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A liderança do Brasil na transição energética com sua matriz renovável, impulsionada pela agroenergia, supera desafios e gera oportunidades para a COP30 | Foto: Scharfsinn/Shutterstock
Edição 248

A agricultura renova sua energia

A cada ano, a matriz energética brasileira se torna mais limpa, graças ao crescimento da energia solar, eólica e, sobretudo, da agroenergia

Evaristo de Miranda
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A redução das emissões de CO₂ em escala planetária só será possível com a maior adoção de energias renováveis e o menor uso de combustíveis fósseis (petróleo, gás e carvão mineral). Na descarbonização da matriz energética e na transição energética, o Brasil é uma liderança pouco conhecida e, muito menos, reconhecida: 49,1% da matriz energética brasileira é renovável.

Matriz energética é o conjunto de fontes de energia para suprir as demandas de eletricidade, aquecimento e transporte. O uso de energias renováveis no Brasil é três vezes superior à média mundial (14,7%). Ou seja, 85% da energia consumida pela humanidade é fóssil e poluente. Se o planeta multiplicar por três o uso de fontes renováveis de energia (solar, biomassa, eólica, hidráulica…), ainda assim não alcançará o Brasil. Quem sabe disso?

Nos países da OCDE, a situação é ainda pior. Sua proporção de energia renovável é inferior à média mundial: 12,6%, segundo a Agência Internacional de Energia. Quase 90% da energia usada nos países desenvolvidos é suja, de origem fóssil (petróleo, gás e carvão mineral), altamente emissora de CO₂ e gases poluentes. E eles ainda pressionam alegremente o Brasil em matéria ambiental.

Em dez anos, o Brasil saiu de 39,7% de energia renovável em sua matriz energética para 49,1%. A cada ano, a matriz energética brasileira se torna mais limpa, graças ao crescimento da energia solar, eólica e, sobretudo, da agroenergia. Há 20 anos, a participação das energias renováveis na Oferta Interna de Energia se manteve em patamar elevado, até o recorde de 2023. Esse esforço será mostrado na 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), a ser realizada em Belém em 2025? Será cobrado o mesmo de outros países? O Brasil pratica, como ninguém, ações para a transição energética pela inserção crescente de novas fontes renováveis em sua matriz energética, sobretudo oriundas da agropecuária, da agroenergia.

O Brasil ampliou sua matriz energética renovável para 49,1%, liderando ações de transição energética, impulsionadas pela agroenergia, rumo à COP30 | Foto: Shutterstock

A agroenergia é a energia solar transformada em energia química pelas plantas por meio da fotossíntese. Ela fica armazenada nas folhas, sementes, caules e raízes. Quanto mais longo o ciclo temporal, maior a insolação recebida pela planta e maior o acúmulo de energia química. Como em cultivos plurianuais e perenes: cana-de-açúcar, mamona, dendê, mandioca, macaúba, pastagens etc. A agroenergia é sinônimo de cultivos tropicais, cujos ciclos de produção são longos: de 250 a 300 dias e até mais.

No Brasil, mesmo nos grãos (soja, milho, arroz…), a pesquisa agropecuária, com tecnologias inovadoras para as condições tropicais, viabilizou duas colheitas anuais no mesmo local. A soja, por exemplo, é plantada na primavera e, logo em seguida, vem o milho de segunda safra, colhido no outono. Isso amplia a produção de alimentos para humanos e animais (farelo de soja, DDG, fubá…) e de energia (biodiesel de soja e etanol de milho), num “ciclo longo” de produção (de 150 a 180 dias), inédito e virtuoso: duas colheitas de grãos por ano na mesma parcela. Alimento e agroenergia.

Em países temperados, como nos EUA e na Europa, as baixas temperaturas e a pouca insolação no outono e no inverno limitam a atividade fotossintética das plantas de 90 a 120 dias, entre primavera e verão. Uma única colheita por ano de cereais, beterraba, canola… para biocombustíveis, tudo de ciclo curto, é pouco sustentável em termos energéticos.

