e confirmação dos mandatos dos juízes também.

  7. LUANA MARINHO DE OLIVEIRA
    LUANA MARINHO DE OLIVEIRA

    Excelente artigo, agora precisamos aprender com as democracias que funcionam. Nos ajude, Oeste. Algum veículo precisa começar esse movimento. Voto distrital puro com contagem pública dos votos e recall dos políticos eleitos e confirmação dos mandatos dos juízes também.

  8. Antonio Americo Carneiro Pereira Junior
    Antonio Americo Carneiro Pereira Junior

    Excelente artigo!

    1. Marcellus Fontenelle
      Marcellus Fontenelle

      A grande questão é: como sairemos dessa arapuca em que nos metemos?
      A algum tempo li em um artigo que o brasileiro médio é, por essência, socialista.
      Como convencer estes indivíduos que esse sistema não funciona e nós destruirá?

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