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O Azerbaijão tem destruído sistematicamente o patrimônio cultural armênio em Nagorno-Karabakh, incluindo igrejas, mosteiros e artefatos históricos, numa política de limpeza étnica | Montagem: Revista Oeste/Reprodução
Edição 245

Estação Armênia no metrô e COP29 no Azerbaijão

O anfitrião da Conferência do Clima viola os direitos humanos dos armênios e pratica um revisionismo cultural e étnico contra a cultura cristã

Evaristo de Miranda
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A omissão é o pecado que com mais facilidade
se comete e com mais dificuldade se conhece;
e o que facilmente se comete e dificultosamente
se conhece, raramente se emenda.
(Padre António Vieira)

Qual é a relação da Estação Armênia no metrô paulistano com o Azerbaijão? País anfitrião da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP29, berço da indústria moderna dos combustíveis fósseis, o Azerbaijão é um violador dos direitos humanos dos armênios e praticante de um revisionismo cultural e étnico militante, sobretudo contra a cultura cristã. O Centro Europeu para o Direito e a Justiça (ECLJ) publicou, em junho, um relatório sobre a “destruição impiedosa do patrimônio histórico e o revisionismo da herança cristã armênia” na região Nagorno-Karabakh. O Ministério de Relações Exteriores francês publicou um aviso aos turistas sobre riscos de prisão, detenção arbitrária e julgamento injusto no Azerbaijão.

O Brasil enviou 1914 pessoas à COP29, a maior delegação na capital Baku. Dio mio, como é bom viajar com dinheiro público. Conversa sobre dólares, sem compromisso real, não faltou na COP e em seu descarbonizado acordo final. Das graves violações dos direitos armênios no Azerbaijão, os mais de 2 mil brasileiros ali presentes nada sabiam. A maioria, incluindo a mídia, foi e voltou sem saber de nada. Et pour cause, nada relatou. No retorno, poderiam ter convocado um ato de protesto na Estação Armênia. Sabem fazer isso. Nada. Essa omissão ofende os mais de 100 mil armênios-brasileiros. “A omissão é um pecado que se faz não fazendo”, ensinava o padre Vieira, no Sermão da Primeira Dominga do Advento (1650).

O Google Maps evidencia a destruição de um patrimônio histórico na região de Nagorno-Karabakh: a Igreja da Santa Ascensão, demolida pelo governo do Azerbaijão | Foto: Reprodução

Produtores e queimadores de combustíveis fósseis (gás, carvão mineral e petróleo) estão anistiados por grande parte dos ambientalistas. Exploradora de petróleo no Ártico, a Noruega doa migalhas ao Fundo Amazônia, dá curso de sustentabilidade a brasileiros e é aplaudida. China à frente, países petrolíferos, de árabes à Venezuela, estão fora da mira ambientalista, quanto mais o Azerbaijão, cuja existência ainda estava por demonstrar.

Mas a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2024 foi lá. No mesmo país onde, entre novembro de 2020 e setembro de 2023, dezenas de locais históricos cristãos em Nagorno-Karabakh foram destruídos, demolidos e muitos fechados ao público, mesmo a peregrinos. No ano passado, mais de 120 mil armênios de Nagorno-Karabakh foram forçados ao exílio, numa política de limpeza étnica denunciada pela Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e pelo Parlamento Europeu. Uma centena de armênios, militares e civis, incluindo políticos seniores, foram presos e são mantidos como reféns, sujeitos a tortura e a tratamentos desumanos e degradantes nas prisões do Azerbaijão.

O país obteve o completo controle dessa região armênia, após a ofensiva militar de setembro de 2023. Desde então, a destruição do patrimônio cultural armênio se tornou mais desenfreada. Nagorno-Karabakh abriga um rico tesouro da herança cristã armênia: igrejas, mosteiros, khachkars e outros artefatos culturais. Todos falam da fé e da cultura do povo armênio. Preciosas peças da história armênia estão sendo sistematicamente apagadas da região. Por aqui, nenhuma informação na mídia e muita omissão sobre a perseguição aos armênios, a destruição de seu patrimônio pelo autoritário anfitrião da COP29. Mais de 2 mil brasileiros foram a Baku apenas para postar nas redes, avaliar hotéis e se preparar para a COP30? Os estrangeiros na COP30 de Belém não se omitirão de opinar sobre a Amazônia e o Brasil.