Em 2023, a agropecuária garantiu 32,7% da matriz energética do Brasil, ou 102,7 milhões de toneladas equivalentes de petróleo (TEP). Por ordem de importância, contribuem com a parte renovável da matriz energética a cana-de-açúcar, ao fornecer etanol para veículos, gás biometano e cogeração de energia elétrica com o bagaço da cana; as florestas energéticas de eucalipto, ao fornecerem lenha e carvão; os óleos vegetais, sobretudo da soja, e o sebo de boi, ao entrarem na composição do biodiesel; os resíduos agrícolas e florestais (licor preto, palha de arroz, cavacos, biogás de dejetos animais…), ao gerarem calor e energia elétrica.

A contribuição da cana-de-açúcar (etanol, biometano e cogeração do bagaço) na matriz energética brasileira em 2023 foi de 16,9%, bem superior aos 12,1% de todas as hidroelétricas no mesmo período! Quando cresce a demanda por açúcar, um alimento, aumenta a produção de bagaço e energia pela cana.

Matriz energética brasileira | Fonte: Balanço Energético Nacional (EPE)

Lenha e carvão vegetal são produzidos por florestas energéticas plantadas, essencialmente eucalipto, e utilizados desde por siderúrgicas de ferro gusa e aço verde, passando por usos industriais e domésticos, até por pizzarias. As siderúrgicas brasileiras Gerdau, Aperam, ArcelorMittal e Vallourec são as maiores consumidoras de carvão vegetal. Maior produtor mundial, o Brasil atingiu 24,2 milhões de metros cúbicos em 2023. Substitutos do carvão mineral, lenha e carvão contribuíram com 8,6% da matriz energética em 2023, o dobro dos aportes das energias eólica (2,6%) e solar (1,7%).

No sistema de transporte, o consumo do etanol combustível cresceu 5,4% em relação a 2022 e atingiu 32,1 bilhões de litros em 2023. Além do etanol da cana-de-açúcar, o de milho não para de crescer e representou 15,8% da produção total, um crescimento de 18,1% em relação a 2022. O uso do etanol ou sua adição à gasolina contribuem na melhoria da qualidade do ar nas aglomerações urbanas.

Refinarias de cana-de-açúcar produzem etanol e geram energia sustentável com o aproveitamento do bagaço | Foto: Shutterstock

Outro combustível renovável produzido pela agricultura é o biodiesel. As matérias-primas mais usadas são óleo de soja (80%) e sebo de boi (20%). O Brasil é um dos maiores produtores de biodiesel. Seu consumo crescente é favorecido pela política de adição desse combustível renovável ao diesel fóssil. Seu uso alcança todos os ônibus, caminhões, tratores e outros utilitários. Muitos não se dão conta. Pior: alguns ainda falam contra soja e bois em seus discursos ecológicos!

A Lei Combustível do Futuro ampliou a demanda. Em 2025, o teor de biodiesel será de 15% no diesel e chegará a 25% até 2035. Isso exigirá um volume de óleo de soja 296% superior ao utilizado em 2023. Há 12 anos, a produção de biodiesel era de apenas 2,4 bilhões de litros. Em 2024, foram produzidos 9,3 bilhões de litros de biodiesel. A produção deverá alcançar 12,3 bilhões de litros em 2027. A capacidade de esmagar soja da indústria passará dos atuais 59,8 milhões de toneladas para 72,1 milhões em 2027. O processamento industrial aumentará mais de 11 mil toneladas/dia até 2027.

Em 2023, biodiesel, licor preto e outros subprodutos da biomassa de uso energético representaram 7,2% na matriz energética brasileira. Um valor superior, por exemplo, ao da participação do carvão mineral (4,4%).

A eficiência da agropecuária brasileira na produção de agroenergia é enorme. Para produzir 32,7% da oferta interna de energia, o setor agropecuário consome apenas 5% da matriz energética. Essencialmente em diesel e eletricidade. O consumo de energia da agricultura é inferior ao de qualquer outro setor da economia. Eles não geram quase nada e têm um consumo bem superior ao da agropecuária. O transporte é o maior consumidor de energia: 33% da matriz. A indústria consome 31,8%. Residências alcançam 10,7%, e serviços, 5,1%. Até o setor energético tem um consumo superior ao da agricultura, ao gerar e distribuir energia: 8,8%.

A sociedade brasileira começa a descobrir outra dimensão da agricultura: gerar energia, além de produzir alimentos e fibras. A agricultura e o setor florestal são máquinas movidas a energia solar, a não confundir com a energia fotovoltaica. A agropecuária brasileira na produção e na reciclagem (economia circular) é exemplo de geração de energia limpa, verde e solar.

