Donald Trump está mesmo começando o seu segundo mandato, como diria a minha mãe, “com a corda toda”, com empenho impressionante para cumprir as promessas de sua campanha vitoriosa, sintetizadas no mote “fazer a América grande novamente” (MAGA, na sigla em inglês). Embalam-no a coragem e a certeza de que a sua acepção de grandeza é amplamente abraçada pelos eleitores. O homem não está para brincadeiras e rapidamente, entre outras medidas, anunciou uma nova tarifa de 25% sobre todos os produtos provenientes do México e do Canadá; ameaçou aumentar em 10% o tributo sobre bens fabricados na China; afirmou que pretende estabelecer novas taxas sobre a União Europeia; e anunciou, ainda, a possibilidade de colocar encargos mais amplos sobre todas as importações. Disse tudo isso com firmeza e esperou para ver as reações dos afetados pelas prováveis medidas.
A imposição de tarifas protecionistas sobre o comércio internacional é um tema bastante antigo na teoria econômica. Tarifas tendem a onerar os consumidores, mas trazem benefícios imediatos para os produtores domésticos, o que, naturalmente, os leva a defendê-las. Só que essas vantagens concedidas têm duração limitada, uma vez que no longo prazo o privilégio concedido a uma classe qualquer de produtores perde sua capacidade de gerar ganhos específicos, porque o setor inicialmente privilegiado atrai novos empresários, e a competição tende a eliminar os ganhos específicos decorrentes do privilégio, o que levou Mises a escrever: “Por isso, a avidez dos ‘amigos do rei’ por novos privilégios é insaciável; querem novos privilégios porque os antigos perderam a eficácia”.
Para o leitor não familiarizado com a teoria econômica, é conveniente ilustrarmos o caso das tarifas aduaneiras com um exemplo. Imaginemos que o país X, em 2025, estabeleça uma tarifa sobre a importação de calçados. As empresas nacionais ligadas à produção de calçados auferirão lucros maiores, o que incentivará o surgimento de novos produtores, fazendo com que os ganhos repentinos da atividade em 2025 e nos anos imediatamente seguintes se tornem sucessivamente declinantes, até desaparecerem. Uma parte da fabricação mundial de calçados será deslocada de onde a produção por unidade de insumo — ou seja, a produtividade — era maior, para o país X, onde é mais cara. Os residentes do país X vão, então, pagar preços maiores do que os que pagariam, na ausência da tarifa, por sapatos, sandálias, botas, botinas, chinelos, couro, plásticos, cadarços, cola e outros produtos. Dado que o país X utilizou uma parcela maior de capital e trabalho na indústria de calçados do que utilizaria se o comércio desse produto fosse livre, outras indústrias do país vão encolher ou, na melhor hipótese, vão ser impedidas de crescer. Menos calçados serão comprados do exterior e quantidades menores de outros bens produzidos no país X precisarão ser exportadas para pagar por calçados do que anteriormente, quando eram importados. O volume do comércio exterior do país X diminui e, ao fim e ao cabo, ninguém, dentro ou fora do país, se beneficiará da tarifa.
Pelo contrário, todos serão prejudicados pela diminuição da produção mundial se a política para calçados adotada por X for replicada por todos os outros países e em relação a todas as demais mercadorias de uma maneira hipoteticamente severa, até a eliminação de todo o comércio internacional e o isolamento de todas as nações, todos os povos serão alijados das vantagens decorrentes da divisão internacional do trabalho.
No longo prazo, a revogação da tarifa só traria benefícios, tanto para os habitantes do país X como para os estrangeiros. Entretanto, no curto prazo, prejudicaria os interesses dos que investiram na indústria de calçados, assim como os ganhos imediatos dos empregados nas fábricas e nas indústrias correlatas. Provavelmente, parte deles seria forçada a emigrar ou a mudar de ocupação, e é por isso que tanto uns como outros lutam contra qualquer tentativa de diminuição ou de abolição da tarifa. De fato, há enormes dificuldades de caráter político para abolir medidas restritivas adotadas anteriormente, uma vez que a estrutura de produção já tenha se ajustado à sua existência.