Ilham Aliyev, presidente do Azerbaijão, discursa durante a Cerimônia de Abertura da COP29, em Baku (12/11/2024) | Foto: Reuters/Maxim Shemetov

Há décadas, armênios e azerbaijanos lutam por Nagorno-Karabakh. Esse conflito resultou em mortes e destruição de um precioso patrimônio. Desde a Segunda Guerra do Alto Karabakh (de setembro a novembro de 2020), o Azerbaijão controla a maior parte da região. Ali, existem cerca de 500 locais históricos e culturais, com 6 mil relíquias da herança armênia. O relatório do ECLJ demonstrou a destruição do patrimônio histórico armênio e o revisionismo da herança cristã armênia pelo Azerbaijão. E destacou a insuficiência da resposta internacional, até agora, além de propor ações para combater o genocídio cultural em curso em Nagorno-Karabakh.

O Azerbaijão impede observadores estrangeiros de monitorar a situação desses sítios culturais. Nenhum participante da COP29 se aventurou a fazer turismo pelo país. Hoje, o patrimônio armênio é monitorado apenas por imagens de satélite. Os resultados assustam. O relatório do ECLJ fornece imagens, uma lista completa e um exame detalhado do patrimônio destruído, danificado ou ameaçado pelo Azerbaijão, entre setembro de 2023 e junho de 2024. E detalha o revisionismo cultural imposto pelo Azerbaijão. O pais destrói a herança armênia e vai além: ela nunca existiu. E viola acordos internacionais como a Convenção para a Proteção dos Bens Culturais em Caso de Conflito Armado (Haia, 1954).

De maioria muçulmana, a república presidencialista do Azerbaijão, sem limites temporais dos mandatos presidenciais, tem no poder, estilo Bashar al-Assad, mais uma dinastia familiar autocrática: Ilham Aliyev, filho do ex-presidente Heydar Aliyev, sucedeu seu pai no cargo, em 2003. Para a Wikipedia, “ser uma nação rica em petróleo fortaleceu significativamente a estabilidade do regime de Aliyev e enriqueceu as elites dominantes do país, tornando possível acolher eventos internacionais luxuosos, bem como envolver-se em extensos esforços de lobby. A família de Aliyev enriqueceu (…) possuem partes significativas de vários grandes bancos, empresas de construção e empresas de telecomunicações (…) e parcialmente o controle das indústrias de petróleo e gás nacionais”. Voilà.

Heydar Aliyev, ex-presidente do Azerbaijão, e seu filho e atual presidente, Ilham Aliyev | Foto: Reprodução/Confederação dos Sindicatos do Azerbaijão

O clima andou pesado na COP29. A França é lugar de abrigo de 600 mil armênios, em parte sobreviventes do grande genocídio perpetrado pelos turcos em 1915, quando 1,5 milhão de armênios morreram. O presidente Aliyev usou a tribuna para atacar a França, aliada da Armênia. Os dois países convocaram seus embaixadores em plena COP29. A ministra da Ecologia da França cancelou sua participação. A Argentina abandonou a COP29. E na mídia e na delegação brasileira, nem um pio. As ONGs, então, silêncio total. Muitos militantes ambientalistas azerbaijaneses estão na cadeia. A China, segunda economia mundial, maior poluidor do planeta, ficou feliz: não está entre os países desenvolvidos e nada doará aos emergentes.

Se a COP29 foi ocasião perdida para pressionar o governo local, assim não será na COP30 em Belém. Aqui haverá pressões. Não a favor dos presos políticos brasileiros ou em defesa da Constituição, rasgada por quem deveria defendê-la. O mutismo mutará em ataques à soberania nacional da Amazônia. Defenderá o congelamento do desenvolvimento amazônico e o eugenismo ambiental no bioma etc. Em Baku, a ONU também nada disse sobre o anfitrião. Na Amazônia, em 2025, dirá. E o Azerbaijão seguirá ignorado e ignorando apelos para respeitar o patrimônio e o povo armênio.

