Integrante da equipe de defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro desde janeiro deste ano, o advogado Celso Vilardi trabalha com grandes casos criminais há mais de 30 anos. Entre outros processos, atuou no Mensalão como defensor de Delúbio Soares, ex-tesoureiro do Partido dos Trabalhadores e um dos principais personagens do escândalo de corrupção. O advogado esteve também no comando da defesa da empreiteira Camargo Corrêa, que conseguiu anular o inquérito da Operação Castelo de Areia, de 2009, cujas descobertas foram revisitadas pela Lava Jato.
Técnico e bem conceituado no meio jurídico, Vilardi vê chances de Bolsonaro alcançar algum sucesso contra a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), à qual o ex-presidente responde por suposta tentativa de golpe de Estado. A acusação está no Supremo Tribunal Federal (STF) e aguarda ser recebida ou rejeitada. O advogado, contudo, reconhece que houve limitações impostas pelo STF ao seu trabalho. “Deveriam ter liberado para nós todas as mídias dos telefones celulares e computadores apreendidos dos investigados no que seria o suposto plano para dar um golpe de Estado”, defendeu ele.
Para Vilardi, outra limitação foi o curto espaço de tempo dado à defesa para se manifestar sobre a denúncia: 15 dias. “A PGR ficou com o processo durante três meses”, observou, ao mencionar que, juntos, o relatório da Polícia Federal (PF) e a denúncia da PGR têm mais de mil páginas. Para o advogado, apesar de toda a batalha judicial, o cerne da questão está na delação do tenente-coronel Mauro Cid, que deveria ser anulada. “Há ausência de voluntariedade por parte do delator”, constatou Vilardi. “Áudios divulgados pela revista Veja mostram um Cid diferente daquele que celebrou o acordo com a PF.”
A seguir, os principais trechos da entrevista.
A delação do tenente-coronel Mauro Cid e o relatório da PF, que embasaram a acusação da PGR contra o ex-presidente, têm substância?
Não discutiria essa questão de substância. Entendo que a delação deveria ser anulada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Isso porque há ausência de voluntariedade por parte do delator. Áudios divulgados pela revista Veja mostram um Cid diferente daquele que celebrou o acordo com a PF. Em segundo lugar, me parece extremamente grave o fato de que existe uma obrigação de sigilo na delação, e essa responsabilidade incontroversamente foi rompida por Cid na medida em que aquelas gravações foram publicadas. Em virtude desses elementos, entendo que a “prova” é completamente inválida.

Na peça da defesa, o senhor pediu para Bolsonaro ser julgado pelo plenário. Por quê?
Estamos falando de um ex-presidente da República. No pleno da Corte, há a possibilidade de múltiplas visões sobre o processo serem expostas ao público. Além disso, o peso de uma decisão nesse espaço é maior do que o veredito vindo apenas da Primeira Turma. Em meio às discussões históricas do STF acerca de competência de julgamento, entendo que o tribunal encaminhou aos colegiados os casos de parlamentares, mas não os de presidentes da República. Na minha compreensão do Direito, processos que tratam de figuras pertencentes à esfera na qual se encontra Bolsonaro precisam ser avaliadas por todos os membros do tribunal.
Há algum tipo de impedimento contra os ministros que devem julgar o ex-presidente?
Sim. Aproveito para esclarecer uma questão mal interpretada pela imprensa. Não entrei com pedido de impedimento contra Cristiano Zanin e Flávio Dino porque foram indicados pelo presidente Lula. Eu o fiz por causa de atitudes passadas dos dois ministros com relação ao meu cliente. Em 2021, o então governador do Maranhão, Flávio Dino, entrou com uma queixa-crime contra Bolsonaro. Já o próprio Zanin se declarou impedido de julgar um recurso apresentado pelo presidente ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na tentativa de reverter a sua inelegibilidade no TSE.

O senhor vê algum tipo de abuso judicial praticado contra Bolsonaro?
Entendo que existem nulidades a serem reconhecidas, e é por isso que eu estou pedindo na peça que o STF o faça.
Durante o processo, houve algum tipo de cerceamento ao direito de defesa? E quanto ao prazo para se manifestar?
Nos deram acesso ao relatório da Polícia Federal e à denúncia da Procuradoria-Geral da República apenas. No entanto, desde o começo, deveriam ter liberado à defesa todas as mídias dos telefones celulares e computadores apreendidos dos investigados. Isso nos ajudaria a entender se há trechos ou algum documento que seja do nosso interesse. Por isso alegamos ao STF que houve cerceamento do direito de defesa do ex-presidente. Queremos a íntegra de tudo, como em qualquer processo. Já a respeito do prazo, o correto seria o STF nos autorizar a enviar a manifestação apenas depois de o delator se pronunciar. O procurador-geral da República, Paulo Gonet, ficou com os autos por quase três meses antes de apresentar a denúncia. Já aos advogados, a Justiça deu 15 dias para ler e, em consequência, rebater todo o conteúdo. Juntos, o relatório da PF, que contém a investigação, e a denúncia da PGR têm mais de mil páginas.
O STF tem competência para julgar Bolsonaro, mesmo ele não tendo mais foro privilegiado?
O plenário do tribunal, sim. Quanto à questão do foro, estão discutindo justamente a extensão dessa prerrogativa também àquelas pessoas que ocuparam cargos públicos.
A partir da apresentação da peça da defesa, quais são os próximos passos? Há chances de uma reviravolta em benefício de Bolsonaro?
Temos que aguardar a análise do STF com relação a tudo o que apresentamos e saber como a Corte vai se manifestar no que diz respeito à aceitação ou não da acusação da PGR. O julgamento não pode ser político, mas, sim, técnico. Acredito que há chances de algo em prol de Bolsonaro. Caso contrário, eu não estaria atuando no caso do ex-presidente.

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