Nos últimos meses houve um grande aumento no preço dos alimentos. Mas os preços não subiram porque há escassez de comida ou porque as pessoas estão comendo demais. Os preços subiram por causa da inflação.
Inflação é o aumento do dinheiro em circulação, um aumento gerado pelo governo. Por que ele faz isso? Para financiar seus gastos, que são cada vez maiores. Todas as outras explicações para a subida geral dos preços são apenas cortinas de fumaça
É claro que, se há muita procura por determinado produto (excesso de demanda) e não há produto suficiente sendo vendido (falta de oferta), o resultado é a elevação do preço. Mas isso não é inflação; trata-se apenas da flutuação normal dos preços no mercado. Quando a procura pelo produto diminui, ou quando a oferta do produto aumenta, os preços voltam ao normal. Isso acontece o tempo todo.
O sintoma da inflação é o aumento generalizado e contínuo de todos os preços. É quando você vai ao supermercado e percebe que, em comparação a seis meses ou dois anos atrás, os preços de todos os produtos subiram. Esse aumento geral de preços é causado pelo aumento da moeda em circulação. Na verdade, não são os preços que sobem, é o dinheiro que perde o valor. É fácil constatar que o dinheiro sempre se desvaloriza. Compare o que você conseguia comprar com R$ 100 há dez anos com o que você compra hoje.
A inflação, cuja definição correta é o aumento da quantidade de dinheiro em circulação — que tem como seus efeitos a desvalorização do dinheiro e o consequente aumento de preços —, é o truque mais poderoso, sujo e oculto que o Estado tem para retirar riqueza do cidadão.

Não é fácil entender o que é inflação nem ter a noção de quanto ela beneficia o Estado às nossas custas. O conceito de aumento da moeda em circulação não é intuitivo. Todos nós sofremos na carne os efeitos perversos da inflação, mas os mecanismos que permitem que o dinheiro seja continuamente desvalorizado são complexos, envolvem terminologia propositalmente exótica e são criados e gerenciados por pessoas sem qualquer interesse em que esses mecanismos sejam conhecidos e avaliados, porque essas pessoas, de uma forma geral, colhem grandes benefícios, financeiros e políticos, desse sistema.
É provavelmente justo dizer que a desvalorização do dinheiro é a maior agressão cometida pelo Estado contra os cidadãos. Mas como o Estado produz inflação? E que benefício ele obtém com isso? Vamos explicar o processo de uma forma simplificada, deixando de lado detalhes técnicos não essenciais.
O processo funciona assim: quando o Estado precisa de mais dinheiro para fechar suas contas — porque ele gasta mais do que arrecada —, ele pega dinheiro emprestado. Como ele faz isso? Ele vende os chamados títulos da dívida pública. Esses títulos são vendidos a bancos credenciados. Dessa forma, o Estado consegue dinheiro para cobrir o rombo em suas finanças, e os bancos ficam com os títulos, que rendem juros. No vencimento do título, o banco recebe de volta o dinheiro que emprestou ao Estado, mais os juros (esses títulos são os mesmos que, hoje, qualquer cidadão consegue comprar por meio do sistema Tesouro Direto).
Até aí, tudo bem. Quer dizer: quase tudo bem. O Estado continua gastando mais do que pode e pegando dinheiro emprestado para tapar o buraco nas contas. Quando os títulos vencem, o Estado precisa pagar os bancos. O problema é que as contas do Estado continuam com déficit. Como o Estado faz, então, para pagar o valor dos títulos e os juros aos quais os bancos têm direito? A resposta é inacreditável, mas é verdade: o Estado simplesmente emite novos títulos, pega mais dinheiro emprestado e usa esse dinheiro novo para pagar o valor e o juros dos títulos que venceram. O termo técnico para isso é rolagem da dívida, mas também poderia ser caminhada para o precipício. Para não parecer implicância com o Brasil, é importante dizer que esse processo acontece na maioria das economias ocidentais: quase todas elas têm dívidas que só aumentam, e que criam a necessidade de pagar um valor cada vez maior de juros. A contínua degradação das finanças públicas criada por esse mecanismo já foi denunciada por inúmeros autores, entre eles o historiador inglês Niall Ferguson no seu livro A Grande Degeneração.

