O Pierce Brothers Westwood Village Memorial Park é um cemitério meio oculto em um beco de Los Angeles. Dentro, é discreto ao extremo. Apenas alguns poucos mausoléus e muitas placas pelo gramado. Mas as aparências enganam.
O Westwood Village é o cemitério dos ídolos de Hollywood. Caminhar por seus gramados é, literalmente, pisar nas estrelas. Eu não consegui identificar todas as placas dos famosos. Mas lá estão os túmulos de Richard Basehart, Peter Bogdanovich, Ray Conniff, Richard Conte, Eva Gabor, Jonathan Harris, Burt Lancaster, Roy Orbison, Bettie Page, Minnie Riperton, Gena Rowlands, George C. Scott, Robert Stack, Don Taylor, Cornel Wilde e Natalie Wood. Uma simples pesquisa pelo Google mostra, para quem não conhece, a importância de cada um deles.
Outras estrelas se apresentaram em suas placas aos meus olhos como VIPs em alguma premiére badalada. Não há mais como pedir autógrafos ou para tirar uma selfie com eles. Não vemos os flashes dos paparazzi, mas os funcionários da manutenção regando o gramado. Não há limusines. Só carros funerários de plantão.
Senhoras e senhores, começa agora o desfile de estrelas no tapete vermelho do Westwood Village. No caso, o tapete é verde.
Hugh M. Hefner foi mais do que o criador da revista Playboy. Ele permitiu que a imprensa passasse a falar abertamente de temas que eram tabu até a década de 1960, como sexo e drogas. Inventou um modelo de jornalismo moderno, livre e inventivo. E viveu a vida com intensidade, conhecendo as mais lindas mulheres e promovendo as festas mais badaladas do mundo.
Hugh Hefner morreu no dia 27 de setembro de 2017, aos 91 anos, na sua Mansão Playboy. Causa mortis: septicemia causada por bactéria E. coli.
Hefner pagou US$ 75 mil para ser enterrado ao lado da mulher que inaugurou seu império como modelo da primeira edição da revista Playboy, em 1953. “Passar a eternidade ao lado de Marilyn é uma oportunidade boa demais para desperdiçar”, declarou Hugh.
A vida de Marilyn Monroe é um mito com começo, meio e fim: de garota-propaganda de revistas baratas a mulher mais desejada do mundo e amante do presidente dos Estados Unidos. O fim aconteceu entre 20h30 e 22h30 do dia 4 de agosto de 1962. Afundada na depressão, Marilyn tomou um coquetel de barbitúricos em sua mansão na 12305 Fifth Helena Drive.
Seu túmulo dá trabalho aos cuidadores do cemitério. Fãs costumam beijar a parede junto à sua placa. Deixam marcas de batom que precisam ser apagadas de tempos em tempos.
É difícil medir pelos dias de hoje a popularidade de Dean Martin nos anos 1950 e 1960. Cantava músicas românticas com sua voz aveludada. As homenagens que fazia aos seus ascendentes italianos (como That’s Amore) só aumentavam sua fama.
O maior sucesso de sua carreira de cantor foi Everybody Loves Somebody Sometime (“Todo mundo ama alguém alguma vez”). No cinema, formou uma parceria de muitos anos com o cômico Jerry Lewis. A parceria resultou em 16 filmes.
Dean Martin bebia e fumava em quantidades industriais. Em dezembro de 1993, aos 78 anos, descobriu que estava com câncer no pulmão. Não quis ser operado. Morreu no Natal de 1995 de crise respiratória causada por enfisema pulmonar.
Walter Matthau começou a carreira como um ator sério. Com o tempo, revelou-se um dos melhores atores cômicos de Hollywood. Com sua cara invocada, Matthau era escolhido quando o filme precisava de alguém ranzinza e teimoso.
Matthau enfrentou uma série de problemas crônicos de saúde durante a vida. No dia 30 de junho de 2000, foi abatido por um infarto. Tinha 79 anos. Sua mulher, Carol, faleceu três anos depois.
Juntar Walter Matthau e Jack Lemmon no mesmo filme já foi quase garantia de sucesso. Havia química cômica entre esses dois. Matthau era o ranzinza desconfiado. Lemmon, o homem comum de boa-fé. Odd Couples (“Estranho Casal”, 1968) é um clássico de comédia sobre homens.
Jack Lemmon se tornou um queridão do público no mundo inteiro estrelando as comédias do mestre Billy Wilder, seu vizinho de Westwood Village. Mas Lemmon era igualmente brilhante em dramas como Vício Maldito (Days of Wine and Roses, 1962), O Destino de um Homem (Saving the Tiger, 1973) e Sucesso a Qualquer Preço (Glengarry Glen Ross, 1992). Jack morreu de câncer na bexiga em 2001.
