No domingo, dia 2 de março, às 4h34 da manhã (hora de Brasília), uma nave pousou numa planície da superfície da Lua chamada Mare Crisium. A nave se chama Blue Ghost (“fantasma azul”) e foi construída por uma startup texana chamada Firefly Aerospace. É isto mesmo: uma startup que ninguém conhecia até a semana passada lançou uma nave que pousou perfeitamente na Lua.
A Firefly explicou o programa no seu site com a mesma leveza com que falaria de uma entrega de supermercado em domicílio por meio de motoboys:
“O módulo lunar Blue Ghost, da Firefly, está voando em missões anuais para a Lua com serviços de carga personalizados para a tecnologia e objetivos de exploração de cada cliente. Oferecendo oportunidades de compartilhamento de viagens e missões dedicadas, a Blue Ghost pode entregar e hospedar cargas em qualquer lugar da superfície lunar. Quando pareada com os veículos de lançamento e orbitais da Firefly, a Blue Ghost oferece suporte a serviços lunares de ponta a ponta da Terra para a Lua e além.”
É uma empresa de apenas 11 anos de existência que já tem base de lançamento e constrói seu próprio foguete, o Firefly Alpha. Operações espaciais eram conquistas de Estado: a Nasa nos EUA e o Roscosmos russo. Hoje, a conquista da Lua está sendo realizada por empresas particulares, numa espécie de terceirização. A Nasa deu uma ajuda de US$ 101,5 milhões para a Firefly. A grande estatal do espaço resolveu terceirizar seus serviços e se tornou muito mais ágil.
Vinte minutos de suspense
A Blue Ghost fez sua viagem basicamente para levar dez instrumentos da Nasa. Aproveitou para estudar o efeito da poeira lunar — chamada regolito — na nave. E descobriu que os sinais de GPS de satélites ao redor da Terra foram captados pela Blue Ghost. O que pode ajudar no próximo pouso.
O New York Times contou os detalhes do pouso da Blue Ghost. “Cerca de uma hora antes do pouso”, segundo a reportagem, “a espaçonave executou um comando pré-programado para disparar seu motor principal por 19 segundos, a fim de sair de uma órbita de 62 milhas de altura e seguir um caminho descendente em direção à superfície. Naquele momento, a nave espacial estava atrás da Lua e fora de comunicação. Ninguém na sala de operações de voo sabia como a nave espacial estava até que ela emergisse, cerca de 20 minutos depois”.

Imagine o grau de sofisticação tecnológica necessária para fazer uma manobra dessas. Pois uma startup do Texas conseguiu sem que ninguém estivesse prestando atenção. Seu fundador, Thomas Markusic, já trabalhou para a SpaceX (de Elon Musk), a Blue Origin (de Jeff Bezos) e a Virgin Galactic (de Richard Branson). O que faz de Markusic o representante de uma segunda geração de exploradores privados do espaço.
No lado oculto da Lua
O pouso do primeiro humano na Lua (Neil Armstrong, 1969) teve status de vitória definitiva dos Estados Unidos contra a União Soviética. Em 14 de dezembro de 1972, os astronautas Eugene Cernan e Harrison Schmitt foram os últimos a pisar no nosso satélite.
Agora, 53 anos depois, a Nasa tem o projeto Artemis, que reúne vários países e várias empresas com o objetivo de levar definitivamente humanos para a Lua. O projeto inclui a montagem de instalações para os astronautas, alojamento, fonte de energia, laboratórios etc. Água aparentemente existe em abundância.
Os russos desistiram da corrida. A China tem seu próprio projeto, mas ele é secreto. Os chineses conseguiram um grande feito no início de 2019 ao pousarem a nave Chang’e 4 no lado oculto da Lua. Ninguém tinha feito isso antes, nem conseguiu fazer depois. Hoje, o lado oculto é uma espécie de “território chinês”, por falta de concorrentes. Mas ainda neste ano a Blue Ghost deve romper esse monopólio pousando sua segunda nave no outro lado do satélite.
A primeira rede lunar de celulares
Em fevereiro do ano passado, outra empresa particular, a Intuitive Machines, também do Texas, pousou a nave Odysseus na Lua. Foi o primeiro pouso de uma empresa privada na Lua (e a primeira nave americana desde 1972). Nesta quinta-feira, dia 6 de março, a nave Athena, também da Intuitive Machines, pousou próximo ao polo sul da Lua. Levou, entre outros robôs, uma sonda para procurar vestígios de água congelada. O pleno sucesso da operação ainda não foi confirmado.

Outro dos veículos levados pela Athena deve estabelecer um marco: instalar a primeira rede de celular da Lua, em parceria com a empresa Nokia. As antenas da Nokia deverão ser instaladas em diferentes pontos por pequenos veículos aéreos semelhantes a drones, mas movidos a jato (já que na Lua não existe atmosfera para as hélices).
Outras mininaves levadas pela Athena mostram o sentido bem prático dessa nova onda de exploração espacial. Uma dessas naves vai sobrevoar o satélite para mapear as fontes subterrâneas de água. Outra vai procurar sinais de metais preciosos para uma futura exploração comercial.
Empreendimento de risco
A fila não para. Em 5 de junho deve pousar no Mare Frigoris (Mar do Frio) a nave Resilience, também criada por uma empresa particular, a Ispace. A empresa, com sede no Japão, tentou um primeiro pouso em abril de 2023, mas se espatifou na cratera Atlas a mais de 300 quilômetros por hora.
Não é, claro, um empreendimento sem riscos. Fora a Ispace, sete programas diferentes já se chocaram com a superfície lunar: Rússia, Estados Unidos, Japão, Agência Espacial Europeia, Índia, China e Israel.
A última tentativa da Rússia foi com a sonda Luna-25, que se chocou com a superfície em agosto de 2023. A Índia conseguiu pousar o Chandrayaan-3 quatro dias depois da queda do Luna russo. Quatro anos antes, em abril de 2019, a empresa israelense tentou pousar a nave Beresheet, mas ela se chocou com a superfície. Ainda em 2006, a primeira sonda europeia (a Smart-1) também se atirou contra a Lua, mas o choque fazia parte da missão.
Em 15 anos, a primeira cidade da Lua?
Como aconteceu no século 16, estamos numa nova corrida de conquistas de novas terras — no caso, corpos celestes. Colocar humanos definitivamente na Lua é uma ponte para a exploração de Marte, como sempre diz Elon Musk. Ele fala constantemente que a humanidade deve ser multiplanetária se quiser sobreviver no longo prazo.
A China quer levar seus primeiros astronautas para a Lua daqui a cinco anos. Eles pretendem pousar no polo sul do satélite, onde estão os maiores depósitos de água. O deputado Brian Babin (Republicanos, Texas) declarou que sua maior preocupação é que os astronautas da Nasa “chegarão à Lua apenas para serem recebidos por uma placa que diz ‘entrada proibida’, em mandarim”. Por via das dúvidas, o projeto Artemis, da Nasa, pretende colocar astronautas na Lua antes dos chineses, até 2027.
Qual modelo vai conseguir seu objetivo? O modelo estatal chinês ou o público-privado seguido pelos EUA, Israel e Japão? Quem viver verá.
Segundo projeções da empresa Ispace, em apenas 15 anos — o tempo que se leva para virar adolescente — a Lua poderá ter sua primeira cidade funcionando para cientistas, exploradores e turistas.
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