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Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República, e Fernando Haddad, ministro da Fazenda | Foto: Montagem Revista Oeste/Paulo Pinto/Agência Brasil/IA
Edição 248

O negacionismo de Lula

O governo dobra a aposta em ideias que até agora só fizeram aumentar o tamanho da desvalorização do real e o risco crescente de insolvência fiscal

Adalberto Piotto
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Em meio a uma crise fiscal, outra cambial e mais uma de credibilidade, com o dólar batendo todos os recordes de alta, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a quem devemos tratar como a maior autoridade de política econômica do país, anunciou que vai tirar férias em janeiro. Deu no Diário Oficial.

Roberto Campos, o avô, célebre economista e pensador brasileiro, costumava dizer que o PT é um partido de trabalhadores que não trabalham, de estudantes que não estudam e de intelectuais que não pensam. Se nos for possível acrescentar um ponto a mais, seria também o caso de dizer que o PT é um partido cujo ministro da Fazenda, quando no poder, tira férias durante uma crise.

Presidente Lula e Fernando Haddad, ministro da Fazenda, que vai tirar férias em janeiro | Foto: Ricardo Stuckert

Por essa e por outras que o Brasil já dá mostras de que talvez não consiga esperar até 2026, quando um novo governo deverá assumir o país. Até lá seriam mais dois anos de Lula 3, um governo que dobra a aposta em ideias que até agora só fizeram aumentar o tamanho da desvalorização do real e o risco crescente de insolvência fiscal. Até outubro, foram 17 meses consecutivos de déficits primários, uma dívida bruta que ultrapassou os R$ 9 trilhões pela primeira vez e, no início desta última semana antes do Natal, o Tesouro Nacional estimou que o governo Lula poderá ter déficits em todos os seus quatro anos de mandato. É a receita da irresponsabilidade em plena ebulição. Apesar disso, das evidências inquestionáveis, dos números insofismáveis, o governo e seus puxadinhos tentam culpar tudo e todos, à exceção do único realmente culpado, aquele que o governo encontraria se olhasse para o espelho. Na recente disparada do dólar, o desvario de uma gestão perdida em si mesma acusou o tal “mercado” de especulação. Mas só se especula quando não se tem certeza. Que dúvida resta sobre os números do caos fiscal e a inabilidade governamental diante da atual crise de credibilidade? 

O lulopetismo não só demonstra estar desconectado da realidade em que seu governo colocou o país, como crê que não criou os problemas que todos veem, porque públicos e notórios, mas dos quais o governo tenta se desvencilhar. Não cola.

Se a “Faria Lima” especulou algo errado, foi a parte que apoiou Lula na eleição de 2022 com a crença equivocada — a Faria Lima tem sérias dificuldades com análise política — de que a sobriedade do primeiro mandato em 2003 estaria de volta. Só um primário em avaliação da política nacional e do petismo poderia acreditar nisso. Lula 1 foi Antonio Palocci, o poderoso ministro da Fazenda que tinha ascendência técnica sobre o presidente e a tigrada perdulária da esquerda. Lula 2 foi a China, que crescia vorazmente a 15% ao ano e injetou dinheiro no mundo inteiro, sobretudo em fornecedores de commodities, como o Brasil. Lula 3, este, sim, é só Lula, como Dilma também foi, sem nenhum dos privilégios de seu antecessor. Hoje, sem ninguém com autoridade moral e técnica que lhe traga à consciência nem o mundo consumindo e crescendo em níveis chineses de outrora, só sobrou o que Lula acredita e faz. Deu no que está dando. Logo depois de passar por duas intervenções para conter uma hemorragia no crânio, num caríssimo hospital da capital paulista e inalcançável à maioria dos brasileiros, o presidente disse: “Ninguém tem mais responsabilidade fiscal do que eu”. A frase, incrivelmente dita já sob alta médica, só poderia piorar o quadro. Conseguiu. O que são palavras de um populista diante dos números reais de um governo populista?

