Carismático, sorridente e calmo. Essa é a primeira impressão de quem tem uma conversa informal com o advogado Paulo Faria. A imagem, contudo, muda drasticamente quando o assunto é Direito. Principalmente quando se trata de defender os seus clientes, sobretudo Daniel Silveira, ex-deputado preso no exercício do mandato, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Desde o começo de janeiro, o advogado apresentou mais de dez pedidos de indulto presidencial para o ex-deputado, mesmo sob ameaça de multa pelo STF. “Um juiz não pode ignorar pedidos da defesa”, constatou. “Ele precisa dar uma resposta.” A insistência surtiu efeito. Nesta semana, Moraes deu 15 dias para a Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestar. A estratégia da pressão, sem qualquer tipo de recuo, se repetiu durante meses pela liberdade condicional a Silveira, e deu certo, apesar de ter durado quatro dias, em virtude do suposto descumprimento de medidas cautelares.
A personalidade combativa de Faria no âmbito profissional motivou o advogado a ir ao exterior por três vezes, onde denunciou a situação de Silveira na Comissão Interamericana de Direitos Humanos. “Embora ainda estejam analisando os documentos, à época já foi possível ver efeitos no Brasil”, disse, em alusão a uma série de atos da PGR e de Moraes, na sequência das viagens de Faria, no sentido de movimentar o processo de Silveira de alguma forma. “Tem sido um desafio hercúleo”, observou o advogado, ao mencionar que nunca imaginou atuar em um processo tão complexo e repleto de abusos. “Advogar no Brasil do STF se tornou perigoso. Isso afeta qualquer um.”
![Daniel Silveira progressão semiaberto](https://medias.revistaoeste.com/wp-content/uploads/2023/10/Foto-Plinio-XavierCamara-dos-Deputados.webp)
Atualmente, o objetivo do advogado é restabelecer a liberdade condicional para o ex-deputado, que está em Bangu desde 24 de dezembro do ano passado. De acordo com Faria, Silveira passa 22 horas na cela e apenas 2 horas no banho de sol por dia. Depois disso, Faria espera que seja possível Silveira, condenado a oito anos e nove meses de prisão, ter de volta a sua vida normal. “Espero que a mudança geopolítica mundial possa trazer alguma ajuda não só para Silveira, mas também para outros presos políticos que sofrem no Brasil, como os do 8 de janeiro”, disse.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Quais são os maiores abusos do caso Daniel Silveira?
O maior deles é a violação do artigo 53 [“os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos“], pois era algo inimaginável. Na sequência, atropelou-se o princípio da imparcialidade do juiz. Isso porque Moraes era uma das supostas vítimas do inquérito relatado por ele. Só por esse fato, há imediata nulidade de tudo. Todavia, o processo seguiu tramitando. Os Códigos de Processo Civil e Processo Penal barram essa atitude. É tão grave que a Lei do Impeachment diz, claramente, que, se o juiz julgar um caso no qual ele é suspeito, automaticamente comete crime de responsabilidade. Vários pedidos de impedimento de Moraes existem com base nessa arbitrariedade. Afirmo ainda que os outros ministros que condenaram Silveira incorreram no mesmo crime, pois também seriam considerados vítimas.
O senhor e os demais advogados de defesa do ex-deputado sofreram algum tipo de ameaça por atuarem no processo?
Recebíamos recados vindos de terceiros. As mensagens exigiam que “pegássemos mais leve” com os ministros, que evitássemos criticá-los nas redes sociais e que deixássemos de lado o tom incisivo nas petições. No meu caso, particularmente, a “ordem” foi para eu sair da defesa. Um interlocutor de Moraes chegou a me falar o que disse o ministro: “Será que esse advogado não sabe quem eu sou?”. Respondi à pessoa: “Sim, ele é um agente público”. Apesar dessas investidas, eu permaneci na defesa.
![Alexandre de Moraes no STF](https://medias.revistaoeste.com/wp-content/uploads/2025/01/Moraes-Bruno-Peres-0512-7.jpg)
Por duas vezes, Moraes mandou multar o senhor. A OAB fez algo? A Ordem tem dado algum respaldo à defesa?
