Pular para o conteúdo
publicidade
Ministro Dias Toffoli, durante sessão plenária do STF (23/10/2024) | Foto: Andressa Anholete/STF
Edição 240

No Peru não tem Toffoli

Na contramão do Supremo Tribunal Federal, esquemas de corrupção envolvendo a ex-Odebrecht são levados a sério no exterior e terminam em prisões e em multas milionárias

Silvio Navarro
-

Nesta semana, o pagador de impostos brasileiro assistiu a duas cenas reveladoras dos tempos que o Brasil atravessa: a Justiça do Peru condenou, na segunda-feira, 21, o ex-presidente Alejandro Toledo a mais de 20 anos de prisão por receber propina da empreiteira Odebrecht. No dia seguinte, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), arquivou uma ação de corrupção que tinha como um dos réus o vice-presidente, Geraldo Alckmin, por receber repasses da mesma Odebrecht.

Toledo tem 78 anos, sete a mais do que Alckmin, e presidiu o país vizinho de 2001 a 2006, como opositor a Alberto Fujimori. Ele faz parte de um grupo de políticos latinos que ascenderam paralelamente aos mandatos de Lula e de Dilma Rousseff. O projeto de poder escorado num propinoduto é parecido com o que o PT promoveu no Brasil. Segundo o Ministério Público, Toledo inaugurou o consórcio de corrupção com a Odebrecht (atual Novonor), que teve sequência com Alan García (2006-2011) — que se suicidou para não ser preso —, Ollanta Humala (2011-2016) e Pedro Pablo Kuczynski (2016-2018). Foram quase duas décadas de lavagem de dinheiro. Os outros presidentes ainda serão julgados.

Notícia publicada na Oeste (22/10/2024) | Foto: Reprodução/Oeste
Notícia publicada no Globo (21/10/2024) | Foto: Reprodução/O Globo

A sentença diz que Toledo levou mais de US$ 30 milhões pelo contrato da Rodovia Interoceânica Sul, que liga a costa do Peru (Oceano Pacífico) à região amazônica no Brasil — 2,6 mil quilômetros de asfalto. A Odebrecht admitiu o esquema à Justiça dos Estados Unidos, que extraditaram Toledo no ano passado para ser julgado em seu país. Um dos delatores, Jorge Barata, ex-representante da Odebrecht no Peru, hoje vive no Brasil. O outro, Josef Maiman, morreu.

As investigações sobre contratos fraudulentos e propina da Odebrecht fora do Brasil, nos mesmos moldes da Lava Jato, passam longe do revisionismo do Supremo Tribunal Federal. Nos Estados Unidos, a empresa admitiu a culpa e fez acordos de leniência que envolvem nove países latinos: Venezuela, Equador, Argentina, Peru, Colômbia, Panamá, República Dominicana, México e Guatemala. Outras frentes de investigações chegaram à Europa e à África. No acordo de leniência firmado entre a empresa, sua filial Braskem e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, a cifra alcançou US$ 3,5 bilhões.

A maioria dos casos no exterior já foi concluída, e alguns seguem em fase recursal, acarretando prisões e multas sendo pagas. Apesar da queima de arquivos promovida pelo STF, é possível encontrar na internet os documentos originais sobre a Odebrecht e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (em inglês). O site Consultor Jurídico também guarda parte do acervo (clique aqui para ler).

Um episódio da intromissão de Toffoli em julgamentos fora das fronteiras brasileiras, inclusive, chamou a atenção de autoridades estrangeiras. No ano passado, o ministro quis se meter num processo no Equador. Ele recomendou ao país vizinho a anulação de uma ação contra o ex-vice-presidente do Equador Jorge Glas Espinel. Mas como o togado fez essa conexão? Toffoli disse que os dados relacionados a Glas Espinel estavam nos arquivos de informática obtidos pela Operação Lava Jato em Curitiba. Logo, a Justiça do Equador deveria empregar a mesma cartilha do STF brasileiro: a “árvore processual está envenenada” pela troca de mensagens dos procuradores da Lava Jato com o então juiz Sergio Moro. A defesa do equatoriano adorou a tese e recebeu um pedido enviado pelo STF por meio do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional (DRCI).

