Pular para o conteúdo
publicidade
Ilustração: Revista Oeste/IA
Edição 251

Super Sheridan enfrenta os ‘soldades’ woke

A sinceridade do roteirista Taylor Sheridan quebra tabus. E suas séries fazem enorme sucesso

Dagomir Marquezi
-

Você pode nunca ter ouvido falar de Taylor Sheridan. Mas é bem provável que ele tenha chegado até você. Aos 54 anos, Sheridan hoje comanda um império de séries. Praticamente todas fazem sucesso e se multiplicam em spin-offs, prequelas e sequelas. Ele cria cada série, escreve todos ou quase todos os roteiros, dirige vários episódios. Como se não bastasse, ainda participa como ator. Recentemente foi visto no papel de Cody Spears, vestindo um uniforme camuflado e metralhando soldados iranianos numa operação secreta na série Lioness.

Taylor Sheridan criou o faroeste moderno Yellowstone, que gerou as prequelas 1883 e 1923. Na sua obra está o violento drama presidiário Mayor of Kingstown e a comédia de ação The Tulsa King. Como se fosse pouco, Sheridan criou a série mais quente de espionagem do momento, Lioness. E conseguiu fazer de um drama sobre petróleo — Landman — mais um grande sucesso. Tudo isso mais ou menos ao mesmo tempo.

Parte da nata dos astros de Hollywood faz parte do seu elenco — Zoe Saldaña, Billy Bob Thornton, Sylvester Stallone, Nicole Kidman, Morgan Freeman, Helen Mirren, Harrison Ford, Jon Hamm, Jeremy Renner, Demi Moore, Kevin Costner etc. A Paramount confia tanto em Sheridan que gasta US$ 500 milhões por ano para produzir suas séries. E não reclama. Para se ter ideia, 1923 custou o equivalente a US$ 500 mil por minuto no ar.

Então por que você não ouve falar tanto em Taylor Sheridan? Em primeiro lugar, porque o cara não para de trabalhar no seu rancho de US$ 340 milhões e 685 quilômetros quadrados no Texas. Sim, segundo o Wall Street Journal, ele tem mais terras que Hong Kong. E não tem tempo para festas e selfies nas redes sociais. Mas existe outra razão para não ser badalado.

Taylor Sheridan, cineasta e roteirista americano | Foto: Ga Fullner/Shutterstock

O carimbo de ‘fascista’

O que Sheridan produz não se encaixa nas regras de “correção política” que hoje regem boa parte da produção cultural dos EUA (e do Brasil). Seus personagens falam verdades cruas. Mostram a realidade como ela é, sem a purpurina woke que deixou a indústria do entretenimento tão desinteressante e previsível. Suas produções não estão preocupadas em encaixar cotas raciais e sexuais no elenco.

Os heróis de Taylor Sheridan são pessoas que venceram por conta própria. Personagens durões sem medo de dizer o que pensam. Um de seus mantras é “ninguém é inocente”. O herói é o menos pior.

Fica difícil para os patrulheiros da imprensa militante carimbarem um “fascista” em sua testa. Taylor Sheridan tem simpatia especial pelos nativos americanos. Uma indígena chamada Teonna (Aminah Nieves) sofre horrores nas mãos de padres e freiras na série 1923.

A violência come solta na série Lioness — mas quem está na frente de batalha são mulheres fortes e decididas a combater senhores do tráfico e terroristas. A série já teve dois romances entre as combatentes. E os dois romances homossexuais se encaixaram perfeitamente na trama, sem aquele gosto enjoativo de cena forçada por uma causa.

Os personagens de Taylor Sheridan promovem o debate em seus diálogos — e não a doutrinação. Nos roteiros, de vez em quando um dos personagens interrompe a ação para um monólogo. E é nesses monólogos que temos declarações surpreendentes e mais profundas, que não costumamos ouvir em outras obras.

Aqui vão alguns exemplos, em tradução livre.

Foto de divulgação da série Lioness | Foto: Reprodução

Série: Lioness

Temporada 2, episódio 2

Na casa da agente da CIA Joe (Zoe Saldaña), seu marido médico Neal (Dave Annable) e suas filhas Kate (Hannah Love Lanier) e Charlie (Celestina Harris) preparam o café da manhã.

CHARLIE: Por que um rapaz quer ser um cheerleader [líder de torcida]?

NEAL: Havia cheerleaders homens quando eu estava no colégio. Não é novidade.

CHARLIE: Ele não é um garoto, pai. Não é assim que ele se identifica. Você não acredita nele?

NEAL: Eu não o conheço para acreditar nele.

CHARLIE: Meu Deus, isso é tão transfóbico…

NEAL: A definição de fobia é o “medo extremo ou irracional de alguma coisa”. Discordar de alguém não é uma fobia.

KATE: Você está negando que os trans existem.

NEAL: Eu não estou negando nada. Se a única maneira de divulgar uma ideia é eliminar qualquer argumento contra essa ideia, então você não tem a ideia.

JOE: O que seu pai quer dizer é que ideias podem ser desafiadas. Ele tem o direito de discordar de você. E você tem o direito de discordar dele. Existem países onde esse direito não existe, e esses são lugares que você não quer visitar. Infelizmente é para esses países que eu [como agente da CIA] tenho que ir.

***

Série: Lioness

Temporada 2, episódio 5

Pablo Carrillo (Demián Castro), cidadão americano, fala com sua filha militar, Josephina (Genesis Rodriguez).

