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Foto: Revista Oeste/IA
Edição 240

Por que o dólar não para de subir?

O que está impedindo que a situação econômica se deteriore ainda mais é a resiliência da economia brasileira, que consegue crescer não obstante o governo

Carlo Cauti
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Os canários sempre foram os melhores amigos dos mineradores. O primeiro trabalhador que entrava nas vísceras da terra tinha sempre em mãos uma gaiola com um passarinho que permanecia pendurada dentro do túnel. Extremamente sensível ao monóxido de carbono e a outros gases tóxicos, a ave era um indicador da qualidade do ar na escuridão da mina. E, quando dava sinais de sofrimento ou morria, os mineradores já sabiam o que fazer: largar tudo e sair correndo.

No Brasil, o dólar se tornou o canário da economia. Cada medida equivocada anunciada pelo governo gera imediatamente uma alta na cotação da moeda americana. Um sinal de alerta não apenas para o mercado financeiro, mas para toda a população brasileira, sobre o futuro do país.

Desde o começo do ano, o dólar já subiu 16%, superando os R$ 5,70. A maior alta porcentual desde a fase mais aguda da pandemia de covid-19, no começo de 2020. O real se tornou a segunda moeda mais desvalorizada do mundo. Até o rublo russo, divisa de um país em guerra há mais de dois anos e meio, perdeu menos, com apenas 6% no acumulado do ano.

Desde o começo do ano, o dólar já subiu 16%, superando os R$ 5,70 | Foto: Shutterstock

O canário da economia brasileira começou a dar sinais de alerta. Preocupando muita gente e desorientando analistas.

Por que o dólar não para de subir, se o Brasil está crescendo mais do que o esperado, a inflação parece sob controle, o desemprego está em baixa, os salários estão subindo, a balança comercial é positiva e os investimentos diretos estrangeiros continuam entrando no país?

A resposta é simples: o descontrole das contas públicas.

“O mercado sabe fazer contas. E está olhando para o Orçamento federal, que tem problemas sérios”, explica William Castro Alves, estrategista-chefe da corretora internacional Avenue.

Segundo Alves, o crescimento do produto interno bruto (PIB) do Brasil acima do esperado é ligado ao aumento dos gastos públicos, que estão estimulando o consumo. “Estamos gastando mais do que na pandemia sem termos uma pandemia”, observa. “E quase todo esse gasto vai embora em subsídios, bolsas e abonos, que se transformam em consumo. Esse tipo de gasto público é basicamente antecipação de crescimento futuro. Mas deixa uma conta para pagar, chamada dívida pública, que está aumentando em níveis preocupantes.”

Segundo dados do Banco Central, em setembro o rombo das contas públicas chegou a R$ 1,1 trilhão. Superando o recorde registrado durante a pandemia, de R$ 1 trilhão. E, para o Fundo Monetário Internacional (FMI), nos próximos dois anos o vermelho no Orçamento permanecerá e a dívida pública continuará subindo, chegando a 92% do PIB já em 2025, e a 94,7% em 2026. Um patamar digno de países desenvolvidos, mas insustentável numa economia emergente como a brasileira.

Ainda mais grave: em 2022, o governo Bolsonaro entregou uma dívida pública de 83,9% para o governo Lula. Em menos de dois anos, a alta foi superior a 10 pontos porcentuais. Nem durante a pandemia a dívida pública subiu tanto assim.

“A dívida pública está subindo tanto, e tão rapidamente, que muitos investidores estão se perguntando se o Brasil terá a capacidade de devolver esse dinheiro”, explica Alexandre Cabral, professor da Saint Paul Escola de Negócios. “Uma dúvida que está aparecendo especialmente entre os estrangeiros. Que pedem juros mais altos para emprestar dinheiro ao Brasil para financiar a dívida pública. Prova disso é a queda dos leilões das Notas do Tesouro Nacional série F (NTN-F), o chamado ‘papel do gringo’, por causa da preferência dos estrangeiros. Com demanda em queda e juros altos.”

Os juros demandados pelo mercado para comprar títulos da dívida pública brasileira chegaram a 13% ao ano. Um nível superior ao da taxa Selic, atualmente em 10,75%. Um sinal claro de desconfiança sobre a estabilidade fiscal brasileira.

