Em 2002, quatro anos depois de assumir a Presidência da Venezuela, Hugo Chávez buscou apoio para se perpetuar no poder. Com uma gestão cada vez mais centralizada e a crescente repressão a opositores, ele tinha como objetivo nacionalizar as indústrias e o petróleo e, principalmente, consolidar um modelo socialista de governo.
Eleito presidente do Brasil naquele ano, Luiz Inácio Lula da Silva foi o parceiro perfeito. Além de conhecido líder de esquerda, o brasileiro era um grande aliado na implantação de uma agenda ideológica contrária ao liberalismo.
As arbitrariedades de Chávez nunca constrangeram Lula. O petista fingiu, por exemplo, não enxergar a perseguição a políticos de oposição e aceitou mansamente os resultados das eleições de 2004 e 2012, contestados pela Organização dos Estados Americanos (OEA) por suspeitas de fraude. O petista também permaneceu em silêncio quando Chávez impôs, em 2009, um referendo que lhe permitia se reeleger eternamente.
Não bastasse isso, o governo brasileiro concedeu empréstimos generosos à Venezuela. Para fortalecer os “laços” de amizade, financiou, por meio do BNDES, grandes obras no país vizinho, como a construção do metrô de Caracas e a Usina Siderúrgica Nacional, ambas realizadas por empreiteiras brasileiras, como Odebrecht e Andrade Gutierrez — cujos proprietários foram condenados por corrupção pela Operação Lava Jato. O total doado ao ditador venezuelano gira em torno de US$ 2,5 bilhões.
Com a morte de Chávez, em março de 2013, Nicolás Maduro assumiu a Presidência da Venezuela em abril, ao vencer as eleições contra Henrique Capriles, com 51% dos votos. Apesar das alegações de fraude, foi empossado em 19 de abril daquele ano e herdou, além do legado do antecessor, a amizade do governo brasileiro.
O outro ditador
O primeiro mandato de Maduro foi marcado por uma grave crise econômica, causada pela queda do preço do petróleo. A inflação anual, por exemplo, chegou a mais de 2.000%. Contudo, esse desastre não impediu Maduro de ser eleito em 2018. Como sempre, a votação foi contestada pela oposição, que boicotou as eleições. Com apenas 46% de participação, Maduro obteve 68% dos votos. Um ano depois, Juan Guaidó falhou ao tentar tomar o poder.
Lula e Dilma Rousseff jamais ousaram contestar a ditadura venezuelana. Em maio de 2023, ao receber a visita de Maduro poucos meses depois de assumir o terceiro mandato, Lula aconselhou o amigo a “construir sua própria narrativa”.
“Se quiser vencer uma batalha, preciso construir uma narrativa para destruir o meu potencial inimigo”, ensinou o petista. “Você sabe a narrativa que se construiu contra a Venezuela, de antidemocracia e do autoritarismo. É preciso que você construa a sua narrativa e acho que, por tudo que conversamos, a sua narrativa vai ser infinitamente melhor do que a que eles têm contado contra você.”
Em 1º de dezembro de 2023, Maduro ameaçou invadir a Guiana passando pelo território brasileiro, caso fosse necessário. Nem isso abalou a lua de mel entre os dois companheiros. Em vez de criticar o ditador, a diplomacia brasileira preferiu acusar a oposição.
“Acredito que não é a intenção do presidente Maduro tomar uma medida militar, agressiva, de ataque mesmo”, disse Celso Amorim, assessor especial da Presidência. “Mas às vezes essas questões saem do controle. Às vezes, até alguém que hoje está na oposição pode usar isso.”
Relacionamento em crise
Meses depois, contudo, o relacionamento pareceu realmente estar em crise. Depois de uma eleição escancaradamente fraudada e não reconhecida por entidades como o Centro Carter e a OEA, o governo brasileiro optou por não criticar diretamente o pleito. Amorim sugeriu que a solução fosse “construída pelos venezuelanos” e que o Brasil estaria “aberto” para contribuir.
Maduro insistiu para que Lula reconhecesse a derrota da oposição, mas o presidente brasileiro preferiu não tomar partido. “Não aceito nem a vitória dele, nem a da oposição”, disse Lula. “Acho que tem um negócio: a oposição fala que ganhou, ele fala que ganhou, mas você não tem prova. Então, estamos exigindo a prova.”
Dias depois, o ditador intimidou diplomatas brasileiros responsáveis pela custódia da Embaixada da Argentina em Caracas. O local abrigava opositores do governo que protestaram contra o resultado das eleições. Na ocasião, Maduro acusou o sistema eleitoral brasileiro de ser fraudulento.
“No Brasil, o presidente Bolsonaro não reconheceu os resultados das eleições”, afirmou. “Houve recurso ao ‘Tribunal Supremo’ do Brasil [TSE], que decidiu que os resultados eleitorais deram a vitória a Lula. Santa palavra no Brasil. E quem se meteu com o Brasil?”