Em resumo, é consensual que guerras de tarifas como a que alguns analistas estão antevendo face às ameaças de Trump são ineficientes para todos os países envolvidos, uma vez que todos, literalmente, perdem, embora, obviamente, as perdas sejam maiores para os países considerados pequenos no âmbito do comércio internacional do que para os países grandes, especialmente se estes detiverem algum tipo de poder de mercado.
Como era de se esperar, estão chovendo críticas sobre as ameaças de medidas protecionistas da Casa Branca, vindas principalmente de duas fontes: de alguns dos defensores da liberdade econômica (que no Brasil chamamos de liberais); e da esquerda, a mesma que, curiosamente, sempre teve aversão figadal ao livre comércio. Os primeiros estão pecando por olharem exclusivamente para os aspectos econômicos das medidas, esquecendo-se de que a economia é importante, mas não é tudo (especialmente no início de um mandato), enquanto a segunda está apenas reiterando sua conhecida hipocrisia e reafirmando sua habitual incoerência.
Cá entre nós, quem é tão ingênuo para acreditar que Trump e os economistas que o assessoram não sabem que, sob o ponto de vista estritamente econômico, tarifas são sempre ineficientes no longo prazo? É claro que eles sabem! O próprio Trump já admitiu isso, mas acrescentou que o sacrifício valerá a pena, tendo em vista o seu grande objetivo, que é recuperar a grandeza da América e resgatar o Ocidente da decadência a que se autoimpôs. Em suas próprias palavras: “Esta será a fase de ouro da América. Haverá alguma dor? Sim, talvez (e talvez não). Mas faremos a América grande de novo, e vale a pena o preço que deve ser pago. Somos um país que agora é gerido com o senso comum. E os resultados serão espetaculares”.
É importante perceber, então, que a questão transcende os aspectos puramente econômicos: o presidente dos Estados Unidos está apenas se valendo de um expediente econômico — a política de tarifas — como parte de uma estratégia para alcançar objetivos bem mais amplos, de caráter geopolítico, porque acredita que os ganhos decorrentes do renascimento da hegemonia americana e da recuperação dos valores do Ocidente serão maiores do que os custos impostos pelas tarifas e por uma possível guerra comercial entre vários países. É uma aposta, um jogo de alto risco, mas talvez seja a única maneira de restaurar a grandeza da América e de garantir a sobrevivência da civilização, que vem sofrendo várias ameaças sem reagir, com uma passividade indesculpável, com a complacência da União Europeia. Por isso, Trump, com seu histórico de ótimo negociador, tem falado grosso e demonstrado força.
O efeito sobre o México foi imediato: Claudia Sheinbaum Pardo, a presidente ultraesquerdista do país, depois de alguns minutos de bravatas, pediu arrego e correu rapidamente à rede X para anunciar que tivera uma “boa conversa” com Trump, acertando que reforçará a fronteira com 10 mil integrantes da Guarda Nacional, para coibir o tráfico de drogas e a saída ilegal de emigrantes do México para os Estados Unidos, comprometendo-se a Casa Branca a trabalhar para impedir a entrada de armas de alta potência no México e a suspender a tarifa por um mês.
O primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, outro radical da esquerda globalista, com a popularidade em pandarecos, também ensaiou uma fanfarronice, dizendo que o seu país imporia tarifas de 25% sobre produtos americanos. Porém, diante da firmeza de Trump, botou o galho dentro e postou na mesma rede X:
“Acabei de ter uma ‘boa ligação’ com o presidente Trump. O Canadá está implementando nosso plano de fronteira de US$ 1,3 bilhão — reforçando a fronteira com novos helicópteros, tecnologia e pessoal, coordenação aprimorada com nossos parceiros americanos e recursos aumentados para interromper o fluxo de fentanil. Quase 10 mil funcionários da linha de frente estão e estarão trabalhando na proteção da fronteira. Além disso, o Canadá está assumindo novos compromissos para nomear um Czar do Fentanil, listaremos os cartéis como terroristas, garantiremos olhos 24 horas por dia, 7 dias por semana na fronteira, lançaremos uma Força de Ataque Conjunta Canadá-EUA para combater o crime organizado, o fentanil e a lavagem de dinheiro. Também assinei uma nova diretiva de inteligência sobre o crime organizado e o fentanil e a apoiaremos com US$ 200 milhões. As tarifas propostas serão suspensas por pelo menos 30 dias enquanto trabalhamos juntos.”