Jack Lemmon não poderia deixar de fazer uma última piada. Na placa de seu túmulo está escrito “JACK LEMMON in”, a forma como ele era anunciado nos filmes que estrelava. Algo como “Jack Lemmon em…”. Em vez de um filme, a próxima atração era seu túmulo.
Muito da fama de Jack Lemmon se deve ao diretor e roteirista Billy Wilder. Wilder, nascido na Alemanha, foi autor de filmes que constam em qualquer lista dos maiores de todos os tempos: Pacto de Sangue (The China Syndrome, 1979), Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard, 1950), Inferno nº 17 (Stalag 17, 1953), Sabrina (1954) e Se Meu Apartamento Falasse (The Apartment, 1960).
Um dos filmes mais marcantes de Billy Wilder, adorado até hoje, foi Quanto Mais Quente Melhor (Some Like it Hot, 1959) que reuniu Tony Curtis, Jack Lemmon e Marilyn Monroe. A última frase do filme, dita numa situação constrangedora por Joe E. Brown, se tornou uma citação clássica da história da comédia: “nobody is perfect” (“ninguém é perfeito”).
Billy Wilder morreu de pneumonia no dia 27 de março de 2002. No seu túmulo está a celebrada frase final de Some Like it Hot, mas em outro contexto: “Eu sou um escritor, mas ninguém é perfeito”.
Durante parte dos anos 1970, todos os adolescentes do mundo pareciam ter o mesmo pôster na parede: o sorrisão de Farrah Fawcett com seu elaborado penteado de tons dourados. Farrah teve praticamente um único grande sucesso: a série As Panteras, em 1977. Foi o que bastou para que virasse um ícone.
Casou-se em 1973 com o ator Lee Majors, que ficou célebre na série O Homem de Seis Milhões de Dólares. Separou-se de Majors e começou um longo romance com o galã Ryan O’Neal. Ryan veio das novelas e se tornou um grande nome das telonas em filmes como Love Story (1970) e Barry Lyndon (1975).
Farrah Fawcett morreu às 9h28 da manhã de 25 de junho de 2009, aos 62 anos. (A notícia foi abafada algumas horas depois, quando morreu Michael Jackson.) Causa mortis: câncer retal. Ryan O’Neal morreu no dia 8 de dezembro de 2023, por insuficiência cardíaca.
Um dos túmulos do Westwood Village abriga um gigante de 1,75 metro. Nas telas, Kirk Douglas parecia ter três metros de altura em filmes como Vinte Mil Léguas Submarinas (20,000 Leagues Under the Sea, 1954), Glória Feita de Sangue (Paths of Glory, 1957), e Spartacus (1960). Douglas também encarnou o pintor Vincent Van Gogh em Sede de Viver (Lust for Life, 1956).
Douglas enfrentou uma acusação de estupro da atriz Natalie Wood em 1955, quando ele tinha 38 anos, e ela, 16. A acusação não foi desmentida. Hoje, Kirk e Natalie estão no mesmo cemitério.
Kirk Douglas viveu até os 103 anos e morreu por causas não reveladas. Foi enterrado ao lado da mulher, Anne, e do filho Eric. Outro filho de Kirk, Michael Douglas, também se tornou um astro do cinema. Como o tempo passa, hoje Michael está com 80.
Andar pelo Westwood Village é uma lembrança de que nós, tanto as pessoas comuns como as divindades da tela, terminamos do mesmo jeito. Mas não será pelo túmulo que eles serão lembrados, mas pelo que deixaram em vida. E isso vale para todo mundo.
No Westwood está o túmulo de um dos maiores músicos do século 20, Frank Zappa (1940-1993). Que morreu aos 52 anos de um câncer de próstata. Em 1993, meses antes de sua morte, e sabendo que estava a caminho do fim, Zappa deu uma entrevista ao programa Today Show. Um trecho:
Today Show: Como você quer ser lembrado?
Frank Zappa: Isso não é importante.
Today Show: Quer ser lembrado pela sua música?
Frank Zappa: Não é importante nem ser lembrado. Não me importo.
Coerentemente com seu desejo, Zappa foi enterrado no Westwood Village sem uma placa que o identifique. Sabe-se que seu corpo está próximo ao túmulo do ator Lew Ayres (1908-1996). De quem, aliás, quase ninguém se lembra mais.
Mas não há como esquecer Frank Zappa. Ele produziu tanta música que, 31 anos depois da sua morte, seus discos continuam sendo lançados em grande quantidade. E vem muito mais por aí.
Zappa não precisa de uma placa no chão do Westwood Village quando uma orquestra de 35 estudantes de 18 países, todos muito jovens, mantém viva sua música complexa, divertida, surpreendente e assombrosamente bela.
— Agradecimentos a Claudio Poles
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