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Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados; Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República; Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal; e Rodrigo Pacheco, presidente do Senado | Foto: Ricardo Stuckert/PR
Edição 247

Quem é o dono do Orçamento? 

Sem votos no Congresso, Lula recorre a Flávio Dino, do STF, e à imprensa velha para manejar o dinheiro dos pagadores de impostos

Silvio Navarro
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Nas últimas semanas, a velha imprensa tem tentado contar uma história aos pagadores de impostos. Segundo essa história, o governo Lula não consegue aprovar seus projetos para alavancar o país — inclusive um desejável corte de gastos públicos — porque os chacais do Congresso Nacional não permitem. Por isso, teria sido necessária a intervenção do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF). Quais são os erros nessa equação? O governo não tem projeto nenhum pronto, é no Legislativo que se debatem propostas. E o STF jamais deveria estar envolvido nisso.

Sem nenhuma cautela, a mídia tradicional afirma que os deputados e senadores estão chantageando o governo para votar projetos emergenciais, mediante dinheiro — as chamadas emendas parlamentares. Quando o termo “emenda” aparece no noticiário – ou siglas e jargões como “recursos a pagar”, “RP9”, “emenda Pix” – a tendência do brasileiro é pular a notícia. A maioria das pessoas entende que se trata de um assunto do microcosmo de Brasília.

Aos fatos: emenda parlamentar não é roubo de dinheiro público. É uma ferramenta para que o congressista indique para onde parte do Orçamento será destinada. Normalmente, ele indica as cidades em que teve votos nas eleições. No caso das emendas individuais, cada um tem direito a endereçar R$ 50 milhões por ano, que vão parar no caixa de prefeituras, e depois são revertidos em obras como asfaltamento, construção de pontes, reforma de quadras esportivas, equipamentos para Santa Casa etc. Há ainda as emendas coletivas feitas pelas bancadas do mesmo Estado, que atendem pleitos dos governadores. E as que saem das comissões temáticas — transporte, segurança, saúde, entre outras.

Luís Roberto Barroso, presidente do STF; presidente Lula; Flávio Dino, ministro do STF; e Arthur Lira, presidente da Câmara | Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Lula não tem votos

Há dois anos, a gestão Lula não consegue caminhar no Legislativo. São duas as explicações. A primeira é a falta de um articulador político. Pela primeira vez, o governo não não tem essa figura em campo nos corredores do Congresso. Oficialmente, o posto é ocupado por Alexandre Padilha (Relações Institucionais). Mas Padilha não é aceito nem pela bancada do PT (que opta por endereçar suas demandas diretamente ao Palácio do Planalto) nem pelo líder do governo, José Guimarães (PT-CE). Padilha é tratado em Brasília como cota da primeira-dama, Janja da Silva — eles são amigos e almoçam juntos frequentemente.

Segundo colunistas da imprensa tradicional, o presidente foi aconselhado mais de uma vez a trocar o articulador e recorrer à fórmula pós-Mensalão: chamar um nome de algum partido aliado, com trânsito e experiência na Câmara. Funcionou nos seus mandatos anteriores, depois da queda de José Dirceu. Vários políticos habilidosos assumiram a função, como José Múcio Monteiro (ex-PTB, hoje ministro da Defesa), Aldo Rebelo (ex-PCdoB, que presidiu a Câmara em dias de crise) e Michel Temer, entre outros.

A segunda explicação para o fiasco é aritmética: Lula não tem votos. Quem disse isso com todas as letras em entrevista na terça-feira, 10, foi o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). A base nominal é de 120 a 130 cadeiras, com esforço. Para aprovar uma emenda constitucional, por exemplo, são necessários 308 deputados e 52 senadores, em dois turnos de votação. Diante do cenário desfavorável, a saída seria destravar recursos do Orçamento previstos para os parlamentares do centrão — as tais emendas “demonizadas” — às vésperas de votações importantes, contando com a posterior fidelidade no placar. A novidade deste fim de ano é que nem isso parece mais resolver.

Alexandre Padilha (Relações Institucionais) não é aceito nem pela bancada do PT | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

‘Anões’ e ‘sanguessugas’

O jornal O Estado de S. Paulo, que cunhou o termo “orçamento secreto” no governo Jair Bolsonaro — embora a responsabilidade pelo manejo das planilhas seja do Congresso —, disse em editorial nesta semana que os parlamentares “têm etiqueta de preço”. “Deputados e senadores perderam o pudor e cobram liberação de dinheiro para destravar votações importantes para o país”, diz o texto. “Já houve mais discrição por parte dos parlamentares nas negociações do toma lá dá cá.”