Já as autoridades chinesas prometeram apenas registrar uma queixa na Organização Mundial do Comércio e “tomar contramedidas correspondentes”, mas até agora não especificaram quais seriam as retaliações e, cá entre nós, dificilmente partirão para o confronto. É mais provável que também “peçam penico”, porque, no fundo, têm juízo. Putin, por sua vez, vem tratando Trump amistosamente, chegando a afirmar que se tivesse sido eleito em 2020 a guerra na Ucrânia não teria acontecido.
É óbvio que a estratégia de Trump não se resume apenas a impor ou ameaçar impor tarifas; ele apenas está dizendo para o mundo que o seu país é mais forte — econômica e militarmente — do que qualquer outro e que está disposto a enfrentar quem quer que se disponha a colocar essa força à prova. Para exprimir isso em linguagem bem simples, o recado que ele está dando é do tipo “quem não sabe brincar não desça para o play”.
Gustavo Petro, o presidente ultraesquerdista da Colômbia, achou que sabia brincar e desceu, mas quando viu o que o esperava voltou correndo, pegou o elevador e recolheu-se ao seu apartamento. Experiência semelhante teve o presidente do Panamá, José Raúl Mulino, que, depois da visita do secretário de Estado dos Estados Unidos, Marco Rubio, anunciou no último domingo que o seu país não renovará o acordo da chamada Rota da Seda com a China.
Até mesmo quando diz coisas aparentemente sem nexo, Trump sabe o porquê do recado e para quem se dirige. Ao dizer que pretende anexar a Groenlândia aos Estados Unidos, é como se estivesse falando à China: “Vocês vivem dizendo que, mais cedo ou mais tarde, Taiwan será de vocês. Tudo bem, então eu vou pegar a Groenlândia para mim”.
Ao “convidar” Trudeau a fazer do Canadá o 51º estado norte-americano, ele foi bastante claro em uma postagem na rede Truth Social:
“Nós pagamos centenas de bilhões de dólares para SUBSIDIAR [ele mesmo escreveu em caixa alta] o Canadá. Por quê? Não há motivo. Não precisamos de nada do que eles têm. Temos energia ilimitada, deveríamos fabricar nossos próprios carros e temos mais madeira serrada do que jamais poderemos usar. Sem esse subsídio maciço, o Canadá deixa de existir como um país viável. É duro, mas é verdade! Portanto, o Canadá deve se tornar nosso querido 51º Estado.”
E, ao anunciar que vai fechar a USAID, ele está dizendo aos radicais globalistas de esquerda: “Acabou! Vou cortar 40% dos recursos que vocês usam para financiar as pautas woke e outras aberrações da guerra cultural que vocês dizem ser ‘humanitárias’, mas que são ameaças sérias à América e ao Ocidente”.
Pode-se não gostar do jeitão do Trump, mas não se pode deixar de reconhecer, primeiro, que ele foi eleito para defender os interesses dos Estados Unidos depois do governo desastroso de Joe Biden (que, por sinal, saiu vitorioso, em 2020, em uma eleição bastante esquisita); segundo, que está cumprindo rigorosamente todas as promessas de campanha; e, terceiro, que em poucos dias já obteve várias vitórias, inclusive no Oriente Médio.
Quanto ao Brasil, que também está submetido a um governo desastroso e com uma política externa nanica, de envergonhar qualquer aluno do Instituto Rio Branco dos áureos tempos, o que o bom senso recomenda é que também não se atreva a descer para o play.
Ubiratan Jorge Iorio é economista, professor e escritor.
Instagram: @ubiratanjorgeiorio
Rede X: @biraiorio
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