Logo depois da fala de Lula, o Ibovespa teve uma das piores queda do ano (1,29%). O dólar, que estava caindo há vários dias, voltou a superar os R$ 5 | Foto: Shutterstock
Foto: Shutterstock

Mercado está perdido

“Acho que dá para ver o câmbio [com o dólar] em R$ 4,20 em seis meses.” Essa foi a previsão do ex-diretor de política monetária do Banco Central e atual gestor da Itaú Asset, Bruno Serra, em uma entrevista concedida em dezembro de 2023.

Seis meses depois, o real está 35% mais desvalorizado do que a previsão.

“O real pode começar a se valorizar demais, talvez ir para um para um com o dólar daqui a cinco anos.” Essa foi a previsão realizada em janeiro por Walter Maciel, CEO da gestora AZ Quest.

Esses são apenas dois casos emblemáticos de como o mercado financeiro superestimou o câmbio do real há poucos meses. Mas, segundo uma pesquisa do Bank of America divulgada em janeiro, mais de 60% dos gestores de fundos da América Latina apostavam em um câmbio entre R$ 4,50 e R$ 4,80.

“A gente tem que fazer besteira para tirar desse trilho”, disse Serra na entrevista. Aparentemente, foi o que aconteceu.

A partir do dia 15 de abril, o dólar começou a subir sem parar. Foi o dia em que o governo Lula divulgou o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025, cancelando o superávit primário prometido e jogando o ajuste das contas públicas para 2026.

O mercado não acreditou. E começou a desembarcar do Brasil, vendendo reais e comprando dólares. E elevando o câmbio. Não apenas pelo fato de que 2026 é ano eleitoral, e o Brasil nunca cortou gastos em época de eleições, mas também pela descrença em relação às intenções do Executivo.

“A ministra Simone Tebet falou recentemente que ‘chegou a hora de levar a sério a revisão de gastos públicos’”, diz Cabral. “Quer dizer que nunca viu isso antes? São frases soltas que desorientam o mercado, geram imprevisibilidade. E a reação imediata é comprar mais dólares.”

O mercado financeiro tinha até concedido um voto de confiança ao governo Lula no primeiro ano e meio de mandato. “Enquanto Lula for chefe de Estado e Haddad for o chefe de governo, o Brasil vai bem”, disse em janeiro Luis Stuhlberger, o mais famoso gestor da Faria Lima, do fundo multimercado Verde Asset. Seis meses depois, o fundo começou a demitir funcionários, viu seus retornos minguar e está enfrentando uma das piores crises de sua história.

A ministra Simone Tebet falou recentemente que ‘chegou a hora de levar a sério a revisão de gastos públicos’ | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A progressiva leniência fiscal demonstrada pelo Planalto está começando a afetar o mercado no país, afastar os investidores estrangeiros e criar mau humor entre os brasileiros.

O radicalismo demonstrado por boa parte dos pesos-pesados do governo está alimentando um início de sentimento de pânico entre os operadores.

Em discurso para a diretoria da XP em São Paulo, Gleisi Hoffmann, presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), insinuou que o futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, teria “enganado” o mercado financeiro ao conquistar a confiança da Faria Lima para depois levar adiante uma política monetária frouxa em 2025. No dia seguinte, o dólar disparou.

 “Em um momento de gastos públicos descontrolados, essas frases não servem para nada, só pioram a situação”, afirma Emerson Júnior, responsável pela área de câmbio da corretora Convexa Investimentos. “Assim como as falas do presidente Lula, para o qual nada é gasto e quase tudo é investimento: ‘O aumento real do salário mínimo todos os anos’. Isso é muito bonito de ouvir, mas na prática não funciona.”

Gabriel Galípolo, futuro presidente do Banco Central | Foto: Lula Marques/Agência Brasil

Herança bendita e Congresso salvador

O que está impedindo que a situação se deteriore ainda mais é a resiliência da economia brasileira, que consegue crescer não obstante este governo.

A balança comercial brasileira deverá fechar 2024 com um superávit de cerca de US$ 80 bilhões. Menos do que o recorde de quase US$ 100 bilhões de 2023, mas ainda um volume poderoso de dólares entrando na economia nacional.

Os investimentos estrangeiros diretos deverão chegar a US$ 65 bilhões até o final do ano, segundo as previsões do Banco Central. Em alta em relação aos US$ 62 bilhões registrados em 2023.