No Brasil, a história da Armênia é pouco conhecida. No ano 301, a conversão do rei Terdat II fez da Armênia o primeiro Estado cristão, um século antes do Império Romano! Apesar dos terremotos e dificuldades da história, cujos auges foram o genocídio perpetrado pelos turcos em 1915 e o domínio comunista soviético em 1920, a fidelidade da Armênia ao Cristianismo nunca falhou. Sinal de esperança e orgulho, em 2001 os armênios do mundo celebraram 1700 anos de Cristianismo. A Bíblia foi o centro de sua tradição religiosa e permitiu a esse povo enfrentar tormentos e perseguições, muitas das quais os trouxeram ao Brasil.

Essa tradição começou no século 5º, com a criação de um alfabeto destinado a transcrever a Bíblia, para rezarem e meditarem em sua língua. Os comentários dos padres da Igreja foram traduzidos, e alguns desses textos só chegaram a nós graças às traduções em armênio, as únicas a sobreviver aos séculos. Em muitos casos, dada sua qualidade e rigor, as versões armênias são utilizadas até para corrigir outras fontes dos mesmos textos.

Bíblia medieval em armênio antigo é exibida na Igreja de Amberd, na Armênia (19/06/2017) | Foto: Reprodução

Por sua autenticidade, surgiu na Armênia uma igreja apostólica diferente de Bizâncio e de Roma, dotada de uma cristologia original, com uma liturgia própria. Ela lembra muito o patrimônio cristão da Terra Santa. Na cidade de Jerusalém, o Patriarcado Armênio foi criado no ano 638, e o bairro armênio mantém-se há 15 séculos, como exemplo de estabilidade e tolerância, em tempos de tanta violência e ameaças, ali também.

A Armênia foi a única nação soviética onde todas as igrejas foram fechadas. Todas. Hoje, a Faculdade de Teologia de Erevan sucedeu à antiga Faculdade Marxista-Leninista. Agora, também forma professores de religião, e o ensino religioso voltou em todas as escolas do país.

Poucos sabem sobre a comunidade armênia e sua contribuição ao desenvolvimento nacional. São mais de 100 mil armênios-brasileiros, muitos reconhecidos pelo final “ian” nos nomes: Atarian, Avian, Balabanian, Bolissian, Bojikian, Kerijian, Nazarian, Tilkian etc. Eles exercem profissões liberais, carreiras universitárias, artísticas e políticas. Como Aracy Balabanian, atriz cujos pais vieram ao Brasil fugindo do genocídio turco. A família Kuyumjian destacou-se na construção das barragens do Rio Tietê. E outros: Antônio Kandir, político e economista (Lei Kandir); Daniel Sarafian, lutador de MMA; Fábio Mahseredjian, preparador físico; Fiuk (Filipe Kartalian), cantor e ator; Krikor Mekhitarian, enxadrista; Marcelo Djian, ex-jogador de futebol; Pedro Pedrossian, político e engenheiro; Santiago Nazarian, escritor; Stepan Nercessian, político e ator; Vahan Agopyan, reitor da USP e secretário de Estado, e Wagner Santisteban, ator.

A história armênia ensina: o dilúvio islâmico e ditatorial em Nagorno-Karabakh passará. “Ninguém pode nos separar da fé: temos o Santo Evangelho como pai e a Igreja Católica como mãe.” Assim os armênios responderam, em 451, à tentativa persa de impor-lhes a religião masdeísta. Na praça central da capital Erevã havia uma estátua de Lenin. Hoje, há uma enorme cruz. No relato mítico da Bíblia, a Armênia foi eleita por Deus, após o desastre do dilúvio, para o renascer da humanidade. A arca pousou nas montanhas do Ararate (Gn 8,4). Ali, Noé plantou suas vinhas (Gn 9,20).

Leia também “Pimenta-do-reino para temperar a COP30”

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