Ele me multou em R$ 10 mil, um dia antes de Silveira ser condenado, por “excesso de recursos”. O ministro fez isso para me constranger. Por isso, acionei a OAB, que só apresentou um recurso, disse que ajudou, mas não fez mais nada. Para se ter uma ideia, até hoje o STF não julgou isso. Posteriormente, em 2024, veio outra cobrança, pelo mesmo motivo, só que de R$ 2 mil. Moraes não poderia se queixar da quantidade de recursos, visto que não há nada que proíba isso. Se eu peço uma segunda vez, é porque o primeiro requerimento acabou não sendo atendido, e assim sucessivamente. A Justiça não pode negar uma resposta à defesa, sobretudo quando o magistrado toma decisões posteriores, sem responder à solicitação inicial, e para prejudicar o réu. É exatamente isso o que ocorre nesse caso.
Como é advogar no processo do ex-deputado?
Um desafio hercúleo. Primeiramente, porque nunca imaginei que advogaria para um deputado preso no pleno exercício do mandato por ordem de um ministro do STF. Em segundo lugar, também jamais passou pela minha cabeça ser multado em virtude de exercer uma prerrogativa da profissão, que é recorrer em prol do meu cliente. Advogar no Brasil do STF se tornou perigoso. Isso afeta qualquer um, ainda mais quando não se tem a proteção de um órgão que diz representar você e garantir as suas prerrogativas. Ao não assegurar a defesa da categoria, a OAB dá demonstrações de que realmente virou um puxadinho do STF. A única eficiência da Ordem, atualmente, é cobrar a nossa anuidade.
Quais são as diferenças em relação a outros casos em que o senhor advogou? A lei está sendo seguida?
Impossível comparar, pois nunca atuei em caso semelhante. Talvez o mais próximo seja o da ativista Sara Winter, que também teve vários de seus direitos violados pelo STF. O de Silveira, porém, extrapola o nível do absurdo.
![sara winter, alexandre de moraes, stf, prisão, notícia-crime](https://medias.revistaoeste.com/wp-content/uploads/2020/08/sara-winter-01.jpg-1.jpg)
O senhor denunciou no exterior os abusos no processo do ex-deputado. Houve algum andamento nisso?
Por enquanto, não. Organismos internacionais, como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, estão avaliando isso. De todo modo, já foi possível ver efeitos no Brasil, como a movimentação, à época, da PGR, sobre a liberdade condicional, e o próprio Moraes concedendo esse benefício ao ex-deputado.
Quanto de patrimônio o ex-deputado tem bloqueado por ordem do STF?
O patrimônio está avaliado em R$ 1,1 milhão, que diz respeito não apenas a dinheiro em conta, mas a outros bens.
Como está a vida da família de Silveira? Eles trabalham ou vivem de alguma ajuda?
A mãe de Silveira, dona Matildes, vive com uma aposentadoria. As filhas moram com a mãe e recebem algum valor que mandamos oriundo de vaquinhas. Emocionalmente falando, estão todos abalados, sobretudo a doutora Paola, mulher do ex-deputado. Ela toma remédios controlados para lutar contra a depressão que a acometeu.
Como é a rotina de Silveira em Bangu 8?
Ele fica 22 horas enjaulado sozinho, em uma cela, e duas horas no banho de sol. Quando é possível, lê alguns livros. No cárcere, há colchão e banheiro, mas a água é gelada. Em épocas de frio, tomar banho é uma tarefa dolorosa, pois Bangu 8 fica em uma região de serra e, no inverno, o frio é bastante rigoroso.
Ao mandar o ex-deputado de volta para a cadeia, o ministro Alexandre alegou descumprimento de cautelares. Como o senhor rebate a acusação?
Não houve descumprimento de cautelares, no plural. Silveira teria descumprido apenas a questão do horário, à noite, no domingo, ao voltar para casa depois das 22 horas. É preciso considerar que ele teve uma crise renal. Foi necessário atendimento de emergência no Hospital Santa Teresa, em Petrópolis. Observo ainda, a respeito das outras alegações do ministro, que o próprio documento da Secretaria de Administração Penitenciária do RJ não aponta outras violações, exceto a ida dele àquela unidade de saúde.
Qual é a solução para o caso do ex-deputado?
O respeito à lei e à Constituição, algo que eu não imagino que vá acontecer. Esse seria o primeiro ponto que daria certo para restabelecer a ordem pública. De resto, espero que a mudança geopolítica mundial possa trazer alguma ajuda não só para Silveira, mas também para outros presos políticos que sofrem no Brasil, como os do 8 de janeiro.
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