E as reservas internacionais brasileiras chegaram a quase US$ 370 bilhões em agosto, com um aumento mensal de quase US$ 6 bilhões.

A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) prevê que a safra de grãos 2024/2025 será recorde, com uma produção de mais de 300 milhões de toneladas. A exportação de petróleo também está batendo recordes. Assim como as vendas de carne bovina para o exterior, que em setembro bateram o recorde de quase 290 mil toneladas.

“O maior paradoxo desta situação é justamente este: não está faltando dólar no Brasil”, explica Cabral. “Mesmo assim, o câmbio sobe. Isso é claramente um efeito psicológico. O mercado está se antecipando ao que está por vir.”

Além disso, a economia vai razoavelmente bem. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) revisou a previsão do produto interno bruto (PIB) de 2,4% para 3,4%. Um otimismo compartilhado com Banco Central, FMI e outras entidades. A inflação deverá se estabilizar por volta de 4,5% ao ano. O desemprego ficou em 6,6% no trimestre entre junho e agosto, seu menor nível desde o começo da série do governo. A massa salarial cresceu 8,3% em agosto, alcançando um novo recorde.

Além disso, o Congresso Nacional impediu que o governo Lula levasse adiante projetos mais deletérios para a economia. A rejeição da revogação do Marco do Saneamento ou a reversão da privatização da Eletrobras são dois casos emblemáticos.

Com essa conjuntura positiva, a arrecadação também está crescendo, acumulando uma alta de quase 10% acima da inflação em setembro. Além disso, o governo tem aumentado a carga tributária evitando passagem pelo Legislativo, com razoável sucesso. Mas, mesmo obtendo mais impostos, a Fazenda não consegue fechar as contas no azul.

“A reformas microeconômicas realizadas nos governos Bolsonaro e Temer, como a trabalhista, a Lei de Liberdade Econômica, o Marco Legal do Gás, entre outras, estão gerando efeitos agora”, observa Alves. “Somado a uma injeção cavalar de dinheiro em programas sociais e benefícios assistenciais por parte do governo atual, o crescimento é a consequência imediata. Mas as contas públicas no vermelho são o problema central da economia nacional neste momento.”

Juros em alta e fuga dos gringos

Desde o começo do ano, os investidores estrangeiros já retiraram mais de R$ 31 bilhões da Bolsa de Valores de São Paulo, que acumula queda de 2,68% em 2024. Só não caiu mais porque as empresas brasileiras estão recomprando as próprias ações, que chegaram a um nível tão barato que não faz sentido deixá-las no mercado.

De janeiro a setembro, mais de 53 programas de recompra foram anunciados por empresas listadas na B3. Uma alta de 51% em relação a todo o ano passado, quando foram 35.

Os gringos, evidentemente, têm uma opinião diferente. E continuam vendendo as ações de empresas brasileiras em seu portfólio.

“Há cerca de dois anos, após a eleição de Lula, começou um desinteresse global e local em relação ao mercado brasileiro”, diz um gestor de um importante fundo brasileiro que atua nos mercados internacionais. “O Brasil virou irrelevante para o investidor global, e isso vem se agravando muito. Não é apenas o problema das contas públicas, que existe. Mas o que está preocupando bastante é a visão do capital de longo prazo, que começa a considerar a estrutura institucional do Brasil como frágil.”

Segundo ele, que passou os últimos dois meses nos Estados Unidos a negócios, o que aconteceu com o X pegou muito mal. “O bloqueio decidido por Alexandre de Moraes se tornou pauta lá fora”, afirma. “E assustou os investidores. Assim como as brigas entre a CSN e a Usiminas, ou entre a J&F e a Paper Excellence para a Eldorado. Todas decisões judiciais sem pé nem cabeça. Para o capital de longo prazo isso é horrível. E está afastando os investidores do Brasil.”

Desde o começo do ano, os investidores estrangeiros já retiraram mais de R$ 31 bilhões da Bolsa de Valores de São Paulo | Foto: Shutterstock

Leia também “O novo saque dos fundos de pensão”

1 comentário
  1. Anísio Silva Horta
    Anísio Silva Horta

    E DAI QUE A COISA VAI FICAR PRETA AQUI NO BRASIL. O QUE IMPORTA É QUE O AMOR VENCEU O ÓDIO. SE FALTAR COMIDA, A GENTE VIVE DE AMOR. POSSO FALAR EU AVISEI ???

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