Mas ficou faltando a pior parte dessa história, aquela que é a responsável pela inflação.
Os bancos credenciados agora têm muitos títulos do Tesouro em suas carteiras. Eles podem vender esses papéis antes da data do vencimento. Isso acontece, por exemplo, quando um banco que tem muitos títulos precisa de dinheiro em caixa para fazer um lucrativo empréstimo a um de seus clientes. Os títulos podem ser vendidos para outro banco, para investidores ou para o Banco Central, que toda semana realiza operações de compra e venda de títulos com o mercado.
E é aqui que acontece o passe de mágica. De onde o Banco Central tira o dinheiro para comprar esses títulos? Do nada. O BC simplesmente cria dinheiro que não existia antes. Mas qual é o mecanismo usado para isso? Um simples registro contábil que o BC faz em seus computadores e que diz, deixando a linguagem técnica de lado: “compramos X títulos do banco ABC e depositamos Y milhões na conta dele” (para quem conhece contabilidade, essa operação é registrada contabilmente pelo Banco Central da seguinte forma: no ativo entra o título comprado; no passivo, registra-se o valor pago ao banco vendedor do título, valor esse que não havia previamente). Esse dinheiro que é pago ao banco vendedor do título foi criado do nada; ele não existia antes. Ele entra na conta do banco e pode ser emprestado aos clientes do banco ou usado para outra finalidade qualquer (lembrando: tudo isso é feito de forma eletrônica; são apenas dígitos na tela do Sisbacen, o sistema do Banco Central).
Perceba que aconteceu uma operação triangular envolvendo o Tesouro Nacional, os bancos privados e o Banco Central. Como vimos, essa operação é uma dança com dois passos. No primeiro passo, o governo pega um empréstimo com bancos privados, entregando a eles um título de dívida. No segundo passo, o título é comprado pelo Banco Central usando um dinheiro criado do nada. Quando o título é comprado pelo Banco Central, ele passa a ser o detentor da dívida (é curioso pensar em uma parte do Estado devendo dinheiro a outra parte do mesmo Estado); ou seja, é como se o Tesouro Nacional tivesse tomado um empréstimo do Banco Central, feito com dinheiro que o Banco Central criou do nada.

São dois os resultados principais desse processo. Primeiro, o governo conseguiu empurrar a sua dívida para a frente (sempre, é claro, aumentando o valor dela). A segunda consequência é que, quando o Tesouro Nacional pegou dinheiro emprestado para pagar as despesas do Estado, ele efetivamente recebeu dinheiro novo, que não existia antes. Esse dinheiro aumenta a quantidade de moeda em circulação no mercado, desvalorizando todo o dinheiro já existente. A desvalorização do dinheiro cria a impressão de que os preços estão subindo, mas, na verdade, é o valor do dinheiro que está caindo. Isso é inflação.
Se examinarmos com atenção o processo, veremos que, tecnicamente, quem cria a inflação é o próprio Banco Central, ao comprar do mercado títulos do Tesouro usando dinheiro que não existia. Se o Banco Central não fizer isso, o Tesouro não conseguirá mais pegar empréstimos com os bancos por meio da venda de títulos da dívida.
Ironicamente, um dos dois papéis principais do Banco Central é preservar o valor da moeda (o outro é regular o sistema bancário). É lógico que o Banco Central só tem essa necessidade de gerar inflação por meio da criação de dinheiro novo porque o Estado precisa continuar rolando sua dívida — e o Estado só tem dívida porque continua gastando mais do que arrecada. Existe uma enorme quantidade de indicadores e índices — como o IGP-M e o IPCA —, criados pelo próprio governo ou por entidades independentes, para tentar medir a inflação. Mas a única medida real da inflação é o crescimento da quantidade de dinheiro em circulação (encurtando uma longa história, desnecessária aqui, a quantidade de dinheiro existente tem o apelido de M2). O percentual de variação da quantidade de dinheiro é a única medida verdadeira da inflação. Todos os outros índices medem apenas alguma variação de preços — e geralmente dos preços de uma cesta de produtos definida pelo imaginário da burocracia estatal. Mas o crescimento da quantidade de dinheiro afeta os preços da economia de formas diferentes e em diferentes momentos. Como cada um de nós tem um estilo de vida próprio e um padrão de consumo particular, a inflação real que cada um de nós experimenta é diferente daquela sentida por outra pessoa. Mas é sempre muito maior do que os valores fictícios dos índices oficiais.
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