Pular para o conteúdo
publicidade
Foto: Revista Oeste/IA
Edição 251

O jogo virou

Mark Zuckerberg muda os rumos das principais redes sociais do planeta depois da eleição de Donald Trump e revela a pressão de ‘tribunais secretos’ pela censura contra a direita

Ana Paula Henkel
-

Mark Zuckerberg, CEO da Meta, anunciou nesta semana que a empresa está arrependida da implantação de tentáculos censores contra seus inimigos políticos por anos a fio. Ele prometeu mudanças em nome da “liberdade de expressão” e admitiu que “alguns erros foram cometidos no passado”.

Essa mudança ocorre depois da acachapante vitória de Donald Trump na eleição presidencial de novembro. A notícia foi bem recebida por muitos que pertencem à ala política da direita, massacrados há anos pelos censores das redes sociais — inclusive pelas plataformas da Meta, o Facebook, o Instagram e o WhatsApp. Muitos parecem felizes com a ideia de um “novo Elon Musk”, que transformou a rede X no canal mais livre da internet e vem salvando o Ocidente.

Mas, antes de festejar a virada de jogo, é importante olhar para o retrovisor da História. Aqui vai uma pergunta: será mesmo que a mudança repentina de opinião de Zuckerberg não tem nada a ver com a volta de Donald Trump à Casa Branca? É importante lembrar que foi Zuckerberg quem baniu Trump do Facebook e manipulou a eleição de 2020 contra ele, a favor de Joe Biden. A resposta dos americanos veio quatro anos depois, com a reprovação à censura e a um projeto de poder totalitário, inclusive em redutos tradicionalmente democratas no mapa.

Se a Meta cumprir suas promessas, o mundo, sem dúvida, se beneficiará. Levar os funcionários de tecnologia da soviética Califórnia para o livre Texas já parece uma melhoria e tanto. Não ter de conviver com o cancelamento de perfis das redes sociais simplesmente por chamar um homem de homem, e uma mulher de mulher, é desejável — e já deveria ter ocorrido há tempos.

Num passado não tão distante

Ao divulgar o vídeo com as mudanças nas políticas da sua empresa, na terça-feira, 7, Mark Zuckerberg conseguiu apontar o dedo para todos os lados: “mídia tradicional, sistemas complexos e automatizados, filtros, movimentos políticos, o estado da Califórnia, o governo dos EUA, o FBI, especialistas e verificadores de fatos terceirizados” — exceto contra ele mesmo.

O empresário também anunciou que vai se livrar dos “checadores de fatos” que insistiram, durante todos esses anos, em não checar os fatos — mas em empurrar as falácias de uma agenda censora. “É hora de voltar às nossas raízes em torno da liberdade de expressão. Estamos substituindo os verificadores de fatos por Notas de Comunidade [como na rede X, de Elon Musk], simplificando nossas políticas e focando em reduzir erros. Estou ansioso por este próximo capítulo.”

No vídeo de cinco minutos, o dono da Meta ainda afirmou que, “depois que Trump foi eleito pela primeira vez, em 2016, a mídia tradicional empurrou a tese de que a desinformação era uma ameaça à democracia”. Acrescentou: “Tentamos de boa-fé abordar essas preocupações sem nos tornarmos árbitros da verdade. Mas os checadores de fatos têm sido muito tendenciosos politicamente”.

Censurar a mídia independente e frear a liberdade de expressão não foi um crime sem vítimas. Os responsáveis por isso não podem, simplesmente, dizer: “Foi mal”. E, em seguida, continuar com seus bilionários negócios ante um novo cenário político. Muitos tiveram sua vida destruída — não só os perfis nas plataformas — nesse percurso.

“A liberdade nunca está a mais de uma geração da extinção. Nós não passamos a liberdade para os nossos filhos na corrente sanguínea. Devemos lutar por ela, protegê-la e entregá-la para que façam o mesmo.”
(Discurso de Ronald Reagan, em 1987)

Ilustração: Jorm Sangsorn/Shutterstock

Eleições de 2020

Um dos pecados óbvios da Meta foi a manipulação da eleição de 2020 — e isso não foi culpa de “sistemas complexos e automatizados”. A equipe de Zuckerberg fez muito pelos democratas nos Estados Unidos, sufocando a história verdadeira do laptop de Hunter Biden, que ameaçava prejudicar as chances do pai de assumir a Casa Branca em 2020. Por causa das manipulações da Meta, eleitores americanos indecisos foram privados de acesso a evidências bombásticas do esquema corrupto de pagamentos da família Biden poucas semanas antes da eleição.

Antes de colocar mais de US$ 350 milhões em campanhas democratas em 2020, distribuídos em condados e cidades em 47 estados, e bloquear a verdade sobre o filho de Biden, Zuckerberg já havia mostrado disposição em amordaçar o debate sobre vacinas, tratamentos e políticas de distanciamento social durante a pandemia de covid-19.