A Rede Globo foi além em seu portal na internet: “Congresso quer ver dinheiro para só depois votar corte de gastos”. A reportagem do G1 ainda fala em “vingança” dos parlamentares pela interferência de Flávio Dino na queda de braço. Mas não questiona a interferência indevida do STF no histórico cabo de guerra entre o Executivo e o Legislativo pela execução do dinheiro entregue pelos pagadores de impostos à União.

É fato que a história tem episódios de esquemas de desvio de recursos por parlamentares: desde os “Anões do Orçamento”, no começo dos anos 1990, à “máfia dos sanguessugas”, na era do PT. Desta vez, contudo, nenhum dos órgãos responsáveis pela fiscalização dos repasses, como os Tribunais de Contas, o Ministério Público e a Polícia Federal, encontrou um esquema orquestrado a ponto de bloquear a execução orçamentária como fez Dino. Detalhe: as regras ignoradas pelo ministro foram aprovadas pelo Legislativo e chanceladas pelo Palácio do Planalto.

Aqui cabe uma reflexão temporal: há três ou quatro anos, as manchetes diziam que Jair Bolsonaro promovia um balcão de negócios com o chamado centrão para aprovar projetos econômicos. Era o escândalo de festim do “orçamento secreto”. Agora, Lula é vítima dos predadores do Legislativo. O que mudou de um governo para o outro nas regras de repasses de recursos? A resposta é nada — somente a interferência do STF para salvar Lula.

Notícia publicada no Estadão (11/12/2024) | Foto: Reprodução/Estadão
Notícia publicada no G1 (11/12/2024) | Foto: Reprodução/G1
Notícia publicada na Folha de S.Paulo (11/12/2024) | Foto: Reprodução/Folha de S.Paulo
Notícia publicada na Folha de S.Paulo (8/12/2024) | Foto: Reprodução/Folha de S.Paulo

Líder do governo no STF

A interferência sem disfarce do ministro Flávio Dino no impasse das emendas parlamentares lhe rendeu um apelido nos corredores da Câmara: líder do governo no Supremo — em alusão ao posto de líder nas Casas Legislativas. Desde agosto, Dino suspendeu R$ 25 bilhões em emendas dos deputados e senadores. A liberação de verbas ficou travada de agosto a novembro. A corda esticou e os plenários ficaram vazios.

O volume total que o Congresso pode movimentar é de R$ 52 bilhões em emendas. A partilha do bolo funciona assim: as emendas individuais somam R$ 25 bilhões, e as das comissões atingem R$ 15,5 bilhões. Essas duas modalidades são impositivas, ou seja, o pagamento é obrigatório. As emendas de bancadas estaduais somam R$ 8,5 bilhões. O destino da diferença é decidido pelo próprio governo.

Quando pediu socorro a Dino, o presidente Lula chegou a afirmar que o Congresso “sequestra” o Orçamento. Com o presidente hospitalizado, os ministros pediram que a Advocacia-Geral da União (AGU) editasse uma portaria na quarta-feira, colocando panos quentes na briga entre o Legislativo e o Supremo. A intenção é liberar um pouco do dinheiro represado (R$ 6,4 bilhões) para aprovar pelo menos o pacote fiscal. 

“O que nós fizemos via portaria foi simplesmente orientar os gestores federais e os parlamentares como deve se dar a execução” afirmou Jorge Messias, advogado-geral da União. “Basicamente, interpretando. Como a lei foi ajustada pelo Supremo, nós temos que dizer como é que de fato ela se aplica”.

Qual foi o resultado? Lira respondeu nos microfones: “O problema não é dinheiro, emenda ou portaria”, disse. “O Congresso tem suas atribuições e responsabilidades, e os projetos chegaram há poucos dias.” O recado do presidente da Câmara é claro: o Congresso não quer que o Supremo decida como o Orçamento deve ou não ser aplicado. Porque essa é uma atribuição dos parlamentares, numa negociação exclusiva com o governo. 

Faltam poucos dias úteis até o recesso de fim de ano. Depois das férias, o comando do Legislativo trocará de mãos: se nenhum acidente acontecer até lá, será tocado pelo jovem deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) e pelo senador Davi Alcolumbre (UB-AP). Nada indica que essa mudança vai alterar o tamanho da base do governo. Tradicionalmente, a metade final do mandato é mais difícil do que a primeira metade no Legislativo, agora contaminado pela chegada da eleição de 2026. Restará a Lula o seu ministro Flávio Dino, do STF — se o Congresso aceitar.

Ministro Flávio Dino e presidente Lula | Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

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