Pular para o conteúdo
publicidade
Foto: Shutterstock
Edição 240

Por que precisamos de mais ‘polarização’

A verdadeira cisão é entre o povo e as elites

Tom Slater, da Spiked
-

Esta é uma versão editada do discurso de Tom Slater no festival Battle of Ideas, em 20 de outubro de 2024, na mesa “O problema da polarização: é possível um diálogo entre os lados?”

Eu gostaria de usar o tempo que tenho para propor uma defesa contundente da polarização — ou, pelo menos, do que costuma ser chamado de “polarização” pelas nossas classes políticas e midiáticas.

A narrativa constantemente oferecida no momento é a de que, cerca de dez anos atrás, a política era… perfeita. 

Era consensual. Era moderada. 

Os partidos políticos talvez discordassem em algumas questões, mas conseguiam se unir em torno de algumas suposições centrais — e na deferência compartilhada à expertise tecnocrática. 

Então os populistas apareceram e, supostamente, arruinaram tudo. 

Sem dúvida é verdade que, antes de 2016, os partidos políticos pareciam estar apenas discutindo o sexo dos anjos e muitas vezes rejeitavam ostensivamente a “ideologia”. 

Mas o que ficou abundantemente claro é que aquele suposto consenso, o acordo supostamente moderado, estava prestando um desserviço terrível ao povo e, em alguns aspectos, era completamente insano. 

Afinal, foi o “consenso” que insistiu que uma grande parcela das leis e políticas fosse decidida por tecnocratas sem responsabilidade, em Bruxelas e em Londres, longe das pessoas comuns e isolados da prestação de contas democrática. 

Foi o “consenso” que insistiu que uma combinação de migração em massa, multiculturalismo e um projeto de autodepreciação nacional era, obviamente, o caminho para uma nação harmoniosa e integrada. 

E era o “consenso” que, até pouco tempo atrás, insistia que a melhor e mais cuidadosa maneira de aliviar o sofrimento de jovens confusos em não conformidade de gênero era primeiro esterilizá-los, para depois cortar partes perfeitamente saudáveis de seus corpos. 

Quando falam de “consenso”, estão falando de uma série de ideias convenientes, muitas vezes absurdas, com as quais as elites concordam, mas que praticamente ninguém mais aceita. 

E, quando falam de “polarização”, estão se referindo a um grupo bastante grande de pessoas comuns que ousam expressar ou votar contra essas ortodoxias falsas e prejudiciais. 

Ilustração: Shutterstock

Aliás, a polarização — por definição — deveria ser uma via de mão dupla. Ela representa a cisão em dois grupos ou conjuntos de opiniões ou crenças claramente contrastantes entre as pessoas. 

E implica que ambos os lados têm seus excessos. 

No entanto, essa nunca é a forma como o termo é usado nas discussões tradicionais, que parecem estar cada vez mais cheias de “centristas” desequilibrados acusando todos os demais de serem desequilibrados e polarizados. 

Aqui está uma citação bastante representativa: “O populismo, a polarização e a política da pós-verdade estão desafiando os próprios alicerces sobre os quais acreditávamos que nossas democracias foram construídas”.

Essas são as palavras de um deprimente podcaster popular, Alastair Campbell — um homem que, com suas mentiras, nos levou a uma guerra bárbara, e que passou os últimos anos acusando categoricamente Boris Johnson de ser “fascista”. 

Os chamados centristas podem até apresentar algumas ressalvas de tempos em tempos, admitindo que ambos os lados têm seus extremos, mas não estão falando sério de fato. 

Para esta sessão, eu me debrucei sobre o livro de 2020 Why We’re Polarised, de Ezra Klein, fundador da revista Vox, nos EUA, e o exemplo clássico do liberal da era Obama. 

Boa parte do livro é um resumo bastante seco de toda a literatura disponível sobre a polarização político-partidária dos EUA. Mas, naturalmente, sua conclusão é que, no fim das contas, a culpa é toda dos republicanos. 

Ou, nas palavras do autor: “Se a polarização causou uma gripe ao Partido Democrata, o Partido Republicano pegou uma pneumonia”. 