Na quarta-feira, quando o dólar à vista fechou na cotação inimaginável de inéditos R$ 6,26, apesar de todas as intervenções feitas dias antes pelo Banco Central, Fernando Haddad, em ritmo de férias, veio a público e numa rápida entrevista se limitou a dizer que o dólar “vai se acomodar”. Não se acomodou. O Banco Central teve de injetar mais US$ 8 bilhões das reservas nacionais, logo na quinta-feira, para segurar a cotação da moeda norte-americana que, mesmo caindo, ficou muito acima dos R$ 6. Também recorreu à platitude de que “o câmbio é flutuante”. Ufa! E numa tentativa de vender o que não pode entregar sem autorização de Lula, disse que a equipe econômica poderia trazer novas medidas de contenção nos gastos, provavelmente no ano que vem, depois das férias. É uma declaração sem sustentação que convence quase ninguém, até porque o ministro também engrossou a fila do discurso desesperado da tal especulação sem colocar os corretos balizadores no debate. Em dezembro de 2023, o dólar era cotado a R$ 4,80. Durante um ano inteiro gastando mais do que arrecada, o governo não acenou em nenhum momento a uma política séria de austeridade fiscal. Na última hora, prometeu um pacote de corte das despesas que levou mais de um mês para ficar pronto e, ainda assim, ruim, insuficiente. Sob inflação em alta e a desvalorização do real, coube ao Banco Central autônomo de Roberto Campos Neto atuar nos seus limites, aumentando os juros e intervindo no câmbio. Mas quem deveria fazer política econômica de gente grande como o Brasil é o governo. Até agora, não fez.

O diagnóstico do atual governo de Lula é cristalino de negacionismo fiscal. Em psicologia, rejeita a realidade e se dá num mundo paralelo. Enquanto o governo se esvai em seus devaneios, a vida real não dá trégua para os brasileiros que trabalham. E veja o leitor a que ponto chegamos. O Brasil de 2024 não se distancia dos outros “Brasis” apenas pela linha do tempo e pelo atual tamanho da crise. A realidade brasileira deste momento talvez não nos permita mais aplicar os modelos de solução política — e até mesmo econômica — que usamos em tantas outras crises que enfrentamos. E porque hoje temos um novo e inusitado ator no debate, o Supremo Tribunal Federal, que tem se sobreposto aos demais. Atualmente, nada no Brasil pode ser discutido e garantido na sua plenitude sem a anuência suprema. E o STF ativista ainda blinda o governo política e juridicamente. Seja quando admite inovações no cálculo das contas primárias, para evitar crimes de responsabilidade, seja ao evitar o protagonismo que se deu quando exigia explicações do governo anterior, num claro desrespeito à constitucional separação dos Poderes. Agora, pouco ou nada se ouve falar que determinado ministro deu “cinco” dias para o governo Lula se explicar disso ou daquilo, algo que inconstitucionalmente se tornou comum contra Bolsonaro.

Com a política no Congresso intimidada a reagir, seja para se impor e retomar as rédeas de um país largado pelo Executivo, seja mesmo para avaliar um eventual processo de impeachment — um julgamento político na essência que pune gestores irresponsáveis —, o momento brasileiro parece sem saída, e isso provoca a reação de quem não pode esperar ou tem lugares melhores para estar: o investidor.

Fato é que muita gente, por erro de análise política ou falso compromisso com a democracia, permitiu o atual nó institucional de um Supremo anabolizado que inibe a política de fazer o que só ela sabe fazer. Em regimes democráticos, só a política tem remédio para crises como a que estamos vivendo. A política pune, perdoa, negocia, impõe, recua, avança, recua novamente e, em algum momento, porque movida a sobrevivência e vigiada pela opinião pública, encontra saídas. Sempre foi assim, aqui e em qualquer democracia.

Diante da constatação óbvia que nos é devido lembrar, a receita para a recente crise nacional é a recuperação plena de nossa democracia e da política no Congresso. Ambas sob ataque de forças nada ocultas, mas com inquéritos sigilosos sem limites.

O dólar “vai se acomodar” | Foto: Montagem Revista Oeste/ Marcelo Camargo/Agência Brasil/IA

Leia também “Que 2026 chegue logo. Ou que retomemos o país”

13 comentários
  1. Dimitrius Mangialardo Ramos Dos Santos
    Dimitrius Mangialardo Ramos Dos Santos

    Nunca ficou tão certo a ineficiência do congresso, salvo raríssimas exceções. Não lutam e não questionam nada.

  2. Dimitrius Mangialardo Ramos Dos Santos
    Dimitrius Mangialardo Ramos Dos Santos

    Nunca ficou tão certo a ineficiência do congresso, salvo raríssimas exceções. Não lutam e não questionam nada.

