Entrevista de emprego

— Só não ficou muito claro qual é a sua experiência.

— Como assim?

— O que você já fez.

— Fiz vários cursos. Estão no currículo.

— Me refiro a experiência de trabalho.

— Trabalho em que sentido?

— No sentido de… Como é que vou dizer? No sentido de trabalhar, mesmo.

— Ah, sim. Tenho.

— Tem o quê?

— Tenho muitas palestras sobre esse assunto.

— Você deu palestras?

— Não. Assisti. No YouTube. Tenho horas de visualização sobre a questão da inserção profissional.

— Mas você é profissional?

— Sou. Só falta inserir.

— Certo. E o que te faz acreditar nessa inserção?

— Minha capacidade.

— Qual é?

— Sou capaz de imitar vários bichos.

— Bem… É que…

— Minhas imitações bombam. Já consegui quase mil likes.

— Interessante. Mas é que nesta empresa nós não…

— Sei fazer análise política também.

— Ah, é?

— É. Quer um exemplo?

— Pois não.

— A arrogância e a ignorância decidiram a eleição estadunidense.

— Foi o que a Sharon Stone disse.

— A Sharon Stone e eu.

— Claro. Bom… Obrigado pela sua entrevista…

— E tem mais.

— O quê?

— As mudanças climáticas vão se acelerar. O consumo de combustíveis fósseis pelo modelo de sociedade imposto pelo homem branco tende à entropia, à distopia e à anorexia cósmica.

— Anorexia cósmica?

— É uma síndrome involutiva causada pelos elevados padrões consumistas do capitalismo selvagem. Os empresários precisam ser substituídos imediatamente por trabalhadores.

— Trabalhadores que trabalham?

— Trabalhadores que defendam o gene da humanidade neste mundo frio e impessoal. Que sejam inclusivos e não exclusivos. Que tenham uma concepção multigênero da sociedade e levem o planeta ao lugar da reunificação.

— Que lugar é esse?

— Banheiro misto.

— Bem, aqui na empresa nós não…

— E o primeiro passo para isso é combater processos seletivos preconceituosos que matem na origem as sementes da mudança e o embrião do futuro.

— Olha, não foi minha intenção…

— É urgente denunciar entrevistas opressivas e entrevistadores preparados pelo sistema para disseminar discurso de ódio.

— Imagina, eu não queria que você se sentisse…

— A humanidade não pode mais compactuar com a falta de empatia e a desinformação.

— Desinformação? Não entendi.

— Nem eu. Mas soa bem, e é isso que importa. Também importa informar que infelizmente você não poderá continuar na empresa.

— Eu?! Como assim?

— Isso mesmo que você ouviu. Por insuficiência de desempenho você será substituído.

— Que história é essa? Substituído por quem?

— Por mim.

— Por você?? Qual a justificativa pra isso?

— Au-au-au, hi-hó-hi-hó, miau-miau-miau, cocorocó.

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