“Ora, conforme se constatou na decisão reproduzida, a imprestabilidade das provas questionadas pelo reclamante foi placitada em decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal — transitada em julgado —, em face da comprovada contaminação do material probatório arrecadado pela 13ª Vara Federal de Curitiba”, escreveu Toffoli.

Notícia publicada na CNN (10/8/2023) | Foto: Reprodução/CNN

A decisão da Justiça peruana contra um ex-presidente, e a perspectiva de que seus sucessores terão o mesmo destino, ganha um simbolismo extra porque aconteceu na mesma semana em que Toffoli voltou a passar sua borracha nos crimes cometidos por políticos no Brasil. O agraciado da vez foi Geraldo Alckmin, que trocou o PSDB pelas fileiras socialistas do PSB para chegar a Brasília na garupa da eleição de Lula.

Toffoli mandou arquivar, com a mesma justificativa de sempre, uma ação que corria na 13ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo. Inicialmente, tratava-se de dinheiro de caixa dois da Odebrecht para a campanha de Alckmin ao governo de São Paulo, em 2014. Foram mais de R$ 8 milhões. Havia delações admitindo o crime, extratos telefônicos, conversas por aplicativos e uma papelada sobre o cartel nas obras do Metrô e do Rodoanel. Nas planilhas de propina da empreiteira, o ex-tucano era chamado de “Santo”. O STF mandou destruir os HDs com as informações — sistemas Drousys e MyWebDay B — com uma furadeira de mesa.

No despacho, o ministro disse que era necessário “evitar o constrangimento ilegal de submeter os réus a responder novamente por condutas em relação às quais já foi determinado o trancamento de ação penal pelo STF”. Traduzindo: se no exterior corrupção é tratada como crime, Toffoli disse que, no Brasil, foi completamente perdoada.

Engana-se também quem ainda pensa que as canetadas de Toffoli causam mal-estar na Corte. Dois fatos jogam luz sobre isso: o presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, até hoje não convocou uma sessão plenária para que os outros dez ministros digam o que pensam sobre os benefícios concedidos às empreiteiras corruptas, especialmente a Odebrecht; e a semana terminou com uma homenagem ao próprio Toffoli, que completou 15 anos de toga.

O decano Gilmar Mendes fez o discurso mais elucidativo do que acontece hoje no Supremo (veja o vídeo abaixo). Disse que a homenagem “reflete a opinião de toda a Corte” e parabenizou o colega, inclusive, pelo inquérito perpétuo e ilegal das fake news, aberto em 2019 de ofício, e entregue sem sorteio para o gabinete de Alexandre de Moraes.

“O inquérito tem uma relevância histórica que, talvez, a vista ainda não alcançou”, disse. “Não só a sua decisão de instaurar o inquérito, mas também a designação do ministro Alexandre como seu relator foi decisiva para que a democracia fosse preservada no Brasil.”

Gilmar Mendes concluiu a fala: “Só esses dois fatos já seriam suficientes para eternizar a sua passagem pelo Supremo Tribunal Federal”. Nesse ponto, o decano está certo. Dias Toffoli é coisa nossa — nem o Peru tem um juiz parecido.

Leia também “Nas asas da corrupção”

3 comentários
  1. ELIAS
    ELIAS

    Enquanto o Peru dá uma lição de como tratar casos de corrupção provada, o Brasil de Toffoli se celebriza pela razão inversa. Aqui reina a impunidade.

  2. Reginaldo Corteletti
    Reginaldo Corteletti

    O “amigo do amigo de meu pai” em ação.

  3. Luiz Sérgio De Meira Leal
    Luiz Sérgio De Meira Leal

    O Toffoli está aparecendo com a cara inchada, será que está bebendo demais da conta.

Anterior:
Ministério fantasma
Próximo:
Quo vadis?
Newsletter

Seja o primeiro a saber sobre notícias, acontecimentos e eventos semanais no seu e-mail.