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Ilustração: Revista Oeste/IA
Edição 260

O PIB dopado

Alimentado por gastos públicos desenfreados, o Brasil cresce apenas no consumo, sem ganhos de produtividade nem melhorias estruturais

Carlo Cauti
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Um sinal claro de que há algo desajeitado na economia brasileira aparece na balança comercial. Em 2024, as importações cresceram quase 9% na comparação com o ano anterior. Algo no mínimo curioso para um país cuja moeda, o real, derreteu frente ao dólar americano, perdendo quase 30% do seu valor de janeiro a dezembro passados. Mais do que isso, as importações cresceram em ritmos chineses enquanto as exportações minguaram, caindo 0,8% na comparação anual.

O que explica essa dinâmica dos fluxos comerciais é o gasto público maciço. Programas sociais, benefícios e auxílios, além de crédito concedido pelos bancos, que colocaram mais dinheiro no bolso dos brasileiros. Que começaram a comprar mais produtos e serviços. Só que a economia nacional, já no limite de sua capacidade produtiva, não deu conta de produzir tanta coisa. E isso provocou esse resultado.

Regado a dinheiro público, o produto interno bruto (PIB) de 2024 cresceu 3,4%. Mas o consumo das famílias teve uma expansão muito maior: 4,8% no ano. A maior alta desde 2011. E como o consumo é o motor da atividade econômica pela ótica da demanda, respondendo por cerca de 60% do PIB, a economia como um todo cresceu graças ao “doping” dos gastos públicos.

Segundo o Instituto Fiscal Independente (IFI), órgão de controle da contabilidade pública ligado ao Senado Federal, “a expansão fiscal contribuiu com o impulso à renda disponível das famílias, estimulando o consumo”.

Desde 2023 o governo vem pisando no acelerador dos gastos públicos, que no ano retrasado cresceram 12,45%. Em 2024, Brasília manteve o pé no pedal. Lula herdou um resultado fiscal positivo do governo Bolsonaro. E torrou tudo. O superávit primário de quase R$ 55 bilhões de 2022 se transformou em um rombo de R$ 264,5 bilhões um ano depois. E outro vermelho de cerca de R$ 50 bilhões em 2024.

Ilustração: Shutterstock

Contando os juros sobre a dívida pública, a cratera fiscal chegou a beirar R$ 1 trilhão. O pior resultado da série histórica, iniciada em 2002.

“O governo anunciou alguns contingenciamentos somente depois de sentir a pressão do mercado, com o real perdendo força frente ao dólar e os juros futuros disparando”, explica Carlos Müller, sócio-fundador da Garoa Wealth Management. “Mas foi algo mínimo. O Executivo reduziu os gastos, mas em apenas 0,8% na comparação anual. Em relação ao que eram em 2022, contudo, as despesas públicas continuaram em alta de dois dígitos. E isso claramente tem um efeito de estímulo da economia. Mas tem um custo.”

Para o economista, quando o Tesouro Nacional passou a reduzir o ritmo de alta dos gastos, a economia começou a desacelerar. Isso explica o resultado pífio do quarto trimestre de 2024, com um PIB que cresceu apenas 0,2% no período. “Acabou o dinheiro, acabou o crescimento”, diz Müller.

Economia anabolizada

Relembrando a gestão da presidente Dilma Rousseff (PT), durante a qual os gastos públicos também foram turbinados para tentar alavancar a economia, Romeu Zema, governador de Minas Gerais, explicou dessa forma a situação atual: “Aquela crise lá atrás foi criada com a mesma receita que está sendo seguida agora. Gastança, irresponsabilidade fiscal e a economia crescendo com anabolizantes.” O resultado naquela época foi a “maior recessão da história do Brasil”.

Além dos gastos com programas sociais, como Bolsa Família, Auxílio Gás, Pé-de-Meia, Benefício de Prestação Continuada (BPC), entre outros, o que garantiu um crescimento expressivo do PIB foram os R$ 90 bilhões injetados via pagamento de precatórios – outra decisão polêmica do governo Lula tomada no primeiro ano de seu mandato. Sem contar o aumento da oferta de crédito. Principalmente por bancos públicos.

Em 2024, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aumentaram em quase 13% os empréstimos concedidos. Para não perder fatias de mercado e surfar a onda da economia aquecida, os grandes bancos particulares, como Santander, Bradesco e Itaú, seguiram a mesma linha e expandiram suas carteiras em 12%.

Ilustração: Shutterstock

A volta do Dragão

O primeiro sintoma da “doença brasileira” é sempre a inflação. No ano passado, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) chegou a quase 5%. Mais uma vez acima da meta fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).

Aconteceu o mesmo em 2023. O Banco Central (BC) já sabe que vai estourar também em 2025. E que descumprirá a meta pontualmente até, pelo menos, 2027.

As políticas fiscais do governo Lula se traduziram principalmente em inflação do carrinho de compras. Em 2024, os preços de alimentos e bebidas subiram 7,69%. Quase o dobro da inflação oficial.