PABLO: Quando eu servi [o Exército], não tinha banheiro para você decidir a qual gênero pertence hoje e nada dessa bobagem. O exército não consegue alistar mais ninguém. A opção é recrutar mulheres, recrutar homens que acham que são mulheres, e mulheres que acham que são homens. Mulheres, bichas, maricas e sapatões. Esse é nosso exército agora. O primeiro sinal de que um império está desabando é quando as pessoas questionam as instituições sobre as quais o império foi construído: a estrutura do governo, as igrejas, as escolas. Eles rejeitam Deus porque os imperadores começam a acreditar que são os próprios deuses. E o povo se torna tão rico que todos passam a acreditar que também são imperadores. E bons demais para fazer o trabalho que construiu o império no início. Então eles terceirizam esses empregos. E abrem suas fronteiras para permitir que pessoas desesperadas façam todos os trabalhos que eles se sentem ricos demais para fazer. E então vem a culpa por toda essa riqueza. Mas mesmo assim o império floresce. E agora todos questionam suas riquezas. E se questionam. E então rejeitam tudo o que possibilitou a construção do império. Destroem seus símbolos, atacam a si próprios como um câncer, atacam as pessoas que defendem o império. Aí chegam os lobos. E todos que viveram como imperadores vão conhecer o sofrimento que culpam a si mesmos por criarem. Serão massacrados. Um novo império surgirá das cinzas. E o ciclo recomeça.

***

Série: Lioness

Temporada 2, episódio 7

Edwin Mullins (Morgan Freeman), secretário de Estado, fala com Byron Westfield (Michael Kelly), diretor-adjunto da CIA.

EDWIN: Em uma década não existirá nenhum alicerce de jornalismo no atual formato. New York Times, Washington Post, Wall Street Journal… Eles pararam de dar notícias e começaram a nos contar o que eles acham que é a notícia e qual deve ser nossa opinião sobre essa notícia. Os americanos sempre foram crédulos, mas não são estúpidos. Minta bastante e eles não vão confiar em você nem quando disser que o sol vai nascer.

YouTube video

***

Série: Landman

Temporada 1, episódio 3

O gerente de produção Tommy Norris (Billy Bob Thornton) passeia com a advogada Rebecca Falcone (Kayla Wallace) por um campo de turbinas eólicas instaladas junto aos poços de petróleo.

REBECCA: A energia limpa começou a expulsar a indústria do petróleo?

TOMMY: Nós a usamos para fornecer energia aos poços. Estamos fora da rede elétrica.

ADVOGADA: Eles usam energia limpa para alimentar os poços de petróleo?

TOMMY: Eles usam energia alternativa. Não tem nada de “limpo” nessa história. [Cada torre] tem 122 metros de altura. A fundação de concreto cobre 1.350 metros quadrados e tem 3,6 metros de profundidade. Você tem ideia de quanto diesel eles precisam para misturar esse monte de concreto? Ou transportar tudo isso pra cá? E montar tudo com um guindaste de 140 metros? Tem ideia de quanto óleo se usa para lubrificar esse troço? Nos seus 20 anos de vida útil essas torres não vão pagar a pegada de carbono que usaram para ser construídas. Se todo o mundo decidisse virar elétrico amanhã, a gente não teria as linhas de transmissão para levar a eletricidade para as cidades. Isso levaria 30 anos se a gente começasse amanhã. E, infelizmente, para os seus netos nós temos uma infraestrutura à base de petróleo que vai durar só 120 anos. Toda nossa vida depende disso. E [o petróleo] está em tudo. Na estrada na qual chegamos aqui. Nos pneus em cada carro que produzimos, incluindo o seu. Está nas raquetes de tênis, nos batons, nos refrigeradores e nos remédios anti-histamínicos. Está em tudo que é plástico. Na capa do seu celular, nas válvulas de coração artificiais. Em todo tipo de roupa que não é feita de fibras animais ou vegetais. No sabão, na loção para as mãos, nos sacos de lixo, nos barcos pesqueiros. E sabe qual é o problema [do petróleo]? É que está acabando antes que a gente encontre um substituto. Extrair petróleo é o mais perigoso trabalho do mundo. Nós não fazemos porque gostamos. Fazemos porque não temos outra opção.

***

Série: Landman

Temporada 2, episódio 5

Monty Miller (Jon Hamm), proprietário de uma empresa petrolífera, tem um almoço com empresários do setor. Alguns deles estão aflitos com a pressão por “energia limpa”.

MONTY: Vocês foram a tantas reuniões de acionistas que esqueceram o que fazemos para viver. Nós somos cavadores de poços. Nós nunca controlaremos como nosso produto é usado ou para que serve. Não há nada que eu possa fazer para um motor poluir menos porque eu não construo as porcarias dos motores! Eu não me importo com o que o governador da Califórnia diz sobre veículos elétricos. Eu não ligo para quantos universitários bloqueiam o trânsito de Londres ou picham uma porra de uma escultura. Minha preocupação é que o preço do petróleo permaneça entre US$ 76 e US$ 88 o barril. É isso que a gente deveria estar discutindo. O mundo já se convenceu de que vocês e eu somos maus por fornecermos a eles a única coisa com a qual eles interagem todos os dias. Não vão ser convencidos de outra coisa.

YouTube video

dagomirmarquezi.com
@dagomirmarquezi

Leia também “A defesa nutella da Europa”

0 comentários
Nenhum comentário para este artigo, seja o primeiro.
Anterior:
A tirania da culpa
Próximo:
A nova indústria do emagrecimento
Newsletter

Seja o primeiro a saber sobre notícias, acontecimentos e eventos semanais no seu e-mail.