Com a COP30 no horizonte, enquanto seguem a crise energética e a queda brutal na venda de carros elétricos na Europa, a produção de etanol e biodiesel avança no Brasil com o desenvolvimento de carros híbridos e do hidrogênio verde. E alhures. Dadas as oportunidades das políticas de descarbonização nos EUA, a Eco-Energy, braço norte-americano da Copersucar, a maior comercializadora de etanol do Brasil, ampliou seu programa voluntário de emissão de créditos de carbono (TERC).

A Honda anunciou o primeiro veículo de célula de combustível de hidrogênio plug-in de produção da América. O CR-V e:FCEV será um SUV compacto que poderá fazer até 46 quilômetros com a bateria | Foto: Divulgação/Honda

Com a COP30 no horizonte, a participação do setor agropecuário na produção de combustíveis limpos de aviação (Revista Oeste, edição 234), o sustainable aviation fuel (SAF) avança. Óleos vegetais, como o de soja, podem ser a base da produção de SAF e de diesel verde (HVO). Esse mercado, estimado em US$ 1,1 bilhão em 2023, deverá chegar a US$ 16,8 bilhões em 2030. No Minnesota (EUA), o investimento de US$ 5 bilhões numa usina de SAF criará centenas de empregos e atenderá a metade da demanda de SAF do Minnesota International Airport. E por aqui?

Com a COP30 no horizonte, quem sabe o Ministério do Meio Ambiente e o Itamaraty possam defender a exploração do petróleo na Margem Equatorial na Amazônia. E explanar como isso serviria para financiar o investimento em uma grande indústria de produção de SAF no Pará e quanto serviria na descarbonização do setor aéreo brasileiro e mundial. Haveria notícia melhor para a Amazônia, o Brasil e o mundo? Pouco provável.

Com a COP30 no horizonte, o país chegará a Belém exibindo seu complexo de vira-lata, com o obscurantismo de ministros de governo, estatais e ONGs ambientalistas? Eles combatem o agro nacional, o tratam de ogronegócio, modelo de morte e impedem o desenvolvimento social e econômico da Amazônia. Ao contrário da agroenergia, essa energia do atraso, negativa e eugenista, precisa ser varrida energicamente do horizonte da COP30 e do Brasil, para o bem de todos e felicidade geral da nação.

Leia também “Estação Armênia no metrô e COP29 no Azerbaijão”

7 comentários
  1. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    As condições favoráveis para o agro brasileiro assusta o mundo.
    As ONGs e ativistas irão utilizar a COP30 para tentar impor suas agendas do atraso.
    E o pior é que não temos lideranças políticas capazes de desmontar esse discurso e defender os reais interesses brasileiros para o bem de toda a humanidade.

  2. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    COP é um motivo criado por burocratas para luxar com o dinheiro público. Aqui no Brasil então… veja a comitiva que foi ao Azerbaijão… COPlooza.

  3. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    O Brasil tem que se preocupar primeiramente em retirar os comunistas do poder, depois vem o desenvolvimento e autonomia

  4. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Parabéns professor. Não seria útil levar essas orientações ao STF para que determinas decisões judiciais tenham mais tecnicidade?. Afinal, decisões do STF parecem ser superiores às do Legislativo e até do Executivo.

  5. Capt Gottlieb
    Capt Gottlieb

    Assisti duas palestras do Prof. Evaristo e fiquei muito bem impressionado com o seu conhecimento, experiência e didática. Infelizmente países da Europa Ocidental e América do Norte querem sufocar o desenvolvimento brasileiro, principalmente no tocante ao agro e setores energéticos. Estes países são mega poluidores e têm o descaramento de criticar o Brasil. Precisamos perder o “complexo de vira-lata” e mostrar ao mundo o que nós fazemos e o que eles fazem. A diferença em matéria de poluição, meio ambiente e florestas é gritante.

  6. arcelino mendonça da cunha
    arcelino mendonça da cunha

    Artigo cuja a leitura é obrigatória a todos os brasileiros.

  7. Chequer Jabour Chequer
    Chequer Jabour Chequer

    Como sempre, excelente.

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