  3. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Piotto, a única certeza que tenho é que hoje foi melhor do que amanhã.
    O Brasil necessita de medidas urgentes para fechar as torneiras da irresponsabilidade ou sem solução, despencaremos no abismo de onde poucos conseguirão sair ilesos.

  4. Vanessa Días da Silva
    Vanessa Días da Silva

    Esse Haddad não faz nada a não ser cumprir ordens do nalfabeto. Não vai fazer diferença de ferias

  5. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Piotto, o bom jornalismo da Revista Oeste, GP, Brasil Paralelo, outras mídias honestas e os poucos bons jornalistas que ainda restam na imprensa tradicional, não poderiam mover celebridades de todos os setores e instituições como economistas, empresários, juristas, políticos, religiosos, militares enfim, que realmente desejam a pacificação do pais, para manifestarem junto ao TSE/STF, a necessária e urgente implantação do VOTO IMPRESSO, como aprimoramento das URNAS, que o próprio eleitor será o primeiro AUDITOR ao constatar que seu voto estará presente em 2 urnas, eletrônica e física e portanto AUDITÁVEIS? Vamos exigir transparência nos resultados que sabidamente os eleitores de centro direita respeitarão Será que estaríamos nesse caos se o resultado de 2022 fosse outro?.

    1. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
      Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

      Concordo. Este tema é essencial.

  6. JOSE ROBERTO CARRARA
    JOSE ROBERTO CARRARA

    já era certo que esse governo iria quebrar o Brasil, até que demorou 2 anos,,,,,,,
    um analfabeto na presidencia, e um aprendiz na economia, só podia dar no que deu,,,,,

  7. Vinicius Freitas
    Vinicius Freitas

    A Faria Lima, está acostumada a ganhos futuros. Por isso votou em peso no Lula. Quem tem grana para comprar dólar na cotação atual? E ainda vai ganhar muito mais, pois quem está quebrado, no caso o Brasil, pagará qualquer juros para rodar a máquina pública. Fizerem o que sempre souberam fazer. No governo Bolsonaro eles não tiveram essa chance. Sabiam o que estavam fazendo.

  8. Anísio Silva Horta
    Anísio Silva Horta

    QUE MARAVILHA !! QUEM SABE, ASSIM, OS JUMENTOS ACORDAM . SE ISSO NAO ACONTECESSE, CERTAMENTE SERIAMOS RIDICULARIZADOS; COMO OS AQUELES QUE PREVIRAM E NADA ACONTECEU. QUE SOFRAM !!

  9. Marcos Antônio de Carvalho
    Marcos Antônio de Carvalho

    No que se refere à atuação política do Supremo Tribunal Federal, há que se constatar uma coisa deveras importante. Todos os integrantes daquela Casa, são (ou deveriam ser) juristas, na mais ampla acepção da palavra. Entretanto, aqueles 11 indivíduos, que comprovadamente pouco ou quase nada sabem de Direito – haja vista as reprovações do sr. toffoli em concursos para Juiz e a constatação de que apenas um – o sr.Fux, chegou ao STF oriundo da magistratura – agora querem entender de Economia, de gestão pública, de saúde pública, de combate a drogas, de filosofia, de agricultura, de antropologia, etc. Se em Direito, são semi-analfabetos, imagine-se em outros assuntos!!!!!!!!

  10. Joel Luiz Oliveira Rios
    Joel Luiz Oliveira Rios

    Análise perfeita e sem dúvida a situação do país vai piorar e muito, tanto política quanto economicamente. É triste esta realidade, fruto não só da incompetência, mas sobretudo da irresponsabilidade deste desgoverno. Queremos nosso Brasil de volta antes de 2026, sem dúvida a melhor solução para o Brasil e sua sofrida população, sobretudo os mais pobres de quem este desgoverno diz tanto amar, neste desgoverno do “amor”. SOCOOORRO! senhores políticos, que tenham um mínimo de sentimento pelo povo sofrido e lascado desta Nação.

  11. Fabio Oliveira Malta
    Fabio Oliveira Malta

    Vai piorar ! Única certeza que eu tenho.

    1. Sandra Maria Ferreira Cavalieri D'Oro
      Sandra Maria Ferreira Cavalieri D'Oro

      Se nada acontecer, é nada acontecerá, concordo com Fábio,. Só tem um caminho, o do brejo!

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