Ilustração: Shutterstock

“Não é polarização quando somos nós que fazemos” parece ser a mensagem disso tudo. 

De volta ao Reino Unido, muitas vezes me impressiono com o fato de que, em se tratando das questões sobre as quais supostamente estamos tão divididos e polarizados, na verdade há muito consenso. 

Entre as pessoas comuns, claro. 

Vamos olhar para a ideologia de gênero — um dos tópicos centrais sobre os quais supostamente estamos tão “polarizados”. 

Temos um primeiro-ministro trabalhista que passou boa parte dos últimos quatro anos discutindo se mulheres podem ter pênis — e, em caso afirmativo, qual seria a proporção exata de mulheres com pênis. 

Acho que o número a que ele finalmente chegou foi 0,1%, o que significa que uma em cada mil mulheres tem pênis. 

O que ainda é uma grande quantidade de pênis, se você pensar bem. 

Sem surpresa, o público não tem essas ilusões. 

Uma pesquisa realizada em junho revelou que dois terços dos eleitores trabalhistas — não apenas eleitores em geral, mas eleitores do Partido Trabalhista — rejeitam a noção de “membro feminino”. 

Também nos dizem que o Reino Unido está dividido quanto à questão da imigração, embora a maioria incontestável queira que os números diminuam. 

Por acaso, até certo ponto, essa questão transcende as linhas de permanência ou saída da União Europeia. Antes do referendo, 62% dos entrevistados disseram ao instituto Ipsos que a imigração deveria ser reduzida. 

Num tema mais leve, é comum nos dizerem que Harry e Meghan são figuras profundamente polarizadoras, com um grande número de fãs progressistas de um lado e de odiadores preconceituosos do outro. 

Na verdade, eles são amplamente desprezados. No rastreador de popularidade da família real do YouGov, eles costumam disputar o último lugar com o príncipe Andrew. 

Mas chega de falar deles. 

Claro que a polarização existe. Existem formas boas e ruins dela. Depende do que você está polarizando. 

Na política, linhas precisam ser traçadas, e lados precisam ser tomados. 

Uma política polarizada, em que as grandes questões estão em debate, eu diria que é infinitamente preferível a uma política em que não há escolha democrática adequada e os eleitores são excluídos do processo. 

Mas meu principal argumento aqui é: muitas vezes, o que é menosprezado e chamado de “polarização” hoje em dia é, na verdade, a maioria reagindo silenciosamente a uma elite que perdeu o juízo.

Pelo que me consta, isso se chama democracia. E quero ver mais dela.

Foto: D. Kvasnetskyy/Shutterstock

Tom Slater é editor da Spiked. Ele está no X: @Tom_Slater_

Leia também “Antissemitismo? Que antissemitismo?”

6 comentários
  1. Valesca Frois Nassif
    Valesca Frois Nassif

    O problema todo é a animosidade gerada pela polarização, que liquida até mesmo fortes laços de amizade. As pessoas não sabem conviver com o contraditório de um modo geral. Mas o argumento é super válido!

    1. Vanessa Días da Silva
      Vanessa Días da Silva

      O que chamam de polarização é apenas o contraditório de formas de pensar, mas parece que isso é inaceitável nos dias de hoje. Só pode haver uma forma de pensar e que deve ser ditada pelos globalistas. Os que se contrapõem são rotulados de extremistas

  2. Antônio Carlos Lazarini da Fonseca
    Antônio Carlos Lazarini da Fonseca

    Uma reflexão centrada no bom senso: é o que a sociedade precisa!

  3. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    Alguns milhares de seres que se sentem ilumindos e capazes de mudar o rumo da história tentando dominar a humanidade.

  4. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Concordo.

  5. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Quando os EUA era o sheriff o mundo era melhor, essa ONU foi se intrometer piorou tudo. Os leigos acreditam numa harmonia e iguadade entre os povos. Quanta burrice

Anterior:
Apaziguamento ou confronto?
Próximo:
O Estado quer colocar criminosos e psicopatas nas ruas
Newsletter

Seja o primeiro a saber sobre notícias, acontecimentos e eventos semanais no seu e-mail.