A hostilidade da maior parte da imprensa e de celebridades do mundo artístico, um indiciamento na Justiça e dois atentados não bastaram para impedir que Donald Trump voltasse ao poder nos Estados Unidos, numa eleição que não deixou margem para dúvidas. “O 45º presidente americano não apenas sobreviveu às campanhas da oposição e saiu com uma vitória esmagadora, como também conquistou o Senado”, destacou Ana Paula Henkel. Agora, seus opositores tentam descobrir onde erraram.
“Os eleitores de Donald Trump deram um grande ‘chega’”, afirma J.R. Guzzo, no artigo de capa desta edição. “Chega dessa pretensão de dizerem o que você deve comer, quanto carbono está autorizado a gastar, o que pode dizer (e sobretudo o que não pode), em quem tem de votar. Chega de ouvir que você é ‘fascista’ por não concordar com eles. Chega de respeitar quem diz que você é racista pelo fato de nascer branco, ou machista por gostar de mulher bonita, ou nazista por querer que o crime seja punido.”
Rodrigo Constantino complementa: “O Partido Democrata se descolou do mundo real, afastou-se do povo e de suas demandas concretas, como segurança, emprego e liberdade para transmitir seus valores morais e religiosos aos seus filhos, substituindo isso tudo por pautas insanas, como a agenda woke, a ideologia de gênero e o socialismo econômico”.
A vitória de Trump também amplia notavelmente a esperança daqueles que clamam pelo restabelecimento do império das leis e do respeito à Constituição. E não só do lado de cima do Equador. Em todos os países democráticos, foi reavivada a certeza de que o poder do voto pode mudar tudo — e que a próxima eleição está logo aí.
No Brasil, desde 2020 o STF vem mandando às favas normas constitucionais e os códigos legais. Antes mesmo da multidão de presos pelos atos de vandalismo do 8 de janeiro, um grupo de perseguidos políticos foi incluído no inquérito das fake news pelo crime de opinião. Parte deles preferiu o exílio à prisão. Nesta edição, Yasmin Alencar conta como vivem no exterior Allan dos Santos, Ludmila Lins Grillo, Monark e Oswaldo Eustáquio, “nomes que viraram símbolo de luta contra a tirania”, diz.
Enquanto condena ao desterro ou à cadeia cidadãos que não cometeram crime algum, a Justiça mantém em liberdade cinco desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul envolvidos num esquema de venda de sentenças, lavagem de dinheiro, organização criminosa, extorsão e falsificação de documentos.
“A investigação mostra que o esquema usava familiares de desembargadores para negociar decisões e ocultar o dinheiro em escritórios de advocacia em Brasília”, conta Rachel Díaz. “Os acordos envolviam assessores que recebiam propina por informações privilegiadas, rascunhos de decisões e mudanças em veredictos antes da publicação. Os envolvidos pagavam até R$ 100 mil por decisão, conforme o valor dos casos.”
Em um país sério, esse caso seria um grande escândalo. No Brasil destes tempos estranhos, os cinco foram afastados do cargo por seis meses, ao longo dos quais continuarão a receber seus salários sem trabalhar. Designado para cuidar do caso, o STF tem agido com uma lentidão que se contrapõe à rapidez com que condena a penas que chegam a 17 anos de cadeia gente idosa, enfermos, mães de família, moradores de rua e autistas acusados de envolvimento no 8 de janeiro.
Descrentes da Justiça, esses brasileiros torcem para que uma nova lei da anistia seja aprovada no Congresso. Em 1979, Carlos Drummond de Andrade publicou a crônica Anistia: Como Vens, Como te Imaginava: “Anistia, teu nome é perdão”, começa a primeira estrofe. “Mas como perdoar a quem não cometeu falta ou delito, e, não os cometendo, foi castigado? Se teu nome é perdão, deve este ser pedido às vítimas da injustiça e o arbítrio? Em vez de compaixão, neste caso, a anistia precisava ser um ato de arrependimento seguido de reconhecimento público e proclamação da injustiça.”
Como observou Augusto Nunes, o texto parece ter sido escrito hoje.
Boa leitura.
Branca Nunes,
Diretora de Redação