Por mais de dois anos, o Facebook assumiu um papel cada vez mais ativo na censura de informações relacionadas à covid — consideradas “notícias falsas” por autoridades de saúde do governo, como Anthony Fauci, e os “checadores de fatos” selecionados a dedo pela empresa. Em fevereiro de 2020, a Meta anunciou que aumentaria os esforços para remover quaisquer “alegações falsas” sobre as vacinas e tratamentos em suas plataformas. Médicos e especialistas foram calados e banidos. E o necessário debate científico foi suprimido.

Não é exagero dizer que a Meta, por meio do Facebook e do Instagram, divulgou informações falsas sobre a covid e contribuiu para que pessoas morressem em todo o mundo, já que o pânico do vírus levou o planeta a lockdowns mortais. O trancamento global manteve muitos pacientes longe de cuidados essenciais e idosos longe de sistemas de suporte psicológico perto de sua família. Estudos recentes mostram que os lockdowns  também causaram um aumento na ansiedade, casos de abuso infantil e doméstico, dependência química e suicídio.

Para a imprensa livre, a censura de Zuckerberg estrangulou o alcance de muitos veículos e vozes conservadores. A missão da mídia independente é tentar conter o fluxo ininterrupto da agenda da esquerda, amplamente majoritária nas redações do mundo todo. Quando os gigantes da tecnologia silenciam os dissidentes dos consórcios de mídia, a falsa narrativa não é verificada — e isso não é pouca coisa em democracias.

Agora Zuckerberg quer anistia. Ele decidiu engolir o orgulho em troca de amigos do outro lado do corredor que o tratem como tratam Elon Musk, que apareceu com botes salva-vidas na cruzada pela liberdade de expressão. Esta nova etapa não é uma admissão real de culpa e não pode haver anistia sem a restituição da verdade e a genuína responsabilização — covid, corrupção, censura, lawfare.

Zuckerberg é proprietário da Meta, dona do Facebook, Instagram e WhatsApp | Foto: Anurag Dubey/Wikimedia Commons
Zuckerberg é proprietário da Meta, dona do Facebook, do Instagram e do WhatsApp | Foto: Anurag Dubey/Wikimedia Commons

Zuckerberg está, em última análise, buscando um acordo judicial no tribunal da opinião pública. Ele quer jogar seus aliados na conspiração para debaixo do ônibus e admitir a culpa por delitos menores, com a esperança de um tapa na mão e, talvez, um pouco de serviço comunitário.

Em 2021, depois de investir milhões de dólares em operações de mobilização de votos para a vitória de Joe Biden, em 2020, o próprio Zuckerberg anunciou que sua empresa estava banindo Donald Trump, então presidente em exercício dos Estados Unidos, do Facebook e do Instagram por tempo indeterminado. Nenhum “erro” foi cometido com base em “sistemas complexos”. O dono da Meta calculou sua aposta como um gigante da tecnologia censurando seu oponente político. Mas o efeito avassalador de Trump em 2024 parece que virou o jogo.

No vídeo desta semana, Mark acusa os países latino-americanos de possuírem “tribunais secretos”, que poderiam ordenar a retirada de publicações nas redes sociais “silenciosamente”, talvez em um claro recado para o Brasil censor do consórcio Lula-STF: “Os países latino-americanos têm tribunais secretos que podem ordenar empresas para silenciosamente derrubar as coisas”.

Todos nós podemos esperar que as mudanças da Meta façam com que as fogueiras dos censores desapareçam — ou percam intensidade. “É hora de voltar às nossas raízes em relação à liberdade de expressão”, disse Zuckerberg.

É uma declaração importante, mas fácil num país que respeita sua Constituição e detém instituições sérias, como os Estados Unidos. Uma boa chance de se redimir — de verdade — será enfrentar os novos tribunais stalinistas no Brasil.

Leia também “Um simples 2025”

4 comentários
  1. Osmar Martins Silvestre
    Osmar Martins Silvestre

    Ótimo, estimada Ana Paula. Agradeço por nos lembrar quem é o Zuckerberg. Esse vai com a onda, só quer livrar o dele quando muda o vento. De qualquer forma, acionados pelo medo ou conveniência, devemos festejar quando um inimigo acaba se entregando e prometendo lutar do nosso lado. Só devemos ficar alertas. Um mau caráter não deve merecer confiança ilimitada e não vigiada. Lembro-me de uma leitura na escola, nos bons e velhos tempos antes do politicamente correto, onde um bom cidadão agasalhou junto ao corpo uma serpente que encontrou na fria água que corria em uma sarjeta em uma manhã muito fria. Quando a serpente se reanimou com o calor do seu corpo, picou-o e o matou.

  2. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Pois é Ana, mesmo assim os poderosos do momento continuam machões no Brasil.

  3. MNJM
    MNJM

    Muito bom Ana. Torço que a Meta coloque os ditadores do pais no lixo, junto com a velha mídia vendida.
    VIVA A LIBERDADE DE EXPRESSÃO PILAR DA DEMOCRACIA.

  4. Gabriel Veras
    Gabriel Veras

    Excelente reflexão.

Anterior:
Imagem da Semana: O Abraço
Próximo:
Carta ao Leitor — Edição 251
Newsletter

Seja o primeiro a saber sobre notícias, acontecimentos e eventos semanais no seu e-mail.