Lula ouviu calado. Já o PT assinou uma resolução do Foro de São Paulo que reconheceu a vitória de Maduro.
Para Rubens Barbosa, ex-embaixador brasileiro em Londres e em Washington, o governo armou uma armadilha para si próprio na questão venezuelana, por ter deixado que o PT reconhecesse a vitória de Maduro. “O Planalto mantinha uma posição de cautela, o que é uma contradição”, afirmou o ex-embaixador em artigo publicado no Jornal da USP.
“Como fica a posição do governo brasileiro quando o principal partido já se comprometeu?”, perguntou Rubens Barbosa, ao destacar a necessidade de o Brasil adotar uma postura clara diante da comunidade internacional, em vez de uma abordagem “vinculada a uma ideologia, a um partido político ou ao interesse do Brasil”.
Os ataques chavistas
A hostilidade de Maduro ao Brasil vem ao mesmo tempo que a Venezuela se aproxima da Rússia e da China. É desses países que agora vem o suporte econômico, militar e diplomático à ditadura.
Os insultos se intensificaram em outubro, depois que o Brasil vetou a entrada da Venezuela no grupo do Brics. Em nota, o ditador venezuelano chamou de volta o embaixador em Brasília, Manuel Vadell. Também definiu o veto como “grosseria”, “antilatino-americano” e “irracional”, e chamou Amorim de “mensageiro do imperialismo norte-americano”. Em resposta, Amorim apenas disse que a reação venezuelana foi “desproporcional”.
No fim do mês, a Polícia Nacional Bolivariana publicou numa rede social uma foto da bandeira do Brasil com a mensagem: “Quem se mete com a Venezuela se dá mal”. A imagem tem a silhueta de um homem parecido com Lula, mas com o rosto escurecido. “Nossa pátria é independente, livre e soberana”, afirma a legenda do post. “Não aceitamos chantagens de ninguém, nem somos colônias de ninguém. Estamos destinados a vencer.”
Um dia depois, a agência de notícias estatal da Venezuela publicou uma série de charges com críticas ao Brasil. Em uma delas, o Ministério das Relações Exteriores aparece ligado à Embaixada dos Estados Unidos em Brasília por túneis subterrâneos.
Em outra, Lula aparece dentro de um Cavalo de Troia, como se estivesse disfarçado de aliado da Venezuela, mas agisse de acordo com os interesses norte-americanos. Numa terceira, o presidente brasileiro sai de um armário usando um terno estampado com as cores da bandeira dos EUA.
Numa quarta charge, Lula veste o chapéu do Tio Sam enquanto observa Maduro e Vladimir Putin, presidente da Rússia, se cumprimentarem. E, na última, o petista aparece ao lado de Javier Milei, da Argentina, e Gabriel Boric, do Chile, representados como cachorros de uma figura vestida com a bandeira norte-americana.
Atônito e enfraquecido, o governo brasileiro acumula em silêncio essa sequência de humilhações provocadas pelo antigo aliado. “O silêncio de Lula é constrangedor, porque é inaceitável o comportamento de Maduro, tanto na perspectiva da camaradagem entre amigos e aliados quanto naquela das relações diplomáticas”, afirmou Maristela Basso, professora de Direito Internacional da Faculdade de Direito da USP. “Há algo de muito estranho nessas relações, que, de certa forma, obrigam o presidente Lula a aceitar todo tipo de agressão e deselegância de Maduro.”
A reação do petista foi diferente da ocasião em que Javier Milei o chamou de corrupto ou quando o próprio Lula foi considerado “persona non grata” em Israel, depois de comparar a reação do país judeu contra a Palestina à da Alemanha Nazista. No primeiro caso, Lula condicionou um encontro com o presidente argentino a um pedido de desculpas. No segundo, deixou vago o posto de embaixador do Brasil em Tel-Aviv. “Elevar a voz quando necessário e manter a altivez já seriam medidas importantes e suficientes por parte do governo brasileiro neste momento”, observa Maristela.
De forma masoquista, o governo brasileiro tem aceitado as agressões como parte do jogo político. Enquanto isso, Maduro protela o pagamento dos US$ 2,5 bilhões que deve ao país, boa parte custeada pelo pagador de impostos brasileiro, por meio do Fundo de Garantia à Exportação (FGE).
Mas o ditador pode dormir tranquilo. Pela forma como Lula tem agido, o máximo que Maduro pode escutar é um tímido “o que é isso, companheiro?”.
Leia também “O ídolo dos lacradores”
Em briga de dois bandidos, torço para a briga.
Esse artigo pode servir de base para um roteiro de filme: Os Corruptos.
A impressão que fica é que o “Molusco” tem “rabo preso” com o Maduro.
Esse Lula e esse Maduro merecem pena de morte multiplicada por mil
Só corrupção
Esse descondenado não merece respeito de ninguém…