E essa alta dos preços continua também em 2025. Em fevereiro, o IPCA foi de 1,31%. O maior índice em 22 anos. Novamente, os alimentos e bebidas estão entre as maiores altas: 0,7%. Com ovos que subiram mais de 15% e café avançando 10%. Níveis jamais vistos desde 1994, ano do Plano Real.

Ilustração: Shutterstock

“Estamos alimentando um crescimento que não é sustentável”, diz Müller. “Temos uma inflação que vai estourar a meta, mesmo com o BC subindo os juros até quase 15%. O gasto do governo está acima do razoável. O gasto das famílias está acima do que a indústria é capaz de fornecer. E isso provoca uma alta nos preços. O problema é que o Banco Central está em uma situação delicada, em que sobe os juros, mas isso não consegue provocar efeito na economia.”

Segundo o economista, além de um problema fiscal, existe uma questão de “qualidade do crescimento”. Pois estímulos fiscais podem até impulsionar a economia no curto prazo. Mas não fornecem ganhos de produtividade, que é o que realmente importa para um crescimento sustentável no médio e no longo prazo.

Sem contar que juros cavalares, necessários para tentar conter a inflação provocada pela irresponsabilidade fiscal do governo Lula, correm o risco de “estrangular a economia real”, como escreveu o banco alemão Commerzbank em um relatório recente.

“Mais uma vez o andamento da economia brasileira parece o famoso ‘voo de galinha’”, diz Rodolfo Pousa, CEO do Andbank. “Conseguimos dar um pulo, mas não deslanchamos para voar”. “O que é uma pena, pois o país tem inúmeras oportunidades e tudo para dar certo.”

Dívida pública explodindo

Além da inflação, a dívida pública é outro indício da deterioração da situação econômica. O endividamento do governo brasileiro subiu mais de 12% no ano passado, superando os R$ 7 trilhões.

Ilustração: Shutterstock

“Isso é mais um problema para o governo”, explica Müller. “Pois com uma dívida tão elevada o peso dos juros se torna cada vez maior em cima do Orçamento público. Isso corrói a capacidade de gasto discricionário do Executivo e reduz o espaço para novos estímulos fiscais”. É por isso que agora o governo está apostando em novas medidas populistas e na liberação de mais crédito para continuar estimulando a economia.

Por exemplo, a liberação dos recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para os trabalhadores que optaram pelo saque-aniversário, foram demitidos e, como consequência, não puderam receber o saldo do FGTS pela modalidade de rescisão. Apenas com essa medida, cerca de R$ 12 bilhões serão injetados na economia.

Além disso, Lula anunciou o novo programa chamado Crédito do Trabalhador, que permite a obtenção de empréstimos consignados também por empregados do setor privado. Até o momento, essa modalidade de crédito era limitada aos aposentados, pensionistas e funcionários públicos. Em contrapartida, os bancos poderão obter como garantia parte do FGTS.

Mais impostos à vista

Com a abertura das torneiras dos gastos públicos chegou também a voracidade do governo por novas receitas. Em 2024, a arrecadação foi a maior da história, subindo 9,5%. O Executivo foi em busca de recursos de todas as formas. Por exemplo, mudou o regime de tributação dos fundos de investimento offshore. Forçou a Vale a fechar um acordo de R$ 17 bilhões, sob a ameaça de anular a concessão da Estrada de Ferro Carajás de Vitória de Minas. Realizou uma transação tributária com a Petrobras que valeu R$ 12 bilhões para os cofres públicos. A Caixa foi obrigada a transferir cerca de R$ 6 bilhões de depósitos judiciais. E as estatais, principalmente o BNDES, pagaram dividendos extraordinários de R$ 38 bilhões.

“Para 2025, a tendência é de redução desses ingressos”, explica o IFI em seu relatório, prevendo que o governo terá sérios problemas para fechar as contas no azul se continuar gastando dessa forma. “A contribuição do ciclo econômico para as contas públicas deve se reduzir diante do arrefecimento esperado da economia em um ambiente de impulsos fiscal e monetário negativos.”

Ao perceber o tamanho do problema, o Executivo se viu obrigado a cortar quase R$ 8 bilhões do Bolsa Família. Quase um psicodrama para o PT, que fez do programa uma de suas maiores bandeiras. Mas algo fundamental para tentar aprovar o Orçamento de 2025, ainda paralisado no Congresso, mesmo depois de quase três meses desde o começo do ano.

O governo Lula escolheu uma receita econômica com base no lema “gasta e taxa”. Nos primeiros dois anos de mandato, conseguiu um PIB dopado. Mas o crescimento não se sustenta apenas com os esteroides de dinheiro público. Nos próximos dois, a ressaca será inevitável.

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1 comentário
  1. Denis R.
    Denis R.

    Gastou, gastou e cortou do bolsa família! Essa turma ai do tal de “L” deve estar dando pulos de alegria rsrs

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